Contrariando
as previsões de profetas, místicos, embusteiros, e assemelhados, o fim do mundo
não aconteceu na data prevista: 21 de dezembro de 2012. É certo que milhares de
mundinhos pessoais desceram pelo ralo, mas o Armagedom foi adiado mais uma vez. Ainda teremos um
tempinho para continuar cometendo pequenos e grandes crimes e fazendo bobagens.
Quanto a mim, confesso que já estou no lucro.
A
primeira vez que ouvi falar do fim do mundo, eu era praticamente virgem em
matéria de pecados, a não ser do tal pecado original que, ao nascer, já
trazemos embutido em nossas almas. Eu teria uns dez anos de idade, se tanto.
Num início de noite, ouvi no rádio do padre Nestor Lima a trombeta do anjo
vingador: “O mundo acabará em 1970”. Fiquei literalmente aterrorizado. A partir
daquele instante, eu teria uns doze anos, no máximo, para realizar alguns
sonhos acalentados desde sempre: comprar uma bicicleta Monark, uma sanfona
Scandalli, um relógio Lanco, um rádio Philco, uma espingarda Rossi, uma
lanterna de três elementos, uma chuteira feita pelo Raimundo do Pedro e um
frasco de English Lavander. Na verdade, eu tinha um único fito: chegar ao
coração de Cleonice, com quem iria me casar. A fim de levantar a dinheirama
suficiente para comprar tudo isso, seria necessário ir a São Paulo onde,
segundo atestava o baião de seu Luiz, corria ouro pelo chão. Fiz as contas e vi
que não daria tempo. Sofri como um condenado...
Em
1970, eu já desistira da sanfona, do rádio, da espingarda, ou seja, da
Cleonice... À época, meu coração bandoleiro errava por uma fulaninha, mais
acesa que farol de milha... Conclusão: a despeito da ditadura que prendia,
torturava e matava, nunca fomos tão felizes: “noventa milhões em ação” e a
inesquecível conquista do Tri... Marcou-se uma nova data para o fim do mundo: o
ano 2000. Voltei a fazer as contas e vi que já estava no lucro: em minha
aldeia, a média de vida não excedia a 45 anos de idade.
Manquitolando,
cheguei à virada do milênio. E, como naquela canção de Paulo César Pinheiro
& Baden Powell, “Não fui feliz nem infeliz / só fui na vida um aprendiz / daquilo
que eu não quis”. Preparei-me,
finalmente, para a data definitiva: 21
dezembro de 2012. Paguei a conta na quitanda, cancelei a viagem à Birmânia,
alimentei as rolinhas que voejam pelo meu quintal, banhei os cães, queimei um
punhado de poemas ruins, ouvi “Nervos de aços”, liguei para meia dúzia de
sirigaitas e comecei a rezar a oração
que aprendi com São Bandeira: “Quando a indesejada das gentes chegar...”