quarta-feira, 7 de julho de 2010

Policarpo Quaresma para jovens - Antônio Torres


“O primeiro contato com um clássico, na infância e na adolescência, não precisa ser com o original. O ideal mesmo é uma adaptação bem feita e atraente”. É o que ensina a escritora Ana Maria Machado em seu livro Como e por que ler os clássicos universais desde cedo, publicado em 2002, pela Objetiva. Trata-se de um guia precioso para a educação literária e sentimental de crianças, jovens, e também de adultos, no qual ficamos sabendo que o Brasil é um país bem servido de adaptações. “A começar pela genialidade de Monteiro Lobato, que instituiu uma via de mão dupla entre o Sítio do Picapau Amarelo e a Grécia Antiga, criando assim uma excelente forma de iniciação infantil a esse universo”, ela nos recorda, acrescentando: “Poucos países tiveram tanta sorte em ter um privilégio destes”. Mas, o que significa exatamente adaptar uma obra clássica? Torná-la mais acessível a um universo de leitores ainda em formação, de qualquer idade, condensando-se a narrativa e, por vezes, se recriando a história em linguagem mais coloquial. Não têm sido poucas as iniciativas editoriais nesse sentido. E bem sucedidas. Basta lembrar uma antiga coleção de bolso da Ediouro, sempre a cargo de grandes nomes das nossas letras, entre eles Carlos Heitor Cony, que para tanto se valeu do seu múltiplo talento de romancista, cronista e autor de livros infanto-juvenis. Haveria, então, a necessidade de se adaptar também alguns clássicos nacionais, mesmo que sua distância no tempo nem de longe possa se comparar aos três mil anos dos mitológicos gregos, ou mesmo aos quatro séculos de um Dom Quixote? Uma resposta afirmativa acaba de ser dada pelo professor Arnaldo Niskier, figura pública na área da educação, membro da ABL, da qual já foi presidente, e autor de livros para crianças. Depois da sua adaptação da história do engenhoso fidalgo da Mancha, e, antes, de O alienista, de Machado de Assis, ele apresenta agora uma edição para jovens de O triste fim de Policarpo Quaresma, o célebre romance de Lima Barreto, pela editora Consultor, com ilustrações de Mário Mendonça.
Ao contrário de uma posposta anterior, visando a levar o livro mais conhecido de Lima Barreto às salas de aula, da Companhia Editora Nacional (Série Lazuli Clássicos), com texto integral, mas com anotações e comentários de Nivaldo Carvalho, o educador Arnaldo Niskier evitou as notas de pé de página, optando por uma adaptação de certos trechos do livro, reescrevendo-os de maneira simplificada, e por uma atualização ortográfica, o que inclui as grafias que caíram em desuso (cousa = coisa, por exemplo). Seja como for, adaptado ou em versão original, O triste fim de Policarpo Quaresma é para ser lido e relido, em qualquer tempo e lugar, e por qualquer tipo de leitor. Ambientado no Rio de Janeiro da virada do século 19 para o 20, e marcado por dois acontecimentos decisivos do país (a abolição da escravatura e a proclamação da República), o romance mais conhecido de Lima Barreto é uma sátira a uma visão romântica da pátria e ao nacionalismo retumbante da Primeira República, sobretudo no governo do marechal Floriano Peixoto. Dividido em três partes, Policarpo Quaresma conta a história de um modesto funcionário público, em diferentes momentos de sua vida. Primeiro: o seu dia-a-dia burocrático. Segundo: sua mudança para a vida no campo, como proprietário rural. Terceiro: seu engajamento como soldado voluntário das tropas de Floriano Peixoto, na luta contra a Revolta da Armada, de 1893, ou seja, bem nos primórdios da República. Cada um desses períodos o leva a uma confrontação de suas idealizações com o país real, até mergulhar, com irônica e trágica lucidez, no desfecho patético de seu destino: A pátria que quisera ter era um mito, era um fantasma criado por ele no silêncio de seu gabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir, existe. A releitura do Policarpo Quaresma agora, na oportuna adaptação do professor Arnaldo Niskier, traz à lembrança um ensinamento do escritor inglês George Orwell, aqui encaminhado a mestres e alunos: “Aquele que tem o controle do passado, tem o do futuro”.

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