terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Por onde andará a minha Amélia?


Ai, que saudade de Claudinha! Digo, de Carminha. Aquela sim, é que era mulher de verdade. Passava fome e ainda achava bonito não ter o que comer. A Carminha? Não. A Amélia. Amélia Cristina dos Anjos. Mas não era como a da música não. Só os poetas conseguem arranjar mulher assim. As musas. Deusas, rainhas, afrodites, ninfas. Carinhosas, gostosas, compreensivas e polidas. Os mortais, como eu, têm que se contentar com marias e joanas, rainhas da impaciência, deusas da incompreensão, ásperas tal qual lixa grossa de raspar madeira, delicadas como elefante em loja de louça. A minha Amélia, não era como a da música, mas era diferente dessas barangas de quinta categoria. Doce, alegre, sorridente, embora eu gostasse mais quando ela ficava de boca fechada. É que lhe faltava três dentes na frente. Uma vez um candidato a vereador lhe prometeu uma dentadura postiça, ela ficou feliz, deu duro na campanha dele e depois que ele se elegeu, nunca mais deu as caras. E a nega ficou desdentada. Era por isso que ela achava bonito não ter o que comer. Não tinha como mastigar.

Um dia, achei que a sorte mudaria e apostei todos os meus vinténs na Amélia. Tudo. Um lance só. Vermelho, vinte e sete. Jogo no pano. Deu preto, dezessete, como no tango de Herivelto Martins e David Nasser. Amélia sorriu delicadamente e me perguntou inocentemente: “Meu filho, que se há de fazer?” Deu-me um beijo delicado na ponta do nariz, virou as costas e desapareceu no breu da noite levando o crupiê a tiracolo.  

(Amélia, a música mais vendida de Ataulfo Alves, só lhe rendeu dor de cabeça, conforme depoimento dele. Ouça o áudio no link abaixo)




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domingo, 17 de fevereiro de 2013

Enquanto isso, na fila da loteria




Queria lhe dizer que a fila anda, amor, mas não posso. Faz meia hora que estou parado aqui, ouvindo a desculpa de que “o sistema está fora do ar”. Sistema fora do ar é a nova palavra do milênio, amor. E só acontece quando estou na fila. A sorte é que tem um expert em asteroide aqui e ele está explicando que essa pane no computador da Caixa Econômica talvez seja influência desse asteroide de quinhentas mil toneladas que está passando perto da Terra. Como?! Não, ele que disse que pesava quinhentas mil toneladas, amor. E eu vou lá querer saber quantas toneladas são! Um senhor, atrás de mim, interrompeu o professor e perguntou admirado: “Como é que um bicho pesado desse consegue avuar?!” O especialista em asteroide não soube explicar e eu respondi ao senhor que lá no espaço ele não pesa nada. Um garotão, com pinta de universitário, veio em socorro também: “Esse peso é se fosse aqui na Terra, tá ligado? Por causa da gravidez”. Não ria, amor, que eles podem ouvir. O senhor atrás de mim agradeceu a explicação. Outro, à minha frente, perguntou ao astrofísico se era verdade que o mundo ia se acabar. Vai, respondeu ele. E a NASA já sabe. A NASA tem um telescópio lá em cima, depois das nuvens, muito depois, que diz tintim por tintim o que acontece no mundo. O tal do Rambo. “Já ouvi falar nesse filme”, disse outro mais à frente. Ah! Não! - disse o astrólogo. Manja um binóculo, aquele troço que a gente coloca no olho e tudo fica perto, bem pertinho, que a gente pode até pegar com a mão? Esse Rambo é como se fosse um binóculo desse, gigante, bem gigante, e enxerga até o fim do mundo. Mas só em linha reta.

Estou pasmo, amor. Morrendo de rir e me contendo. A conversa agora descambou para a genética. O professor perguntou ao senhor que se admirou com o voo rasante do asteroide se ele já tinha lido sobre a Arca de Noé. “Sim”, respondeu. Pois então... só foi possível Noé salvar os animais porque havia poucos animais naquela época. Agora não. Agora são milhares e seria preciso mais de mil arcas. Mas a NASA descobriu o genoma dos animais e está guardando tudo em laboratório. Genoma é uma célula que reproduz os seres vivos. Se houver outro dilúvio, não será preciso construir outra arca. Vai tudo dentro dos frasquinhos e aí eles fazem o cruzamento no laboratório.

Pois é, amor. Fila de loteria também é cultura. Agora a fila anda, amor. Vou perder o fim da conversa, que é sobre o submarino nuclear que os cientistas construíram para guardar os genomas e se salvar no próximo dilúvio. Mas amanhã eu volto, amor. O professor tem cara de filamaníaco.  O quê?! E eu vou lá saber se essa palavra existe! Eu aqui ouvindo altos papos sobre o Dilúvio e você preocupada com uma palavrinha à toa! Amanhã quem vem pra fila é você! 


Cadê você, meu amor?!

E eu aqui nessa agonia, sem saber se você vinha, fumei um maço e meio de cigarro Hollywood Kink Size Filter para acalmar a aflição, e você chegou  finalmente, e sorridente, escancarou seu coração de adolescente me deixando em total estado de abandono:

- Eu só vim aqui pra dizer que hoje eu vou num vim!

Dito isso, singelamente, escafedeu-se no labirinto dos pensamentos se escondendo atrás das emoções, me deixando com o maldito vício do cigarro que eu havia deixado vinte anos atrás. 

Cineas Santos - Estação do Inferno



                          
         Em mais de uma oportunidade, afirmei que seu Liberato era um homem exato, um homem sem transbordamentos. Ao longo da vida, nunca o vi correr ou gritar; eufórico ou colérico. Um sertanejo de tristezas brandas e alegrias rasas. Parecia movido por uma noção exata de ritmo, o seu ritmo. Nos eitos dos roçados, às vezes, os trabalhadores competiam entre si para ver quem terminava mais rápido determinada tarefa. Alheio a tais disputas, seu Liberato apenas fazia o seu trabalho. Não fazia versos, não tocava viola, não contava vantagens. Quando lhe sobrava algum tempo, contava causos, alguns muito engraçados. Em matéria de música, conhecida apenas duas que, raramente, cantava com voz suave a afinada: “Cabelo de meu bem tem areia,/tem areia, tem areia, vou tirar;/cabelo de meu bem tem areia, /tem areia, só  tiro se ela mandar”. A outra: “Foi uma jura/ Que fiz de nunca mais amar/ Ai, ai, ai, meu Deus/ Para que jurei?/ Todo mundo sabe/ Quebrei minha jura, quebrei”.

         Seu Liberato prezava muito o silêncio, razão por que não suportava rádio. Quando perdeu a visão, por volta dos  70 anos de idade,passava os dias sentado numa redinha de fibra de caroá, conversando e recontando causos .Acontece que a casa de dona Purcina era o local  de encontro dos estudantes do Ginásio Dom Inocêncio. A velha ganhava a vida vendendo doce à molecada. Quando a algazarra se fazia insuportável, o velho limitava-se a afirmar baixinho: “Isto aqui é a estação da luz”.

         Vai que, um dia, apareceu em nossa casa uma jovem que não desgrudava do rádio nem para dormir. Certa feita, agastado com o barulho daquela “engenhoca rouca”, seu Liberato lhe fez uma recomendação: “Minha filha, deixe esse rádio descansar um bocadinho. De tanto falar, um dia, pode lhe faltar assunto”. A moça sorriu e continuou na dela,com o radinho  a tiracolo. Numa noite qualquer, o velho acordou ao som de uma música de letra maliciosa: “Ô tabaco bom, bom de  se cheirar!/Ô tabaco bom, vamos gente, vem comprar”, na voz de Messias Holanda. Ficou abismado com aquilo. Na manhã seguinte, não se conteve: “Minha filha, seu rádio ontem à noite, estava cantando prosa”. Dias depois, a jovem acordou apavorada no meio da noite, com o rádio “falando uma língua esquisita”. Era o noticiário da BBC de Londres. Meu pai foi taxativo: “Menina, aquilo era a estação do inferno. Convém tomar cuidado”. Assustada, a mocinha nunca mais dormiu com o rádio ligado.

         Lembrei-me dessa história boba, ao ouvir um dos sucessos da “música” fank  no automóvel de uma jovem bem-nascida. A letra é de fazer corar uma estátua de granito. Pensei comigo: feliz de seu Liberato que não viveu o bastante para  testemunhar que, hoje, a estação do inferno não entra acidentalmente no rádio. Agora, os programas de rádio, com honrosas exceções, são transmitidos, ao vivo, diretamente do inferno. O tempora! O mores!

 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Luís Pimentel - Carnaval, desenganos


     Manhãzinha do sábado de Carnaval/Cena externa/Cinelândia.

     A freirinha de bigodes puxou uma cadeira no boteco da Evaristo da Veiga. O garçom pegou o espírito da coisa e chegou junto:

     – Bom dia, irmã. O que deseja?

     O folião descera de Santa Teresa na véspera, depois de se esbaldar no bloco das Carmelitas. Fizera o caminho via Copacabana, deixando os últimos pedaços no quase-bloco do Bip-Bip. Estava um caco:

     – Me vê um pastel.
     – Queijo, camarão ou carne seca?
     – Qualquer um. É só pra ter o que estômago mandar de volta.
     – Vai no de carne seca. Tem mais volume.
     O marmanjo de hábito e touca negros riu e pediu uma dose dupla.
     – De quê?
     – Qualquer coisa – e abraçou o garçom, que àquela altura já era um amigo de infância:
     – Vou te contar uma história triste.
     – Já sei. Esqueceu a carteira no convento.
     – Pior. Perdi um amor aqui, ano passado, no começo do desfile.
     O garçom puxou a outra cadeira:
     – Conta mais.
  – Linda. Vestido de seda branca, transparente, uma bolinha preta em cada seio, homenageando o Cordão. Olhava nos meus olhos e repetia “lugar quente é na cama...”
     – Vou chorar – gemeu o garçom.
     – Deixa de viadagem.

     O Bola Preta inchava em direção à Araújo Porto Alegre. O garçom pediu um tempo ao patrão e resolveu ajuda-lo na busca. O dono do bar diz que não voltou até hoje.


sábado, 9 de fevereiro de 2013

A minha primeira (e última) comunhão





Nas aulas de catequese para primeira comunhão na Escola Brazilino Viegas, Alagoinhas, Bahia, as catequistas diziam que depois de receber a hóstia sagrada seríamos ungidos com a graça divina e nosso corpo seria abraçado pelo Espírito Santo e flutuaríamos nas nuvens como um Zepelim prateado. Mas, para isso acontecer, teríamos que contar todos os nossos pecados ao padre e nos mostrarmos verdadeiramente arrependidos pelos atos praticados contra Deus.


No dia da confissão... amarelei! Em vez do confessionário, o padre colocou uma cadeira no meio da igreja e nos mandou fazer fila. Encarar o padre tête-à-tête e contar as safadezas que fazia e ainda mostrar arrependimento seria um verdadeiro ato de bravura e coragem. Decididamente não nasci para ser aquele herói que toda mãe católica necessita. Pensei em fugir, mas a professora me segurou pelo braço e me deu um beliscão.


Ao chegar a minha vez de subir no cadafalso, o padre me olhou com ares de sádico e me disse com cara de inquisidor, antegozando o poder da tortura:


- Conte os seus pecados! 

Engasguei com as palavras. Tossi. Olhei para um lado e outro em busca de socorro. Chapolim Colorado não era desse tempo. Vi Jesus querendo soltar os braços da cruz para me dar uns cascudos. Então criei coragem e falei num fio de voz:

- Meus pecados?! Xinguei o meu irmão mais novo, roubei o doce de Carlinhos, roubei laranja do sítio do Major...

- Que mais?

- Mais?! Roubei umas bolas de gude de Dilto e desobedeci à minha mãe...


Que pecado ele esperava encontrar em um garoto de onze anos que mal havia descoberto a masturbação? Por via das dúvidas, soneguei esta informação. Não confiava na discrição do padre e certamente ele iria contar para a minha mãe.


Na hora da comunhão, coração acelerado para receber o corpo de Cristo e ser abduzido pelo Espírito Santo e sair da igreja flutuando, não vi nada acontecer. Vi, sim, a cara de agonia de Crispim. Ele cuspia na mão e ficava olhando, apavorado. Ele me pediu para olhar se havia sangue na sua boca. Não. Não havia. Por quê? A catequista havia lhe dito que se ele mastigasse a hóstia a boca ia ficar cheia de sangue de Jesus Cristo. E ele mastigou.


Depois da comunhão tive a impressão que estava mais pesado, mais lento. Reclamei à professora de catequese, exigindo minha viagem esotérica. Ela encaminhou a minha reclamação ao padre. Ele me chamou à sacristia e, mal me viu, esbravejou:


- Você é um possuído do demônio! Você não se arrependeu dos pecados! Se arrependa, seu moleque, se arrependa, seu cretino! –  me deu um cachação que caí de cara no altar.


As duas semanas que passei internado no hospital não sei se foi por causa disso, se foi pela surra que levei de minha mãe por não me arrepender dos pecados ou se foram os dois juntos.



Sei apenas que só tinha onze anos e ninguém nunca havia me dito que masturbação era pecado.



quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço

Há os que falam da esperteza dos pastores, mas a religião, seja ela qual for, virou mercantilismo. Como vender lasca da cruz em que Cristo foi crucificado não dá mais certo, a Igreja agora resolveu vender água benta. Uma garrafinha de 300ml, como esta da foto, custa a simples bagatela de dois reais. Esta eu comprei na Igreja do Bonfim para mostrar que padres e pastores são todos farinha do mesmo saco. O que eles querem mesmo é fazer negócio com a fé do povo.