domingo, 12 de maio de 2024

Mãe das antigas

Uns velsos malamanhados que fiz para o dia das mães e acabei esquecendo por aí.

Ser mãe das antigas
É padecer no paraíso.
Ganhar panela de pressão,
Conjunto de prato e mesa
E um jogo americano.
Casa cheia de gente.
Parentes e aderentes,
E os convidados para o churrasco.
Isso, todos os anos.
Ser mãe da modernidade mais moderna
É ganhar almoço em restaurante
Porque as escravas folgam aos domingos
E ninguém quer lavar pratos.
A ladainha é a mesma do ano passado.
E do atrasado. E do atrasadíssimo:
- Mamãe, você não pode comer isso!
- Mamãe, você não pode comer aquilo!
- Não é a quilo! É rodízio! - explode a mãe
De olho na sobremesa que não pode comer.
- Por que vocês não me dão
Uma panela de pressão
E vão comer na puta que pariu!?
- Calma mamãe! Quem nos pariu
foi a senhora.
- Então vamos comer em casa!
Quando os ânimos se acalmam
E ela arrota cebola com açafrão
E engole um palavrão apimentado,
Finge satisfação do prato
Que não escolheu.
Vai para casa de Uber, Ou até
Vai a pé. "Isso é bom pra saúde",
Dizem os filhos zelosos.
E entram nos seus carrões e
Vão arrotar suas fotos com as mamas
Nos sites sociais.

DIA DAS MÃES VIRTUAIS

Todo mundo homenageando as mães por aqui e elas, as mães, coitadas! a maioria não sabe nem o que é Facebook, WhatsApp ou Instagran! Algumas preparam um almoço especial, chamam os filhos, e eles respondem, com a bunda pregada na cadeira do computador:

- Peraí, mãe, que estou fazendo uma homenagem a senhora aqui!
E a mãe belisca qualquer coisa, abre uma Coca-Cola, senta no sofá, liga a televisão e fica esperando começar o Domingão do Faustão, não se cabendo de felicidade com a mensagem que o filho ou a filha está escrevendo a qual ela nunca ficará sabendo.

Mainha sem mim

Hoje é dia de mainha.
Mas mainha, sem mim,
seria apenas ela sem mim
e até agradeceria a Deus
ou ao santo de sua devoção,
nunca ter me tido
numa noite primaveril
e acabado com seus sonhos de Verão.
Mas a dúvida que a atormentaria
seria nunca saber o que ela fez
na Primavera passada e engomada
de séculos pretéritos.
E, como o dito acima,
Mainha sem mim,
Seria apenas ela sem mim,
porque os outros dez irmãos,
teimosos como são,
teriam nascido de qualquer jeito
e lamentariam eu não ter nascido
numa noite de Verão.
Mainha sem mim,
seria apenas uma mãe
sem ter histórias a contar.

sábado, 11 de maio de 2024

Dia de mainha.

Depois de dar os parabéns à minha mãe, lhe perguntei:
- Ô, mainha, nesses seus cento e dois anos de vida, qual foi o dia que você foi mais feliz?
- O dia que seu irmão mais velho nasceu! - respondeu cheia de orgulho.
- E o mais triste?
Ela me olhou de cima abaixo, fez uma cara de mal, e falou:
- E você ainda me pergunta?
Ato seguinte, fechou a porta do quarto e disse que era para ninguém perturbá-la.
Todas as reações:
Cláudia Cruz, Barrabaz Thrasher e outras 36 pessoas

Opressão contra o operariado

Uma vez, quando ainda menino besta pelas ruas do Sertão, sonhava em ser proletário e poder sair pelas ruas gritando o velho refrão: "Trabalhador unido / jamais será vencido!"
Sabendo dos meus sonhos, o velho Bidô, pai do arreliento Renan, me ofereceu emprego de meio turno. Quando recebi meu primeiro salário, corri para casa na maior alegria e satisfação. A minha mãe, vendo aquele dinheirão todo, indagou:
- Onde você arranjou essas moedas?
- Ganhei trabalhando com seu Bidô.
- Seu moleque descarado, e tou criando filho pra puxar fole de ferreiro?! Vá lá agora e devolva essa porcaria que não dá nem pra comprar um metro de corda de couro cru pra lhe dar uma surra!
Não sei que mágica ela fez, mas antes de pronunciar "surra", o cinto do meu pai apareceu na sua mão e fui devolver as moedas com o corpo em carne viva.
Confesso que naquela hora desejei ser um helênico para poder invocar a intervenção de Hefesto, mas, na fúria que a minha mãe estava, duvido que ele, deus ou não, também não tivesse levado umas bordoadas.

domingo, 10 de março de 2024

Espelho, espelho meu

    O meu guru espiritual Barrabaz Thrasher participou de um concurso sem entender bem do que se tratava.

    Movido pela curiosidade, entrou numa fila onde estava escrito: "Concurso". Quem sabe se não era pra ver quem bebia mais cerveja?, pensou ele. Só que era para escolher o homem mais feio do Junco e ele foi eleito o mais bonito. Ficou sem entender esse paradoxo. Pediu explicação à organizadora do concurso, Mislene Lopes:
    - Barrabaz, tudo faz sentido desde que entendamos as metáforas - explicou Mislene.
    - Quais metáforas?
    - Você acha que é bonito ser feio?
    - Isso não é metáfora! É ironia.
    - Eufemismo, Barrabaz! Eufemismo...
    Declinou do prêmio e saiu esbravejando impropérios e cantando "Ai, se eu te pego!", mas fora do contexto pragmático musical. Seguiu na direção do Bar da Leninha com intenção de encher a cara, esquecido de que a proprietária ainda não havia revogado a proibição de vender fiado, decretada durante a pandemia.

Quem avisa, amigo é?

De repente os caçadores de Covid sumiram do Lena's Bar, o boteco mais famoso do Junco. Fui investigar a razão do sumiço de alguns clientes fiéis desde o início do Mundo. Liguei para a proprietária:

- Leninha, o que está acontecendo, por que não vejo mais fotos no Facebook dos caçadores da Covid?
- Não sei.
- Tem certeza?
- Tenho. Desde o dia que coloquei um aviso na entrada todos eles desapareceram.
- Aviso? O que tem escrito nesse aviso?
- "Está suspenso o FIADO durante a pandemia. Vai que você morre..."
- Tá explicado.

Domingo de Ramos no Junco

Domingo de Ramos, igreja lotada, o padre se esmerando na interpretação bíblica:
- Domingo de Ramos celebra a entrada triunfal de Nosso Senhor Jesus Cristo na cidade de Jerusalém. Ele chegou montado num burrinho e foi ovacionado pelo povo que forrava o chão com ramos de palmeiras e implorava: ""Salva-nos agora, te pedimos, ó Javé; Ó Javé, envia-nos agora a prosperidade. Bendito seja aquele que vem em nome de Javé, Da casa de Javé vos abençoamos." - pigarreou, observou a reação da plateia para sentir o efeito de suas palavras, e continuou - Esse mesmo povo que bajulava Jesus, foi o mesmo que o condenou a morrer crucificado, por isso, meus amados fiéis, não troquem os seus amigos por bajuladores.
Entrou um garoto correndo na direção do altar:
- Jesus Cristo ressuscitou! Ele está descendo a Ladeira do Cruzeiro montado num jegue, carregando ramos de palmeira e com uma coroa de espinho na cabeça!
- Como ele ressuscitou se ainda vai morrer na próxima semana?
O povo se espremeu na porta tentando sair todos ao mesmo tempo para ver Jesus Cristo. A porta foi ao chão e a multidão correu na direção de um homem e o seu jegue. Era o Messias e assim, quem fosse abençoado por Ele, estaria imunizado contra a Covid. Alguns desmaiaram de emoção. Outros se ajoelharam e rezaram o Bendito.
Jesus passou triunfal pela multidão. Seu semblante era triste, sofrido, e o povo percebeu:
- Ele tá com cara de Sexta-Feira da Paixão, que ainda é na próxima semana.
- Num é! repara aquelas úlceras, parece até que foi amarrado num pé de cansanção!
- E as costas?! cheia de lapão. Parece que se deitou num formigueiro!
Um garoto, desses que gostam de dedurar os outros, gritou:
- Não é Jesus não! É Barrabaz! E está segurando ramos de urtiga!
- Como é Barrabás?! Barrabás só aparece na Bíblia no julgamento.
- Né esse Barrabás da Bíblia não! É aquele que gosta de beber fiado na Leninha.





Todas as reaçõe

O último boêmio do Junco

    Bebeu o último gole da noite, pigarreou uma tosse de cachorro, acenou para Leninha, a dona do bar, pronunciou umas palavras ininteligíveis que ela entendeu como “bote no prego”, e se dirigiu cambaleante para a saída. Parou hesitante no degrau da porta, olhou para a praça cheia de gente, olhou para trás, rodopiou e caiu de testa na calçada. Acordou ao som de harpas.
    - Seu Barrabaz! Seu Barrabaz!
    - Huuuum!
    Abriu os olhos lentamente. Viu umas moças difusas, vestidas de branco, sorrindo angelicalmente para ele. Pareciam anjos. Ou anjas, como queiram.
    - Eu estou no hospital? Que reforma da porra Pedrito fez aqui!
    - Não. Você não está no hospital. Você morreu e está no Céu.
    - Céu!? Mas Céu não existe!
    - Existe, sim! Você está nele.
    Nisso, passou uma moça vestida de branco, olhou para ele com cara de poucos amigos, e seguiu em frente.
    - É a Leninha!
   - É. Ela morreu do coração depois que soube da sua morte.
    - Não sabia que ela gostava tanto de mim!
   - Não foi por gostar; foi por causa do seu “pindura”. A conta estava muito alta e ela não tinha como cobrir. Coitada, gente tão boa, tão distinta, não resistiu e enfartou!
    - E por que eu morri?
   - Ainda pergunta? Pulmão de bêbado não tem dono! A Covid adora bêbados sem máscaras.
    - Covid? Mas me lembro de ter caído na calçada.
   - Caiu porque o vírus lhe sufocou. Já chegou morto no hospital. Só que você estava tão bêbado que a sua alma levou três dias para desencarnar.
    - Alma? Isso não existe!
   - Existe, sim. Você é um espectro agora. Quer ver seu enterro?
    - Quero.
A anja levou Barrabaz até o portal do Céu e então ele viu o coveiro lançando terra sobre o seu caixão. Uma multidão silenciosamente chorava.
    - Tô vendo Mislene com uma lata de cerveja na mão. E sem máscara!
    - Vai ser a próxima se ela insistir em lhe imitar!
   - E Luiz Eudes! Compadre Arizio discursando... Quem é aquele escrevendo no celular?
   - É Tom Torres escrevendo sobre sua morte pra postar no Facebook. Vai ter milhares de curtidas.
    - Eu quero ler! Eu quero ver! Eu quero ler!
   - Você já leu, você já viu. É essa história que você acabou de ler!





Todas as reaç

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Sobre metáfora

"Metáfora" era o que a minha namorada dizia quando eu era menino besta do interior. Sempre que eu tentava, ela trancava as coxas e dizia: 

- Meta fora porque dentro engravida!

Soneto arcaico

Quando a minha avó me disse: "Leite com mastruço cura qualquer defruço ", eu senti o poder da rima.

Se tivesse feito mais 13 versos alexandrinos teria desbancado Olavo Bilac. 

Minha avó era uma poetisa foda! Pena que não sabia ler nem escrever e só conhecia Alexandrino o nosso vizinho de porteira.


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

O boto pedófilo

 E a mocinha ribeirinha, lá do Norte, mostra à mãe o que já não pode mais esconder. Inocente, diz displicente:

- Foi o boto, minha mãe!

A mãe engole saliva, engasga um palavrão e apenas sorri para a filha, pois sabe de encantamentos e feitiços do amor. Sua filha também era filha do boto.

Vida de açougueiro

 Duas mulheres de programa conversavam no ponto de ônibus:

- Tou tão dura que hoje dou até por um quilo de carne.
- E eu tou lascada! Só vou poder usar as mãos ou a boca.
- Por quê?
- Tou de boi!

Pelo visto, o sexo virou um negócio de açougueiro.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Goodbye, Columbus e outras reminiscências



Hoje, acordei sentindo um gostinho do passado na memória ao lembrar da minha introdução à literatura norte-americana, acontecida em 1970, na casa do meu irmão, no Rio de Janeiro: o romance Goodbye Columbus, lido e relido em um fôlego só. Para um pretenso debutante na vida de interior, foi um mar de aprendizagem.

Fico aqui a tecer conjecturas sobre o que seria de mim, como ser autônomo, se não tivesse um irmão jornalista e que sempre me brindava com as melhores publicações. Como diz o jovem ancião Cineas Santos, o vate piauiense, eu seria eu sem mim.

Mas não foi só isso. Nessas mesmas férias, conheci Garcia Marquez (achei Macondo o próprio Junco), Hemingway, Rubem Braga, o primo de Maria Lúcia Rangel, Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), a Tropicália, Luiz Gonzaga e o Bondinho de Santa Teresa. Ah! Conheci também o MAM e o quadro mais famoso do mundo, cujo pintor foi de uma genialidade incrível: uma tela em branco com um ponto feito a grafite no centro e que deixava os experts em arte babando em “oooooooohs!”

De tudo, o mais importante, foi ouvir o LP “Arena conta Zumbi”, a Renascença teatral que se fazia no teatro de Arena, berço do Teatro do Oprimido. Paixão à primeira audição e eu disse: “Quando eu crescer quero ser Boal!” Meu irmão, entre amarelo e sem jeito, pois pensara que eu diria querer ser ele, me disse que era uma boa escolha.

Nos trilhos urbanos de Alagoinhas, o expresso da meia-noite nos acordava em voz grave e potente: “Encomenda para seu Antônio Ronaldo!” Eram livros de mancheia, como diria o príncipe dos poetas.

Em retribuição a essa sorte que tive e que acontece uma entre milhões, não meço esforço para incentivar a leitura como a pedra fundamental na transformação de indivíduos em sujeitos autônomos. O conhecimento só faz sentido se compartilhado. Sem isso, é como a roda de um moinho mergulhada em um lago.

O meu irmão jornalista-leitor virou escritor, entrou para a Academia Brasileira de Letras e só vive me convidando para acompanhá-lo nos debates na mais alta corte literária. Vou não, seu moço! Esse negócio de imortalidade é para vampiros. Eu quero descansar em paz. 


domingo, 10 de dezembro de 2023

Poema de Natal

Maria da Luz 
Estreou a vida
Em mês primaveril.
Floriu o mundo 
com seu sorriso
Juvenil.
Se fez amante
Das coisas belas
E a musa 
Dos poemas de amor.
Os seus vapores 
Soltavam odores 
de lascívia e paixão.
O seu amado,
Um belo infante,
escafedeu-se 
No breu da noite 
De Verão.
Não deu a luz
Com seu amante
Porque o útero
do seu destino
Era estéril.
Por ser etérea
Maria da Luz
Dissipou-se
Na solidão.