sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Lá no meu sertão...



O lugar de onde vim
Não passa boi,
Não passa boiada
Em suas estradas
Que não levam
A lugar nenhum.

Tem o horizonte carmim
Do dia curtido no Sol
E as noites refletidas
em gotas douradas de luar.

Esse lugar não é o Nunca,
Pois existe e dou fé.
Nele, habitam homens rudes,
De pele endurecida pelo sol.
Eles não receiam o perigo:
Amansam burro brabo,
Pegam o touro a unha,
Mamam no peito da onça.

São rudes e não brutos.
Carregam no coração solitário
A flecha certeira de Cupido.
Porém a timidez os domina
E eles não conseguem dizer
Uma simples frase
Que os homens de Hollywood 
Dizem nos filmes 
Exibidos na parede da Igreja:
“I love you, baby”,

Um singelo “Eu te amo”
Faz tremer as pernas
E travar a língua
Dos mais valentes.

Recorrem ao simbolismo
Da flor de açucena
Recolhida no matagal.
E as moças de riso brejeiro,
Com orgulho incontido,
Guardam no peito juvenil
A mais pura prova de amor,
Porque diziam os antigos
Que a flor de açucena
É a flor do bem-querer.

E você, minha doce amada,
Que pegou esporas e sela
E domou este vaqueiro,
É a minha flor de açucena
A minha flor do bem-querer
E hei de amar-te até morrer.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

FELIZ 2015



Eu canto o instante porque a hora é lenta
Como um trem de ferro carregando o dia;
Eu canto a manhã porque a tarde é breve
E a noite se instala em branda agonia.

Eu canto o breu porque a escuridão da noite
Acende as estrelas para que a Lua cunhã
Acorde os fantasmas no despertar dos galos;
Porque galos sozinhos não tecem a manhã.

Eu canto a dor porque amar dói mais
Dor de rebento eclodindo o útero materno
Eu canto a angústia porque estou cheio da morte
Levando os justos pros quintos do Inferno

Eu canto o mar porque a onda que arrebenta
Desfaz o castelo de areia em seus domínios
E a princesa liberta das masmorras do castelo
É a feliz recompensa dos sonhos do menino.

Não cante o passado porque o futuro ainda é hoje.
Destrua a masmorra construída no seu ventre;
Liberte seus sonhos como a princesa e o menino
E, como nos contos de fadas, seja feliz para sempre.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Capa do livro ESSA TERRA no Paquistão


A capa bem nordestina: a xilogravura dos cordéis que encantavam o povo nas feiras livres ou na boca de um ceguinho cantador ao pé do balcão, intercalando os acordes da sanfona e um gole de cachaça com tira-gosto de salsicha tirada de uma lata empoeirada na prateleira, onde, ironicamente, há uma imagem de Santa Luzia bem ao lado, iluminada por uma lâmpada decorativa vermelha, e o dono do boteco fala modestamente aos fregueses que trata-se de uma "luz de cinco velas".

Sentado em um banco de madeira de lei, o móvel mais luxuoso do estabelecimento, um senhor de barbas brancas sorve a dose de cachaça, pigarreia, cospe no chão, manda botar mais uma pro ceguinho e pede:

- Agora canta "A chegada de Lampião no Céu!"

Os presentes concordam, pedem uma pinga pra limpar os ouvidos e, infelizmente, o violeiro não pode ver que é o centro das atenções. Um cachorro vira-lata, que dorme na calçada, limpa os olhos com as patas, se levanta e vai lamber os pingos de cachaça que escorrem da boca do ceguinho.

Cenas comuns de um dia de feira nas pequenas cidades sertanejas.

domingo, 16 de novembro de 2014

Luís Pimentel - Amanhã será outro dia (mais uma crônica em verso)

Ganhar
Não é só
O contrário
De perder.
Pode ser
Um Planetário
Visto do lado
De lá,
Tudo terra,
Céu contrário.
Ganhar
É saber
Que o resultado
Ficou bem
Do nosso
Agrado.
Mas todo lado
Tem dois lados:
Um que
Ganhou
Folgado;
Outro perdeu
Apertado
(ou foi
Um placar
Errado?)!
Ganhar
Não é só
Outro lado
Da moeda.
Na política,
Na vida,
No futebol,
No amor
Nas agonias,
Trocar noite
Pelo dia
Pra acordar
Derrotado.
– se vencer
É imperioso,
Por que então
Disputar?
Ninguém
Nasceu
Só pra ganhar.
Muito menos
Pra perder.
Nascemos
Pra disputar
Até o dia
Raiar,
A noite
Se dissolver
Nos campos
Enlameados.
Ou no gramado
Asfaltado,
Nos sinais,
Nos escritórios,
Palacetes,
Dormitórios,
Onde quer
Que aja
Vida.
Só uma
Guerra
É pedida:
Aquela
Que vem
Sem luta.
Quando o prazer
E a labuta
Vem sem tesão
Ou sem ética.
Assim,
Vitória
Ou mesmo derrota
É tudo
Simples reverso.
Porque
Placar adverso
É só uma prosa
Poética!
Vencedor:
Vibre com força
E fervor
Mas não se perca
Na alegria.
É que amanhã,
Meu amor,
Será sempre
Outro dia.