quarta-feira, 30 de junho de 2010

Das Artimanhas do Torto - Cineas Santos




De Roseane e a dinheirama

É perceptível o extraordinário esforço que a Santa Madre Igreja vem fazendo no sentido de reabilitar a figura do Diabo. Por favor, não me tomem por herege. Explico tudo: Bento XVI, homem de vasta sabença, já se deu conta de que, sem a presença do mal, o bem se esvaece. Urge, pois, reabilitar o Tinhoso antes que se comece a duvidar da existência de Deus. Há quem afirme que a derrocada do Demo se iniciou no dia em que São Paulo (Coelho) desistiu de apostar nele. Antes de acharem que exagerei na dose do chá, um refresco para os desmemoriados. Em 1982, Paulo Coelho publicou, pela Shogum Editora, Arquivos do Inferno, livrinho sobre o qual se derramou conveniente silêncio. Com um pouco de sorte, é possível encontrar algum exemplar perdido nos sebos do mundo. A partir daí, o Mago bandeou-se para o partido do Altíssimo e, embora continue cometendo os mesmos erros gramaticais, tornou-se o maior vendedor de livros do mundo. Sua meta é provar que “Deus escreve certo por linhas tortas”. Mas isso já é outra história.

Como autêntico sertanejo que sou, nunca duvidei da existência do Troncho. Certa feita, ouvi de uma irmã catequista uma advertência que me marcaria profundamente: “O Demônio é um cão raivoso preso a uma corrente de aço. Para não ser mordido por ele, basta manter prudente distância”. A piedosa freirinha só se esqueceu de um detalhe: estipular a extensão exata da corrente. Volta e meia, ainda me pergunto, apavorado: Não estarei muito próximo? Quase sempre estou.

Um exemplo: certa feita, em 1992, fui procurado por um cidadão falante, maneiroso, que, sem motivo aparente, resolveu brindar-me com uma garrafa de “Dom José”, vinho do Porto de boa safra. Puxou conversa, falou de poesia, de música e revelou em mim qualidades que eu nem suspeitava que existissem... Finalmente, exibiu as presas: “Caro mestre, venho lhe fazer uma proposta irrecusável”. Tremi nos tamancos: sempre que me apresentam propostas irrecusáveis, fico alguns centavos mais pobre. Intrépido, prosseguiu: “Como o senhor já deve saber, a governadora Roseana Sarney desponta como o ‘fato novo’ na corrida pela presidência da República. Eis a proposta: sou editor de uma revista política e vou lançá-la, nacionalmente, com a Roseana na capa”. Até aí, nada de extraordinário. O desfecho: “Com essa edição, pretendo faturar, no mínimo, meio milhão de reais”. Diante do meu espanto, arrematou: “Cada inserção de uma mensagem de apoio de um município maranhense custará cinco mil reais. Que prefeito se recusará a participar dessa campanha, levando-se em conta o fato de a governadora ainda ter dois anos de mandato? Venho propor ao senhor uma parceria: racharemos despesas e receitas, meio a meio”. Quando lhe perguntei o porquê de ter sido eu o escolhido, tentou fisgar-me com o anzol da vaidade: “O senhor é um homem sério, tem o respeito de todos”. Atordoado com a possibilidade de enriquecer subitamente, pedi um tempinho para refletir. Ele aquiesceu, com a advertência: “Duas semanas, professor. Lembre-se de que estamos correndo contra o tempo!”. Ao retirar-se, senti no ar um inexplicável cheiro de enxofre.

Antes do prazo que me fora concedido, estourou o escândalo da dinheirama encontrada no escritório da governadora. O balão murchou. Não tive dúvida: aquele moço blandicioso era a reencarnação do Tinhoso. Vade retro, Satanás!

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