Eu teria uns
seis anos de idade quando a poesia pousou no meu terreiro. É escusado dizer que
eu não sabia que “aquilo”era poesia, mas
depois de ouvir a tia Odete cantar (isso mesmo) a história de uma onça,
impiedosamente caçada nas caatingas do nordeste, afirmei emocionado: quando crescer, quero fazer isso. Desasnado
por dona Purcina, aos 8 anos, eu já estava acompanhando as peripécias do
valente Zé Garcia no folheto de João Melquídeas. Como, em matéria de livros, só
dispúnhamos dos folhetos de cordel, li todos os que me caíram às mãos. Aos doze
anos, instigado pelo irmão mais velho, resolvi escrever um folheto de sacanagem
denominado “O namoro de hoje em dia”. Uma obra a quatro mãos: ele entrava com o
conteúdo, cabendo a mim cuidar da forma. O folheto não chegou a ser publicado, mas
me rendeu uma surra conversada. Dona Purcina não deixava para depois o que
podia fazer na hora. Comecei bem a minha carreira
literária...
Na terceira
série do curso ginasial, paguei o maior mico da minha vida: a professora de
português me surpreendeu lendo “A chegada de Lampião no inferno”. Pegou o
folheto e, depois de exibi-lo com uma
pontinha de asco, afirmou: “Custa crer que um aluno de terceira série perca
tempo lendo isso. O que temos aqui? Linguagem vulgar, erros grosseiros,
bobagens”. Sem hesitar, jogou o meu folheto pela janela. À época, os
professores podiam tudo...
Já em
Teresina, abri o Dicionário Escolar do Silveira Bueno e me deparei com essa
joia de verbete: “Literatura de cordel -
aquela de pouco ou nenhum valor literário, vendida nas feiras do nordeste”.
Bem, uma coisa era a opinião de uma professorinha de São Raimundo Nonato;
outra, bem diferente, a de um filólogo de nomeada. Parei com a leitura de
folhetos. Parei por pouco tempo: quando li “Morte e vida Severina”, de João
Cabral de Melo Neto. Não me contive: isso é um cordel áspero com rimas toantes. Bem
mais tarde, li “Descoberta da Literatura”, onde o poeta, a seu jeito, confessa
que descobriu a literatura lendo folhetos para os trabalhadores dos engenhos da
família. Pensei comigo: se o severo e
competente João pode, por que eu não poderia?
Em 1976,
publiquei, com o pseudônimo de João José Piripiri, o folheto “Vida de
Nordestino” que, ainda hoje, me agrada. Em 1983, lancei “ABC da Ecologia”,
tentativa de disseminar entre meus alunos noções de preservação ambiental. O
folheto criou asas, voou, foi editado pelo IBAMA, pela Secretaria de Educação
de Pernambuco, pela Prefeitura de Teresina. 30 anos depois de sua primeira
edição, o ABC, com roupa de gala, com o selo da Editora IMEPH, está de volta ao
mercado. Entre outras novidades, o livro traz verbetes com animais ameaçados de
extinção.
Acho que
está mais do que na hora de agradecer à velha Odete a oportunidade que me
propiciou de penetrar no mundo mágico da poesia por meio da literatura de
cordel.