sábado, 10 de julho de 2010

O Casamento da Rosinha - Ronaldo Torres








PANIS ET CIRCENSE
S

“É preciso repensar o São João de Sátiro Dias”, assim se expressou o prefeito do arraial do Junco, um pequeno ponto no mapa das carências, a esse escriba que vos fala, numa manhã chuvosa de Alagoinhas, antevéspera do são João.

– Estou gastando trezentos mil reais com a contratação de duas bandas, fora as exigências de contrato.

“Pelo preço, deve ser Chiclete Com Banana”, pensei cá com meus botões. Não era. Tratava-se dessas bandas de forró eletrônico chamadas “oxent-music” que proliferam no Nordeste e ninguém sabe a diferença de uma para outra.

– Trezentos mil... esse dinheiro daria pra construir quantas casas, prefeito?
– Mas é o povo que quer.

O povo quer comida, saúde, escola para os filhos.

– Aqui em Alagoinhas, quando o prefeito Joseildo acabou com a farra dessas bandas e empregou o dinheiro na cidade, o povo reclamou no primeiro ano; no segundo, todo mundo lhe deu razão e ele foi reeleito com mais de setenta por cento dos votos.
– Ah! Mas o povo de lá não pensa assim não.

Quem não conhece, pensa que o arraial do Junco é uma cidade rica, que tem dinheiro sobrando e pode se dar ao luxo de promover mega eventos por pura vaidade. Não. O IDH é um dos mais baixos do Brasil, o desemprego é alto, o que força o êxodo, a Saúde é precária, Educação, idem, Segurança Pública inexiste e a zona rural é desassistida e em alguns povoados o povo bebe água salobra porque a Prefeitura alega falta de verba para consertar as bombas d’água que bombeariam a água dos poços artesianos. Mas, faça-se justiça: o prefeito tem conseguido um grande avanço na melhoria da qualidade de vida da população.

Como não sou afeito a esses agouros que a linda juventude chama de música, torci o nariz para a programação junina que a Prefeitura do arraial do Junco promoveu até as vésperas do São João. Viajei no dia 24, dia do Casamento da Rosinha, uma invenção do meu primo Arizio para tirar o povo do marasmo e que deu certo. A cidade e a roça se mobilizam em torno desse evento e durante todo o dia a diversão é garantida ao som do autêntico forró pé de serra, banda de pífano, bumba-meu-boi e o desfile de bonecos gigantes. A multidão acompanha o cortejo a pé, de carro, de cavalo, de jegue ou de carroça pelos becos e ruas da cidade, parando na Praça central onde acontece o dito “casamento”. Este ano, completou o 31º desfile.

Cheguei ao Junco na certeza de que o povo irradiava felicidade por conta das atrações tão cantadas nos jornais da Bahia, mas o quê! Só ouvi reclamação, principalmente pela ideia um tanto estranha de se contratar banda de reggae para tocar em noite de São João numa cidade em que o povo é genuinamente forrozeiro. Uma das bandas do cachê exorbitante fora rebatizada para “Dejafui”, em referência ao nome “Dejavú”.

A minha leitura é pouca para entender os notáveis da terrinha. Nesse preço, e sem agradar nem a gregos nem a baianos, dou razão ao prefeito quando ele diz que é necessário repensar os festejos juninos principalmente depois que lhe fiz outra pergunta, ainda em Alagoinhas:

– Quanto a Prefeitura destinou para o Casamento da Rosinha?

Ele alargou um sorriso de satisfação, daqueles de quem pratica o grande ato da Suprema Bondade, o realizador de sonhos impossíveis, o patrocinador das grandes causas, cuja falta de ajuda não seria possível se realizar.

– Dei um mil reais pro Casamento da Rosinha.
– !?!?!?


O Piauí é logo ali... - Cineas Santos



De Barra de São Miguel


De Praia do Francês


1994: ainda ressoava no ar o grito dos tetracampeões. Por sorte, à época, ainda não existia vuvuzela, ou melhor, ainda não havia a palavra, quase tão chata quanto o ruído produzido por essas malditas cornetas de plástico. O país voltava à normalidade e já sobrava algum tempo para que se contassem os mortos por acidentes de carro, cachaça, brigas, enfartos, etc. Aproveitando uma semana de férias, resolvi conhecer Alagoas, estado que, segundo Graciliano Ramos, com seu humor rascante, deveria ser transformado num imenso golfo. Por oportuno, vale lembrar: o velho Graça era alagoano.

Vista do alto, Maceió me pareceu um navio encalhado entre o verde dos canaviais e o azul do mar. Mas, mesmo com o cheiro nauseabundo do Collor em cada esquina, a cidade é bela e acolhedora. As praias de Maceió são famosas, uma delas, a do Francês, é o reduto preferido dos turistas europeus. Pois bem: depois de visitar a Barra do São Miguel, onde os índios caetés comeram, perdão, devoraram o bispo Sardinho, resolvi conhecer a mais famosa praia da cidade. Com algum sacrifício, encontrei uma nesguinha de sombra (minha cota de sol já curti toda no sertão do Caracol) sob uma barraquinha de lona. Mal me aboletei, já me apareceu a primeira dupla de violeiros cantando loas às belezas das Alagoas (a rima é intencional). Depois vieram os cegos sanfoneiros, as ciganas, os meninos vendedores de queijo assado na brasa (uma delícia), de amendoim, de água de coco, de picolé, de protetores solar, de bonés, de pipas... E, por toda parte, os gringos, às centenas, vermelhos como camarões, encharcando-se de caipirinha e espichando os olhos no rumo das belas nativas... Aquilo me pareceu a Feira de São Cristóvão, com o mar bramindo por perto. Em pouco tempo, bati em retirada: excesso de barulho para um catingueiro do meu naipe.

Na hora de pegar o carro no estacionamento, uma cena que pagou a viagem. Com enorme desenvoltura, lobrigando entre os automóveis, um garotinho sarará, entanguido, recoberto de sardas, recolhia os caraminguás que os turistas lhe davam e agradecia em todos os idiomas conhecidos, inclusive em aramaico. De repente, um argentino, meio bêbado, deu-lhe una platita novinha. O garoto exibiu o seu melhor sorriso e agradeceu em portunhol: “Gracias, sinhô! Os miró é Romário e Maradona”. A simples menção do nome de são Maradona fez o argentino derreter-se de felicidade. Eu, que a tudo assistira, não me contive e comecei a sorrir. De repente, o garoto virou-se para mim e disparou: “E usted?”. Ainda sorrindo, respondi: Piauí, meu filho! O sararazinho ficou sério, concentrou-se por uns segundos e sapecou: “Já sei: Piauí é ali bem pertinho do México”. Acertou em cheio! Por essas e outras, viajo pouco, mas sou forçado a admitir: viajar é ilustrar-se...

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Viagem - Luís Pimentel



De Pau de arara



O rapaz entrou em casa como quem entra no bar. Sentou em uma cadeira e estirou as pernas sobre o tamborete. Pegou a garrafa de cachaça no móvel ao lado da mesa e um copo na bandeja cheia de copos que ficava ao lado da garrafa. Serviu-se e tomou duas doses, uma seguida da outra, depois acendeu um cigarro. A sala estava na penumbra, iluminada apenas pela luz azulada da televisão que o pai assistia. O clarão do palito de fósforo iluminou o rosto do rapaz e o pai observou que ele tinha a barba por fazer.

O pai viu que os sapatos do rapaz estavam sujos, largando tufos de terra sobre o tamborete, mas não reclamou. Apenas perguntou você vai mesmo e ele disse vou.
O pai quis saber se ele estava aborrecido com alguma coisa e ele disse que não. O pai então perguntou por que resolvera partir assim, tão de repente? Ele respondeu que era para não perder a oportunidade, o caminhão alugado pela empresa sairia de manhã bem cedo, levando todos os candidatos ao emprego. Queria aproveitar para não ser obrigado a ir depois, sozinho, ainda tendo que pagar a passagem.

Que tipo de trabalho é esse, meu filho?, o pai quis saber.

O rapaz não respondeu e amarrou a cara. E se serviu de mais uma dose.

O pai insistiu, me diga ao menos onde é. Respondeu que era na capital. A contragosto. O pai perguntou ao filho se já tinha separado todos os documentos, sem esquecer identidade e carteira profissional, e ouviu um muxoxo como resposta: não sou abestalhado, meu pai. O pai disse eu sei, filho, é só uma preocupação.

Está levando algum dinheiro?
Estou. O pouco que tenho.
Precisa de uma ajuda?
De jeito nenhum. Guarde suas economias, para as necessidades.

O pai perguntou se o filho sabia quanto ia ganhar e ele respondeu que não. Sabia ao menos se o ganho seria suficiente para as despesas? Ele respondeu que sim. Derramou mais uma dose de cachaça no copo e o pai disse pare de beber, vá se alimentar. Vá fazer essa barba e tomar um banho. Depois descansar, de manhã cedo precisa estar preparado para encarar a estrada.
Não sou eu quem vai dirigindo, reagiu o rapaz.
Mesmo assim, disse o pai.

O rapaz perguntou pela mãe e o pai respondeu que estava no quarto, onde mais estaria? Melhora nenhuma?, perguntou. Melhora nenhuma, foi a resposta. O pai disse vá se despedir dela, já que você vai sair bem cedo, e o rapaz disse que preferia não se despedir. Disse não quero olhar para a mãe daquele jeito que ela está. O pai disse você é quem sabe e reparou que o filho tinha os olhos molhados. O pai se levantou para desligar a televisão e o filho observou que ele também tinha os olhos molhados.

O pai disse vou dormir e já estava até mesmo de pijama. O rapaz desejou um bom sono. Pode aguardar que mandarei notícias. E não se preocupe com nada. O pai disse me despeço de você amanhã. O rapaz respondeu que ia madrugar.

Não tinha importância. O pai estaria acordado.

Bem cedo estava em pé diante do fogão, preparando café e esquentando na chapa umas bolachas que tirava do saco de papel. O rapaz acabava de colocar as roupas na sacola e penteava o cabelo diante do espelho do banheiro. O pai apontou o corte abaixo do queixo e o filho disse que fora gilete cega. O pai ofereceu uma loção pós-barba. Gosto mais de passar álcool mesmo, disse o rapaz, mas dessa vez sem qualquer impaciência.

Quer ovos quentes, para forrar bem o estômago?, o pai quis saber. O rapaz disse que não era preciso. Aí o pai lembrou que talvez ele não conseguisse comer nada tão cedo e o rapaz disse deixe, pai, que eu me ajeito. O deixe, pai soou de maneira carinhosa. E foi com mais carinho ainda que o pai acabou de esquentar as bolachas.

O pai ficou olhando para o filho, enquanto ele tomava café, acendia o cigarro, entrava e saía do banheiro, conferia as peças de roupas na sacola, olhava para o quarto da mãe, parecia entrar no quarto, se afastava, bebia água do filtro que estava no canto, ao lado do fogão, olhava para o quintal e depois para as paredes, assoviava para o passarinho, coçava a cabeça do cachorro.

O pai ficou olhando para o filho enquanto ele fechava o zíper da sacola, dizia até breve, pai, fique com deus e se afastava.

E assim o homem desconhecido que bateu na porta dois dias depois encontrou o pai. Era um fim de tarde e ele tomava uma cachaça no copo que o filho gostava de usar, olhando ora para a porta por onde o filho saiu e ora para o quarto onde o filho não entrou para se despedir da mãe.

O moço perguntou o senhor é o pai dele? Falou calmamente do acidente com o caminhão, como foi e como não foi, quem teve culpa e quem não teve, que o motorista da carreta é que descia a ladeira dirigindo desembestado, e foi falando tanta coisa que o pai não conseguia mais ouvir nem entender.

Por fim o moço disse como o pai deveria proceder para retirar o corpo, as roupas e os documentos do filho do instituto médico legal de não sei onde. Que outro caminhão da empresa estava à disposição para trazer todos os corpos de volta, mas que o pai tinha que ir até lá tal dia e tal hora, para aproveitar o carreto.

E do jeito que entrou, o moço saiu. Falando sem parar, agora já dizendo coisas como meus sentimentos, isso acontece, é da vida, descansou, deus chamou, era um rapaz tão jovem, tão forte, tão bom e outras falas que o pai já não conseguia ouvir, pois só queria que ele fosse logo embora, para entrar no quarto escuro e abafado da doente e dar de uma vez por todas a notícia que estava para dar há quarenta e oito horas: o nosso filho viajou.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Policarpo Quaresma para jovens - Antônio Torres


“O primeiro contato com um clássico, na infância e na adolescência, não precisa ser com o original. O ideal mesmo é uma adaptação bem feita e atraente”. É o que ensina a escritora Ana Maria Machado em seu livro Como e por que ler os clássicos universais desde cedo, publicado em 2002, pela Objetiva. Trata-se de um guia precioso para a educação literária e sentimental de crianças, jovens, e também de adultos, no qual ficamos sabendo que o Brasil é um país bem servido de adaptações. “A começar pela genialidade de Monteiro Lobato, que instituiu uma via de mão dupla entre o Sítio do Picapau Amarelo e a Grécia Antiga, criando assim uma excelente forma de iniciação infantil a esse universo”, ela nos recorda, acrescentando: “Poucos países tiveram tanta sorte em ter um privilégio destes”. Mas, o que significa exatamente adaptar uma obra clássica? Torná-la mais acessível a um universo de leitores ainda em formação, de qualquer idade, condensando-se a narrativa e, por vezes, se recriando a história em linguagem mais coloquial. Não têm sido poucas as iniciativas editoriais nesse sentido. E bem sucedidas. Basta lembrar uma antiga coleção de bolso da Ediouro, sempre a cargo de grandes nomes das nossas letras, entre eles Carlos Heitor Cony, que para tanto se valeu do seu múltiplo talento de romancista, cronista e autor de livros infanto-juvenis. Haveria, então, a necessidade de se adaptar também alguns clássicos nacionais, mesmo que sua distância no tempo nem de longe possa se comparar aos três mil anos dos mitológicos gregos, ou mesmo aos quatro séculos de um Dom Quixote? Uma resposta afirmativa acaba de ser dada pelo professor Arnaldo Niskier, figura pública na área da educação, membro da ABL, da qual já foi presidente, e autor de livros para crianças. Depois da sua adaptação da história do engenhoso fidalgo da Mancha, e, antes, de O alienista, de Machado de Assis, ele apresenta agora uma edição para jovens de O triste fim de Policarpo Quaresma, o célebre romance de Lima Barreto, pela editora Consultor, com ilustrações de Mário Mendonça.
Ao contrário de uma posposta anterior, visando a levar o livro mais conhecido de Lima Barreto às salas de aula, da Companhia Editora Nacional (Série Lazuli Clássicos), com texto integral, mas com anotações e comentários de Nivaldo Carvalho, o educador Arnaldo Niskier evitou as notas de pé de página, optando por uma adaptação de certos trechos do livro, reescrevendo-os de maneira simplificada, e por uma atualização ortográfica, o que inclui as grafias que caíram em desuso (cousa = coisa, por exemplo). Seja como for, adaptado ou em versão original, O triste fim de Policarpo Quaresma é para ser lido e relido, em qualquer tempo e lugar, e por qualquer tipo de leitor. Ambientado no Rio de Janeiro da virada do século 19 para o 20, e marcado por dois acontecimentos decisivos do país (a abolição da escravatura e a proclamação da República), o romance mais conhecido de Lima Barreto é uma sátira a uma visão romântica da pátria e ao nacionalismo retumbante da Primeira República, sobretudo no governo do marechal Floriano Peixoto. Dividido em três partes, Policarpo Quaresma conta a história de um modesto funcionário público, em diferentes momentos de sua vida. Primeiro: o seu dia-a-dia burocrático. Segundo: sua mudança para a vida no campo, como proprietário rural. Terceiro: seu engajamento como soldado voluntário das tropas de Floriano Peixoto, na luta contra a Revolta da Armada, de 1893, ou seja, bem nos primórdios da República. Cada um desses períodos o leva a uma confrontação de suas idealizações com o país real, até mergulhar, com irônica e trágica lucidez, no desfecho patético de seu destino: A pátria que quisera ter era um mito, era um fantasma criado por ele no silêncio de seu gabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir, existe. A releitura do Policarpo Quaresma agora, na oportuna adaptação do professor Arnaldo Niskier, traz à lembrança um ensinamento do escritor inglês George Orwell, aqui encaminhado a mestres e alunos: “Aquele que tem o controle do passado, tem o do futuro”.

domingo, 4 de julho de 2010

Crônica da Tragédia Anunciada - Ronaldo Torres

De Dunga e os 11 anões



“Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou!” (Hino Oficial da Seleção Brasileira na era Dunga e os onze anões)

Chegou ao fim, melancolicamente, a Era Dunga, assim como aconteceu com a Era Parreira, Lazzaroni e, antes que acontecesse com o Capitão Coutinho, um militar linha dura a serviço da Ditadura e que só jogava bola quadrada, ele se antecipou e nos deu o título de campeão moral, que deve servir tanto o quanto o de Campeão da Copa das Confederações.

Mas há males que vêm pra bem. Em copa do mundo de futebol o brasileiro se entorpece com as palavras de Galvão Bueno e libera geral, sem dar bola pro azar, desde que o azar não dê bola pra bola a nosso favor. Assim, enquanto todo mundo ficava de olho na televisão procurando novidades da seleção brasileira, alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, o Tinhoso STF, passavam a rasteira na lei do ficha limpa, liberando alguns sacripantas dos rigores da Lei.

Felipe Melo era a crônica da tragédia anunciada e não vi novidade alguma no que ele fez ou deixou de fazer. Ele era aquilo, só sabia fazer aquilo, mas mesmo assim estava lá, ao vivo e a cores, servindo de boi de piranha. Ele não pediu pra ser convocado, não pediu pra jogar, mas a arrogância do técnico Dunga sobrepujou a sapiência e a inteligência do povo varonil do nosso Brasil.

Acreditava que na Copa do Mundo se convocava os melhores jogadores, mas não foi o que se viu. Vários atletas, que no Brasil ficariam no banco de reserva do Íbis de Pernambuco, o pior time do mundo, estavam a posar de heróis nacionais só porque eram artilheiros na Arábia Saudita e Kuzequistão. Kaká foi convocado doente, com a promessa de ficar bom, não ficou e também não perdeu a condição de titular. Enquanto isso, dezenas de jogadores vendendo saúde foram jogadas na sarjeta, com a desculpa de que não tinham experiência na seleção. Culpados? Somos todos nós que sempre damos um voto de confiança e quando a casa cai nos conformamos com o já desgastado bordão: “daqui a quatro anos tem mais”.

Em verdade, em verdade vos digo: quem jogou um futebol chifrin diante de um time chamado Azeibarjão e amarelou com os amarelos da Coréia do Norte, não merece passar das oitavas de final. Seleção que quem faz gol é um lateral, quem arma as jogadas é um beque central, não merece chegar as quartas de final. E chegamos, não por mérito, mas pelo medo estampado na cara da seleção chilena que entrou em campo disposta a não levar goleada. Como todos nós brasileiros, eles também acreditaram em Galvão Bueno.

E o Presidente Lula, do alto de sua importância política, vem nos consolar com palavras sábias de filósofo de botequim: “Dunga acertou mais que errou”. Errado, Senhor Presidente. O objeto de cobiça dos brasileiros é a Taça da FIFA, e não a Copa América; o objetivo dos quatro anos de treinamento é a Copa do Mundo e não a Copa das Confederações. O que adianta nadar, nadar, nadar e morrer afogado na praia? Para que serviu dar cinco a zero em Portugal, em jogo amistoso, e faltar futebol na hora da cobra fumar?

Senhor Presidente, em vez de sair por aí falando besteiras e criando novo título de campeão moral, junte-se à nação futebolística num grito único de protesto:

– Cala a boca, Galvão Bueno!

sábado, 3 de julho de 2010

Em Frente ao Espelho - Eduardo Proffa




- Não! Não! Não!

Negarei três vezes que não choro por mim... Que não choro pelo fim, ou pelo novo recomeçar...

Choro pelo trajeto de catástrofes naturais que ocorreram nestes últimos meses...

Choro pela falta de consciência política...

Choro pelo grande índice de analfabetismo...

Choro pelo pífio salário que recebemos...

Choro pelas drogas, mortes, estupros, prostituição infantil, pedofilia...

Choro por uma equipe palpável, e que com toda certeza tinha todas as condições de conquistar o hexa-campeonato...

Choro por tanta coisa, porém choro pelas perspectivas latentes que existiam em um “zilhão” de brasileiros...

Acredito que fizemos o nosso melhor e não posso entender que um locutor, ou comentarista que tenha condutas tão negligentes interfiram em nossos conceitos...

Execro pessoas que torçam contra seu país, seus irmãos e seus pares...

Nosso mundo cego e medieval ainda é conduzido por regras definidas pela oligarquia e clero constituído, porém não podemos nos deixar levar. Existem coisas mais importantes:

Nosso filho que vai nascer...

Nosso cônjuge e família...

Nosso trabalho...

Nosso amanhecer...

Nosso entardecer...

Nossos amigos...

Nossa poesia de viver...

Conduzir o barco no maremoto é que são elas!

Na vida tudo é mais importante do que tudo, é questão de prioridade... Então, levanta sacode a poeira e dá a volta por cima...

Pensando direitinho: terça, tenho que trabalhar o dia inteiro...

Putz! Fazer o quê? Quem mandou acreditar em personagem de contos de fada... E, ainda tinha o pé frio do Mick Jagger...


Nota do Blog: Eduardo Proffa é poeta, compositor, cantor e professor de Educação Física na rede pública do estado das Alagoas.



quarta-feira, 30 de junho de 2010

Das Artimanhas do Torto - Cineas Santos




De Roseane e a dinheirama

É perceptível o extraordinário esforço que a Santa Madre Igreja vem fazendo no sentido de reabilitar a figura do Diabo. Por favor, não me tomem por herege. Explico tudo: Bento XVI, homem de vasta sabença, já se deu conta de que, sem a presença do mal, o bem se esvaece. Urge, pois, reabilitar o Tinhoso antes que se comece a duvidar da existência de Deus. Há quem afirme que a derrocada do Demo se iniciou no dia em que São Paulo (Coelho) desistiu de apostar nele. Antes de acharem que exagerei na dose do chá, um refresco para os desmemoriados. Em 1982, Paulo Coelho publicou, pela Shogum Editora, Arquivos do Inferno, livrinho sobre o qual se derramou conveniente silêncio. Com um pouco de sorte, é possível encontrar algum exemplar perdido nos sebos do mundo. A partir daí, o Mago bandeou-se para o partido do Altíssimo e, embora continue cometendo os mesmos erros gramaticais, tornou-se o maior vendedor de livros do mundo. Sua meta é provar que “Deus escreve certo por linhas tortas”. Mas isso já é outra história.

Como autêntico sertanejo que sou, nunca duvidei da existência do Troncho. Certa feita, ouvi de uma irmã catequista uma advertência que me marcaria profundamente: “O Demônio é um cão raivoso preso a uma corrente de aço. Para não ser mordido por ele, basta manter prudente distância”. A piedosa freirinha só se esqueceu de um detalhe: estipular a extensão exata da corrente. Volta e meia, ainda me pergunto, apavorado: Não estarei muito próximo? Quase sempre estou.

Um exemplo: certa feita, em 1992, fui procurado por um cidadão falante, maneiroso, que, sem motivo aparente, resolveu brindar-me com uma garrafa de “Dom José”, vinho do Porto de boa safra. Puxou conversa, falou de poesia, de música e revelou em mim qualidades que eu nem suspeitava que existissem... Finalmente, exibiu as presas: “Caro mestre, venho lhe fazer uma proposta irrecusável”. Tremi nos tamancos: sempre que me apresentam propostas irrecusáveis, fico alguns centavos mais pobre. Intrépido, prosseguiu: “Como o senhor já deve saber, a governadora Roseana Sarney desponta como o ‘fato novo’ na corrida pela presidência da República. Eis a proposta: sou editor de uma revista política e vou lançá-la, nacionalmente, com a Roseana na capa”. Até aí, nada de extraordinário. O desfecho: “Com essa edição, pretendo faturar, no mínimo, meio milhão de reais”. Diante do meu espanto, arrematou: “Cada inserção de uma mensagem de apoio de um município maranhense custará cinco mil reais. Que prefeito se recusará a participar dessa campanha, levando-se em conta o fato de a governadora ainda ter dois anos de mandato? Venho propor ao senhor uma parceria: racharemos despesas e receitas, meio a meio”. Quando lhe perguntei o porquê de ter sido eu o escolhido, tentou fisgar-me com o anzol da vaidade: “O senhor é um homem sério, tem o respeito de todos”. Atordoado com a possibilidade de enriquecer subitamente, pedi um tempinho para refletir. Ele aquiesceu, com a advertência: “Duas semanas, professor. Lembre-se de que estamos correndo contra o tempo!”. Ao retirar-se, senti no ar um inexplicável cheiro de enxofre.

Antes do prazo que me fora concedido, estourou o escândalo da dinheirama encontrada no escritório da governadora. O balão murchou. Não tive dúvida: aquele moço blandicioso era a reencarnação do Tinhoso. Vade retro, Satanás!

terça-feira, 29 de junho de 2010

Torcida Até Debaixo d'Água - Luiz Alberto Machado





De Palmares - PE



Gentamiga, uma tragédia! E a casa caiu!
Choveu tanto que até os sapos, como diz meu conterrâneo Ascenso Ferreira, pediram aos céus clemência.

O meu povo pernambucalagoano viu a catástrofe nesses últimos dias: cidades completamente alagadas, moradias destruídas, gente desabrigada.

Na minha terra de Hermilo Borba Filho não deu nem para ficar balançando as pernas do alto do sino da igreja da matriz, não sobrando nem minha casa que restou só escombros com a desolação geral de outros tantos sem lar.

O Rio Una se juntou ao Pirangi e tomaram conta da situação por lá. Como também transbordaram muitos rios nos dois estados, só deixando os estragos pelas inundações. Um desmantelo dos grandes mesmo.

No meio dessa consternação toda, o jogo mesmo não deu pra ver. Só pude brechar pescadores de geladeira e brebotes boiando, canoeiros solidários, correria da muita de nego até de um olho só e muito oh e chororô.

Mas aprumando o papo da torcida na copa do mundo, o negócio ainda anda devagar, quase parando. Soube que ganhou, mas não convenceu. Até o timeco que ganhamos apertado na primeira rodada, sofreu uma lavagem de 7 de Portugal. Pode? Estão colocando a culpa na jabulani. Ou no juiz que deixou arriar a lenha, da gente ver que pros tanques da Costa do Marfim, do pescoço pra baixo tudo é canela. Foi cada solada de chegar a ver o Elano de cambitos torados. Afora as cipoadas que foram distribuídas a granel do juiz francês deixar rolar. Um vitupério!
Também, não adianta falar nada, a coisa está mais pra gente ter um treco, ou sair troncho com chiliques mais azoados. Por que não convocam emergencialmente a Marta pra desmoralizar os paspalhos?

Pra mim essa seleção de bem comportados está feito o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal: só tem alarde e quando a gente vai ver a coisa é mais precária que merece ser taxada de esculhambação de quinta categoria. Não tem o mínimo respeito pelo cidadão consumidor.

Vamos empurrar o jipe. Se o mandú não pega, minha fia, não tem outro jeito! Tem que empurrar o troço e segurar o pipoco dos peidos pra ver se vai no tranco. Se todo mundo num fizer força, aí acho que a coisa vai empenar de vez. Quem bota fé?

As previsões continuam. Até uma equipe de pesquisadores do Centro de Estudos do Risco (CER) do Departamento de Estatística da UFScar, já sapecou o campeonato para Alemanha (27,5%), ficando a Holanda em segundo (17,05%), Brasil, em terceiro (10,78%) e Argentina (7,86%), em quarto. Nem mesmo a gente aqui acredita que a gente chegue lá. Só o economista Jim O Néill da Goldmann Sachs que nas pesquisas dele acha que o Brasil ganha, seguido da Espanha, Alemanha e Inglaterra.

Enfim, entre mortos e feridos, até agora escaparam todos. Vou colocar a solidariedade em dia e ajudar a minha gente das cidades desoladas. E vamos que vamos capengando embaixo da chuva rumo ao hexa em 2014 e cantando o frevo da Folia Caeté.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Discussão - Luís Pimentel






– Para onde vocês vão?
– Vou levar o Júnior ao estádio.
– Que estádio?
– De futebol, claro.
– Futebol, Arlindo?
– Por que o espanto, Clarinha?
– Logo hoje?!
– O que tem hoje?
– Hoje é domingo.
– Exatamente. É dia de jogo.
– Combinei de levar o Júnior ao teatro.
– Combinou com o próprio Júnior?
– Com uma amiga, que também vai levar o filho dela.
– Ele prefere futebol.
– Teatro é mais legal.
– O menino gosta de futebol, Clarinha.
– O menino ou o pai do menino?
– Os dois.
– Ele vai ao teatro e pronto.
– Escuta, que tal perguntar ao garoto o que ele prefere fazer?
– Boa idéia. Vou perguntar.
– Isso. Faça isso. Mas se ele preferir essa droga de Flamengo de novo, você me paga.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Ih! Sei não. Acho que essa seleção vai matar gente do coração - Luiz Alberto Machado

Pronto, entrei em campo com meus bacorejos. E quando vou pro jogo é sem medo de perder. Empate é derrota pros dois.



De Era Dunga II



A distância entre ganhar ou perder é como o fio da navalha ou um cabelinho de sapo: qual? Quem estiver mais preparado, motivado, com a sorte em dia e a vontade pro que der e vier, não dá outra. Quem tem medo de cagar, não come. E morre de fome.

Quando o Brasil começou a jogar pros lados, de banda, meio que sem graça, saquei logo o aguado. Desliguei e resolvi arrumar uma lavagem de roupa. Pra falta de garra, de raça e de mostrar pro que veio, melhor assobiar qualquer outra cantiga. Parece mais o ditado popular: quem tem furico, tem medo.

Como qualquer melepeiro entende mais essa seleção que eu, encontrei uma curiosidade: uma pesquisa feita por analistas do banco inglês Standard Chatered (ah, esses entendem mesmo do riscado!), baseada nos critérios das análises de Monte Carlo, nos spreads dos swaps para default de crédito e na taxa de cambio real efetiva (como é que é?!?!), publica um relatório reunido num catatau de 73 páginas, que o Brasil não será campeão nessa Copa de 2010 de jeito nenhum. Novidade!

Os 18 analistas de crédito e câmbio do Departamento de Análise de Risco da instituição financeira mencionada, chegaram nessa conclusão cientifica por meio de metodologias estatísticas que comprovam tintim por tintim, noves fora e prova dos nove. Negócio sério mesmo! Babau!

Para eles os campeões serão ou Espanha (que emperrou hoje), ou Alemanha, ou Inglaterra ou Argentina. E é?

Se eu tivesse no meio deles acrescentaria além desses qualquer um, debochando com uma risada boa.

Outros que presumo serem raçudos especialistas no assunto são os videntes que flagrantemente sabem, além do futebol, toda obviedade da besteirada nunca vista. Pois é, eles tambem adivinham que o Brasil não ganhará. E lá vai a vidente Maca que aposta na Alemanha derrotando o Brasil na final. A Miss Knock diz que dá Gana. O feiticeiro Zulu Sebenzile Nsukwini sapeca na África do Sul (que levou um chocolate do Uruguai). A Bete Strauss apostou na Espanha (de novo!?), Inglaterra, Italia, Alemanha ou França (só?). A cartomante Cinara Mattos diz que vai de França. O bruxo mexicano Antonio Vásquez acha que o Brasil perderá na final para um selecionado europeu, indicando a Holanda. A numeróloga Fatima Cald vai de Espanha ou Itália. O espírita Ubirajara Pinheiro diz que a final será entre Itália e Alemanha. Somente o nigeriano John Adatiri e o Pai Paulo de Oxalá apostaram que dará Brasil. Eita!

Nessa penca de pitacos, também o adivinho presidenciável sempre preterido Doro, botou as mangas de fora e água na moringa vociferando seu borborigmo intelectual: dá Brasil. Isso, entre flatulências e coprólitos, batia o pé dizendo que não adianta olho gordo, secagem, macumba, vudu, urucubaca braba e esconjurada geral! E pra imunizar a nossa seleção o apadeguado tomou a providência de fazer um arrumado com pena de bacurau, patuá, carranca, sino-salomão e cocar para enfunar o peito, saçaricando que o Brasil não vai voltar da África do Sul com os beiços com que mamou.

Sei não. Gostaria muito de queimar minha língua – feito fiz com Felipão: meti o pau até o jogo da Inglaterra. Depois, fiquei na minha. Peru que não se emenda, melhor piar baixinho ou cair no mutismo.

Mas digo lá: ih, acho que essa seleção vai matar muita gente do coração.


Nota do Blog: Luiz Alberto Machado é poeta, músico, escritor, compositor pernambucano com um pé na antiga província, Alagoas. Mais informações podem ser colhidas no seu site http://www.luizalbertomachado.com.br/

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Vuvuzelas Silenciosas - Macléim Damasceno

De Era Dunga


Escrever obviedades remoídas sobre a seleção brasileira, seu técnico e jogadores, seria o mesmo que murmurar um sinal de alerta anunciando um enxame de abelhas no meio das vuvuzelas a todo vapor. Dizer que estranho a nossa seleção, pentacampeã mundial, ter o seu ponto forte na defesa e abrir mão do talento em prol de uma seriedade que descaracteriza o nosso futebol, além de óbvio, é frustrante como uma retranca. Seja de qual era for. No entanto, o interessante é que o meu ponto de vista camicase também não passa de obviedades. Sobretudo, aquelas que, paradoxalmente, estão camufladas pelo silêncio dos interesses econômicos, pela conivência vantajosa da grande mídia, pelo óbvio escondido sob os tapetes, os quais torcedor nenhum admite sequer conjeturar.

Descarto o maniqueísmo intelectualoide que permeia, sobretudo, os pernas-de-pau sem barriga de chopinho. Porém, se o Brasil é o país do futebol, causa e efeitos lhes são inerentes. Se não, vejamos alguns fundamentos, não necessariamente técnicos e táticos, e suas implicações sócio-culturais. Tudo, claro, a partir do meu ponto de vista camicase. Antes, porém, uma historinha interessante: dizem que quando nem sonhava existir Charles Miller, por volta de 3000 anos antes de Cristo, o futebol deu o seu pontapé inicial com os soldados chineses – eles estão em todas mesmo – que, depois das guerras, usavam como bola as cabeças decepadas dos adversários derrotados. A partir daí, cabeças de técnicos e jogadores de futebol têm rolado diariamente. Porém, são apenas essas as que rolam. As que comandam permanecem chutando.

Mas, vamos aos tais fundamentos do meu ponto de vista camicase, sem qualquer pretensão de arranhar os alicerces da devoção brasileira pelo futebol e, tão pouco, da minha vocação para torcedor sazonal. Pois bem, no Brasil tudo começa com a criação de ídolos que naturalmente deixam de estudar, sem qualquer intervenção do Estado, e formatam no imaginário coletivo - principalmente das crianças - a legitimidade desse desinteresse. Depois, dentro das quatro linhas, para delírio dos torcedores, a violência faltosa e desleal se justifica sob a perspectiva da garra, da raça e da torcida a favor. A dissimulação, no intuito de ludibriar, de enganar, de auferir vantagens, é algo corriqueiro e plenamente aceito pela massa e pelos atores de uma partida de futebol. A desmoralização da autoridade em campo (o árbitro) parece ser uma tentativa constante e, talvez, o único fator de irmandade entre as torcidas. Tudo isso, que doravante chamarei de ingredientes, é cozinhado durante noventa minutos num caldeirão efervescente. Frio ou quente, não é consumido apenas ali, direto do caldeirão. O caldo forte também é servido para viagem.

Portanto, é óbvio que os tais ingredientes serão, no mínimo, arrotados no dia a dia do “torcedor-cidadão” de todos os níveis e classes sociais.

Nota do Blog: Macléim Damasceno é jornalista, cantor, compositor, programador da Rádio Educativa de Maceió e cronista nas horas vagas.
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terça-feira, 15 de junho de 2010

O Brinde

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De Alagoinhas Atlético Clube - 1973



Lourival Andrade acumulava as funções de diretor, comentarista e narrador esportivo da Rádio Emissora de Alagoinhas nos anos 1970, cuja importância aumentou depois da inauguração do Estádio Antonio Carneiro e a consequente fundação do Alagoinhas Atlético Clube, ou simplesmente “Atlético”.

Lourival, na sua vida de artista do microfone, perseguia dois sonhos: um, era ser como Djalma Costa Lino, à época, o maior narrador esportivo do rádio do Norte-Nordeste. Para tanto, se esmerava no microfone, principalmente em jogos de grande audiência, como Atlético versus Bahia ou Vitória.

O outro sonho era narrar uma final do campeonato baiano de futebol diretamente do Estádio da Fonte Nova, quando o Atlético fosse um dos protagonistas. Em 1973, aconteceu o milagre e Lourival me procurou no Armazém União, do meu tio Edgard, onde eu exercia a função de gerente:

– Meu querido, preciso falar com você.
– Pode falar, Lourival.
– Queria que seu armazém patrocinasse a transmissão diretamente da Fonte Nova da final do campeonato baiano no próximo domingo. Vamos ser campeão de audiência no interior. Mais ainda se o Atlético sair vencedor.
– Sem problemas, Lourival, mas há um porém. Aliás, dois.
– Quais?
– Primeiro: o armazém não é meu. Segundo: na hora de você dar o prefixo da rádio, terá que dizer assim: “Rádio Emissora de Alagoinhas, quatro bocas de alto-falantes falando baixinho, baixinho para todo o mundo”...
– Ora, vá...
– Calma! Calma! Calma. Tô brincando.

O Armazém União não só patrocinou a transmissão como pagou a passagem desse escriba que vos fala para ver o Atlético de Alagoinhas ser garfado em dois gols irregulares do Bahia e voltar para casa com a inconformidade à flor da pele. Em terra de campeões, ser vice e último lugar não há diferença.

Lourival Andrade dividiu seus noventa minutos de fama com seu fiel repórter de campo Belchior, um jovem estudante que também exercia a função de cobrador de ônibus. O primeiro gol do Bahia, ele descreveu assim:

– Douglas recebeu a bola em impedimento e chutou para o gol, sem a menor chance de defesa para o goleiro Gato. E agora tá o maior cu de boi na área do Atlético...
– Olha o Português, Belchior! – advertiu Lourival.
– Esse tal de Português vai entrar no lugar de quem, Lourival?

No ano seguinte, Lourival foi à forra das brincadeiras que eu fazia a ele. Copa do Mundo de 1974. Ele anunciava brindes e mais brindes em sua resenha esportiva, ao meio-dia, para o primeiro que ligasse e dissesse o placar da final da Copa de 1970, com os devidos artilheiros. Metade e meia da população de Alagoinhas sabia, mas eu tive a sorte de estar perto do telefone naquele momento. Ávido para ganhar um prêmio, liguei para o programa. Ia ser de lambuja.

– Alô, Lourival, suspenda a promoção que o prêmio já é meu. A final de 70 foi Brasil 4, Itália 1. Com os gols de Pelé, Gerson, Jairzinho e Carlos Alberto, para o Brasil, e Roberto Boninsegna para a Itália.
– Ok., você ganhou. Venha buscar seu brinde até as 14 horas de hoje.

O armazém ficava perto da Rádio Emissora e em menos de cinco minutos estava lá, ansioso para receber o tal brinde. Depois de passar um tempo falando abobrinhas, no ar, me entregaram um envelope com timbre da emissora contendo minha prenda. Feliz, abri na saída do estúdio e contive um palavrão ante a surpresa: simplesmente eram tabelas dos jogos da Copa fornecidas pelo Armazém União.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Um Sequestro Inesquecível - Luís Pimentel



De Ou casa ou morrre!


Já que o momento é inteiramente futebolístico, vai uma sobre tema:

O acontecido aconteceu na cidade de Nazaré das Farinhas, faz muito tempo. O time era o Misererenóbis Futebol Clube. A escalação: Capenga, Tonho Doido, Bilau e Coceira. Zé Sapateiro e Alecrim. Nenga, Cabeça-de-Nêgo, Desvairado e Timbu. O esquema de jogo era o 4-2-4, como nos velhos tempos. Lateral não era ala. Não tinha um líbero, todo mundo corria. E tinha beque, ponta-de-lança, essas coisas.

O Miserê – assim carinhosamente chamado pela torcida – era o terror interiorano. Líder do campeonato intermunicipal de equipes, derrotara, naquele ano, todos os adversários, inclusive o glorioso Esporte Clube Berimbau, de Feira de Santana.
Os onze – não havia reserva; se alguém se machucasse, o time jogava no prejuízo – guerreiros de Nazaré embarcaram no sábado pela manhã para Cruz das Almas. A decisão do título seria na tarde do dia seguinte, com o vigoroso Cruzmaltense. A viagem de ônibus durava pouco mais de uma hora, mas era melhor embarcar na véspera, para no dia estarem todos bem descansados.

O sequestro inesquecível foi perpetrado na sexta-feira, depois da meia-noite. Letícia era filha de Seu Joaquim, português que esbarrou em terras baianas por engano e acabou importante proprietário da única mercearia da cidade e com status de quase prefeito.

O atleta miserenobense Zé Sapateiro cultivava um olho grande para cima da menina, há muito tempo. E era correspondido: o olhar de Letícia formava, com o dele, uma linha de passe bem legal.

Zé combinou com os demais companheiros de equipe se juntar ao time em Cruz das Almas, pois precisava embarcar mais cedo. Então passou a mão em Letícia e se mandaram, escondendo a moça em casa de um correligionário, lá mesmo em Cruz. No sábado ao meio dia já estava com os companheiros, com cara de sonso, fazendo gestos diante das notícias:

– Sequestraram Letícia, filha de Seu Joaquim.
– Não diga!
– O português garante que vai matar o seqüestrador.
– Ele está certo.
– Mas diz que antes vai capar o infeliz.
– Nossa Senhora!

Alguém denunciou, como era de se esperar. Seu Joaquim manteve a polícia longe do caso, encheu a espingarda de chumbo e viajou no domingo para a cidade da grande decisão. Foi direto para o estádio e pulou a cerca que separava os craques da torcida, atirando feito um doido.

Letícia também pulou a cerca e se ajoelhou diante do pai, chamando o velho à razão com essa pérola:

– Faz isso não, pai. O Miserê tá perdendo o jogo e Zé Sapateiro, jogando um bolão, é a nossa única esperança de empate e, depois, de vitória!

Seu Joaquim resolveu, em nome do espírito esportivo, pensar duas vezes, adiar a contenda, deixando a vingança para depois do jogo. Sentou-se em um banquinho de madeira na arquibancada improvisada e começou a torcer também.

Zé meteu um golaço e deu outro de bandeja para Alecrim marcar e virar o jogo, garantindo o título e conquistando, também, o coração do sogro.

Voltaram todos para Nazaré festejando, dando tiros de comemorações para o alto, com a espingarda do português e anunciando o fim do seqüestro: sem sangue, sem resgate, sem uma linha sequer nos jornais.

sábado, 12 de junho de 2010

POR QUEM ERRA MEU CORAÇÃO - Cineas Santos




De Bola



Esférica tentação de todos os meninos,
lua cheia de graça nos pés de Ademir,
trigal de Van Gogh a bailar nos gramados.
Cúmplice de Adílio,treteiro e tinhoso:
finge que bate a acaricia...
Não falarei Dele, suprema magia,
de quem foste escrava, amante, estrela-guia;
nem do Outro, anjo-passarinho,
revoadas de alegria.
Falarei de mim, coração e pernas em descompasso,
pois ao menor sinal de ti,todo emoção
em erros me desfaço.
Vício que consome e alimenta,
paixão que nunca se evola.
Bela, incomparavelmente bela, Bola.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Sobre Pessoas - 16 - Antonio Torres

Oficialmente a Copa do Mundo de Futebol começa hoje, com o jogo África do Sul e México. Brindo os leitores do blog com esta belíssima e emocionante crônica de Antonio Torres sobre João Saldanha.

Foi um prazer te ouvir, João

“As pessoas não morrem. Ficam encantadas”.
Guimarães Rosa – outro João

De João Saldanha



As tevês não mostraram as fotos em que ele aparecia abraçado a Ho Chi Min e Mao Tse Tung. Nem poderiam. Foram queimadas por sua filha Rutinha, em 1972. É preciso dizer quais eram as paranóias de 1972?


E se a imprensa não lhe poupou encômios, não chegou a contar muito de sua história – uma rica, atribulada e longa história, intrinsecamente ligada à própria História do nosso tempo.

João Saldanha era um arquivo vivo de acontecimentos. E adorava relembrá-los, em narrações que dariam para entreter os seus ouvintes por mil e uma noites.

Foi assim que o conheci um pouco mais, em Maricá, no litoral fluminense, sempre que passávamos um fim de semana na casa da sua filha Rutinha (a Kika), e do Rogério, que ficava perto da dele, onde o almoço era sagrado. E ai se não lhe obedecêssemos! E que chegássemos cedo. Impunha tal condição com uma desculpa: “Para os meninos aproveitarem bem a piscina”. (Os meninos eram os meus filhos, Gabriel e Tiago, que a Kika e o Rogério cuidavam como se deles fossem). E ali, numa mesa à sombra de um avarandado, meio que tomando conta das crianças, dávamos os trabalhos por iniciados, significando isto o destampar da primeira garrafa de cerveja, para destravar o seu baú de memórias.

“Põe isto no papel, João, antes que tudo se perca na espuma dos dias” – eu me dizia, sem conseguir interromper aquele senhor de uma energia impressionante que, quando desatava a falar, não parava mais. Às vezes, lá pelas tantas, ele se lembrava de que precisava escrever uma crônica, para deixar na portaria do Jornal do Brasil, a caminho do Maracanã, onde dali a pouco iria cumprir a sua tarefa de comentarista radiofônico do jogo daquele domingo. Então pegava uma máquina de escrever portátil e papel e, numa velocidade de metralhadora, batia as suas trinta linhas. “Vê aí” – dizia, me passando a página escrita, e uma caneta, para que eu corrigisse os seus erros. Mas que erros? Aqui e ali um tropeço datilográfico. E nada mais.

No embalo, ele enfiava outro papel na máquina. E aí engatava uma segunda crônica, depois outra e mais outra, e isso num tempo mais rápido do que o que levávamos para beber um copo de cerveja. E eram linhas soltas, espontâneas, escritas por alguém que jamais se submetera a ditadura alguma, muito menos à da gramática.

João Saldanha escrevia como falava. Daí o charme, a força, a extraordinária expressividade do seu texto. Ele tinha a voz da galera em seus ouvidos. E batia firme e fundo contra os que a traíam. Temperamental por natureza, não conseguia evitar os rompantes violentos, quando contrariado, como no dia em que deu um tiro à porta de uma farmácia do Leblon, na qual uma sua empregada doméstica fora destratada. A sangue frio, era uma doce figura. De uma simpatia inacreditável.

Legou-nos uma verdadeira epopéia – Os subterrâneos do futebol -, em que relata uma excursão caça-níqueis do Botafogo por países das Américas, sob o seu comando. Treinou a seleção de feras que deu o tricampeonato mundial ao Brasil, mas não recebeu os louros, por não aceitar a intervenção de um ditador de plantão - o general Emílio Garrastazu Médici -, que teria tentado meter o bedelho em seu trabalho. (Seria injusto empanar aqui os inegáveis méritos do Zagallo, o técnico que o substituiu, e teve um desempenho brilhante nos gramados do México, em 1970. Tanto quanto esquecer que João Saldanha lhe entregou um selecionado praticamente pronto para a conquista daquela Copa do Mundo, na qual nos apoderamos, definitivamente, da Taça Jules Rimet).

Meus amigos...

Engrossei a multidão que foi dizer adeus ao “João Sem Medo”. O que não se curvava ao despotismo. Nunca poupou os cartolas corruptos ou simplesmente estúpidos do futebol. Nem os jabazeiros da crônica esportiva. Naturalmente, isso lhe rendeu alguns desafetos. Porém irrisórios, se comparados aos que compareceram na hora em que ele finalmente acabava de dar todos os seus combates por encerrados, todas as suas histórias por contadas – e para a nossa desolação. Acompanhando o cortejo que o conduzia à sua última morada, vi artistas, políticos, jornalistas, publicitários, dirigentes (uns poucos), e torcedores (muitos) de futebol. Mas o mais emocionante foi quando reconheci os pescadores de Maricá, aquela gente anônima com a qual ele proseava nas noites de junho, entre as barracas da festiva pracinha da Divinéia, e que viera de longe certamente para agradecer-lhe pela graça da sua fala. E ali, com minha mulher, a Sonia,
ao lado de Ruth Viotti, a mãe da Rutinha, digo, a Kika, eu fazia minhas as palavras de Scott Fitzgerald – devidas ou indevidamente adaptadas para aquele momento -, escritas como um epitáfio a um amigo dele, chamado Ring Lardner, que também fora um cronista esportivo:


“Um grande e bom homem morreu. Não o escondamos sob flores, pelo contrário, contemplemos aquele belo rosto todo sulcado de mágoas e tribulações que talvez não estejamos equipados para compreender. Foram muitos os que dele receberam os melhores momentos de evasão e inesquecível recreio de suas vidas”.

- Vidas que seguem – como diria João Saldanha.
(23.07.90)