sábado, 3 de março de 2012

Ana Lúcia Cruz - Mulhernagem

Segundo o meu sogro, homenagem feita a uma mulher é uma Mulhernagem.

Além de uma homenagem a todas as mulheres, faço aqui um agradecimento às mulheres que contribuíram com a construção da minha identidade feminina, através de seus exemplos: minha bisavó Maria, que viveu por mais de 100 anos, minhas avós, que já passam dos 90 anos com muita força e vitalidade, minha mãe, minhas tias, as esposas dos meus tios, minhas primas, e minhas filhas, que herdaram de todas nós não só os genes da vitalidade familiar, mas também, bons exemplos de mulheres guerreiras que desafiaram e desafiam os limites impostos por uma sociedade machista.

É por nós sabido que as mulheres, por tradição, recebem tratamento e educação diferenciada dos homens. Educado para ser astuto, audacioso, viril, agressivo, racional, criativo e livre, o homem cresce autônomo e impetuoso, enquanto a mulher é tratada e educada como “sexo frágil”.

É visível que o sistema educacional reforça tal estigma referendando as diferenças, que muitas vezes geram a exclusão e até mesmo o bullying. Meninas têm que gostar de rosa e brincar de boneca, de casinha, de professora... Meninos têm que gostar de azul e jogar futebol, brincar com carrinhos, correr...

Outro dia conheci um garoto muito bem resolvido que ao ser questionado sobre a profissão que gostaria de ter no futuro, respondeu imediatamente: 

- Quero ser bailarino!

Quando a mãe atônita enfatizou que ballet é coisa para meninas, ele respondeu categoricamente:

- E quem vai segurar as bailarinas no ar? Você nunca viu que são os homens que seguram as bailarinas no ar no momento da dança? Quero ser bailarino e vou segurar a cintura das bailarinas. Vou me casar com uma bailarina e vamos dançar juntos!

Diante da resposta do garoto me questiono: até quando vamos educar os nossos filhos e filhas para o machismo?

Conheço uma garota que sofre bullying porque gosta de jogar futebol com os meninos e as suas amigas a rejeitam por preferirem outras atividades.

Lembro de uma tia contando que quando criança adorava brincar com carrinhos de rolimã e sua mãe brigava insistentemente:

- Para com isso, menina! Parece um menino subindo e descendo a rua com um carro de rolimã!
E minha tia respondia:

- Mãe, quando crescer vou comprar um carro e serei uma ótima motorista!

Não sou adepta do feminismo, nem levanto nenhuma bandeira em prol da inversão dos papéis do homem e da mulher, porém, chamo a atenção para o fato de insistirmos em alimentarmos ideologias machistas, enquanto que na realidade os papéis de homens e mulheres, cada vez mais, são compartilhados entre eles.

Quantas famílias são sustentadas por mulheres? Quantas mulheres criam sozinhas os seus filhos?

Lembro-me da minha avó mudando-se de uma pequena cidade do interior para outra cidade maior na esperança de dar melhores condições de vida para os meus tios, deixando para trás o meu avô e os preconceitos, numa época em que a mulher separada não era bem vista pela sociedade.

A identidade pessoal é construída e formatada com base nos modelos parentais e sofre a influência do meio educacional e social.

Em tempos de “mulheres frutas”, “mulheres animais”, “popozudas” e “piriguetes”, eu pergunto: que mulher eu quero ser? Que mulher eu espero que minhas filhas sejam?

E vocês homens, que mulheres querem como namoradas, esposas, irmãs e filhas?


sexta-feira, 2 de março de 2012

Leila Barros - Como é bom ser mulher!

Ah!... como é bom ser mulher, existem tantas vantagens em relação aos homens!...
Muita calma nessa hora! Não fui eu quem afirmou isso! Essa foi a frase que um amigo muito querido proferiu um dia desses. Fiquei pensando nessa frase e resolvi refletir sobre essas vantagens femininas que ele acha que as mulheres possuem.
É... até que pode ser...reflitamos:
Mulheres podem se vestir com um terno, sem serem importunadas ou sem causarem constrangimento.
Uma mulher pode dirigir caminhão, ou casar virgem e toda delicada... e de branco e ter muitos rebentos.
Essa coisa de poder dar a luz...gerar vida, parece muito bom...
E no requisito das vaidades então, o campo é vasto e ninguém vai contestar que é coisa de metrossexual... Esmalte azul, batom vermelho, cabelo loiro...preto, quem sabe lilás?
Homem não pode...ah... O cartunista Laerte pode, ele pode, porque tem peito e muita atitude para isso!
Se uma mulher tem seios pequenos e não gosta, vai ao supermercado (perdão, eu sei que não se compra seios em supermercado) e compra logo uns quinhentos mililitros de silicone ou vai a uma clínica de cirurgia plástica e resolve a questão em algumas horas. E pronto, já está se sentindo uma diva da TV.
O pior é se ela conhece um cidadão da geração Y, muito rapidinho, muito prático e que gosta de mulheres cultas, magérrimas e quase sem peitos...Lá vai ela na clínica de cirurgia plástica e tira o silicone e fica com os seios menores.
Se está meio gordinha e com pneus, vai ao doutor cirurgião e corta logo fora a barriga, os glúteos e os culotes. Aí, ela se esbalda, faz lipoescultura, estica, retira, remove. Tem umas que até tiram a costela fora para ficar com a cintura bem fininha. Mas aquelas que não podem fazer cirurgia, asfixiam-se nos corseletes.
Se a boca é pequena, Botox nela. Se a pálpebra caiu, corta e estica e injeta outro líquido de ácidos compostos sei lá do quê.
Se não fizer tudo isso, não é olhada, não é admirada e nem cultuada. E os machões afirmam: Abaixo as feias, as despeitadas (literalmente falando), as desbundadas e as rugas malfazejas.
Se a mulher possui muitos neurônios em evidência arranca suspiros dos nerds, dos inteligentes, dos jornalistas... Se possui tudo isso e ainda é charmosa, faz a banca de deputados cair das cadeiras.
Ah...se a mulher sabe sambar e pode usar biquíni e um penacho na cabeça, ela já pode ser madrinha de bateria de escola de samba.
Tem capacidade para carregar peso, mas pode também pedir para um gentil cavalheiro com musculatura avantajada carregar esse peso para ela.
Pode cozinhar e lavar a louça, mas pode pedir com aquele jeito especial e o gentil cavalheiro faz isso para ela também.
Tem o direito de se apaixonar e rir sozinha muitas vezes por dia, sem que seja chamada de louca, pois todos vão imaginar que é a TPM...
Pode ser racional e passional...
Consegue chorar em público e pode fazer discurso no Congresso.
Uma mulher pode abrigar seres pequenos e frágeis no útero e criá-los até que voem livres e pode também abrigar na alma e perto do coração seus homens adultos, fortes e musculosos - ah!... esses tão independentes e livres seres masculinos, que ora admiramos e ora invejamos!
Pode usar vestido em um calor de quase quarenta graus e se sentir leve, plena, forte e vencer os desafios do cotidiano, mesmo em cima de um salto de seis centímetros ou usando uma botina de uniforme de fábrica.
Delicadeza e alma, força e poder...
É...acho que o meu amigo tinha razão e o Laerte também: ser mulher é tudo de bom.


quinta-feira, 1 de março de 2012

Edna Lopes - Mulher: um olhar sobre nosso corpo

A Igreja diz: O corpo é uma culpa.
A Ciência diz: O corpo é uma máquina.
A Publicidade diz: O corpo é um negócio.
O corpo diz: Eu sou uma festa.
                                  Eduardo Galeano

Durante as férias de janeiro agendei os exames periódicos que a medicina recomenda a todas as mulheres.  Colposcopia, mamografia, ultrassonografia das mamas e da pélvis. Não é a experiência mais relaxante que vivemos e seria um ato simples e corriqueiro se, primeiro tivéssemos atendimento público e de qualidade garantido e, segundo, se a relação com nosso corpo fosse outra.

Cansei de ouvir histórias de mulheres que procuram ginecologista, não para a prevenção, mas para buscar a cura de alguma doença, o que na maioria das vezes já é tarde para se fazer qualquer coisa.

Enquanto entrava e saía de várias antessalas e salas, conheci uma simpática senhora de aparentemente 70 anos, entre copos e copos de água, aguardando a vez do ultrassom da pélvis. Ela tremia e se justificava com uma moça bem mais nova, sobrinha, como fiquei sabendo depois, que não havia conseguido fazer a coposcopia e não faria o ultrassom da pélvis, porque não conseguia sequer pensar que alguém pudesse ver e tocar em suas partes íntimas.

Percebi que a mocinha se impacientava, sem convencer a tia e me meti na conversa argumentando que ela poderia fazer os exames tranquila, visto que as médicas que nos atendiam ali eram profissionais experientes, competentes e éticas e estavam acostumadas a lidar com este tipo de situação, que aqueles exames salvava nossas vidas.

Nada. Nenhuma palavra da mocinha ou minha convenceram-na do contrário. “Não gosto de ser assim”, disse. “Fui criada desse jeito e morro de vergonha de me mostrar em qualquer situação, até numa dessas que eu sei não ter nada demais, eu não consigo”.

E lá se foi a senhora sem fazer exame algum. Fiquei pensando no que poderia reverter uma situação daquela e refletindo quantas de nós já não morreram e ainda vão morrer por adiar um exame de prevenção. Educação rigorosa, convicções religiosas e desinformação matam lentamente mulheres que carregam a culpa do “corpo em pecado”.

Noutra ponta, o culto desenfreado ao “corpo perfeito”, exposição sem sentido associada à busca da eterna juventude também tem escravizado e vitimizado muitas de nós. Dia desses me vi estupefata diante da notícia da mãe que presenteou a filha de sete anos com um “vale lipoaspiração”.

 Fiquei pensando em tantas que não conhecem o próprio corpo, que evitam se tocar para não tirar disso algum prazer, que acham pecaminoso, constrangedor se despir diante de uma igual, mesmo que seja por razões de saúde e lamentei que nossa educação tivesse feito tão pouco por elas.
Nosso corpo merece cuidados e atenção, assim como nossa sensibilidade e consciência. Que o bom senso prevaleça. Espero e torço para que as novas gerações de mulheres tão expostas a tanta exploração do corpo, ao culto a eterna beleza juvenil, daqui a alguns anos não evite fazer os exames preventivos para não expor a flacidez dos seios, celulites e estrias, marcas da vida e do tempo para toda mulher.

SEMANA INTERNACIONAL DA MULHER


Aquele que diz que a mulher é sexo frágil, com certeza não vive neste planeta.


Hoje é moleza ser feminista, segurar o mastro da bandeira nas passeatas com algumas reivindicações justas e legítimas, como o direito amplo e irrestrito ao trabalho em igualdade de condições com o homem, se bem que conheço muitas que adorariam encantar um príncipe e viver apenas em função dos chás das cinco. Outras, mais radicais, sugerem que os homens também dividam os pratos que se acumulam na pia.

Devagar com o andor que o santo é de barro. Voltando aos tempos do poder patriarcal dos senhores de engenho ou dos barões do café, as ditas feministas de hoje vacilariam frente a esses senhores que dominavam a economia, a política, a cultura, a vida e a alma dos brasileiros e que se casavam apenas para ter uma mulher para dar porrada, fazer filhos e tomar conta das mucamas. Eles podiam tudo, inclusive estuprar e matar as metidas a feministas.

Em 1789, tomada pelos ventos libertários, a Assembléia Nacional francesa aprovou a Declaração dos Direitos do Homem. Em 1791, embalada pelo lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” cravado na bandeira do ideário revolucionário, a escritora francesa Marie Olympe Gouze (Olympe de Gouges) lançou também o seu manifesto “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”. Pegos de calças-curtas, os nobres revolucionários acharam tal manifesto uma afronta à moral e aos bons costumes. Que significava aquilo? Revolução das calcinhas dentro da grande revolução dos cuecões? Lugar de mulher era na cozinha e assim deveria continuar. Quem lavaria a louça? Quem trataria do javali antes de ir à panela?

Olympe de Gourges, a primeira feminista da história, foi a julgamento em um tribunal predominantemente machista. O circo estava armado e ela foi condenada à pena capital, sob a acusação de “ter querido ser um homem de Estado e ter esquecido as virtudes próprias do seu sexo.” Foi guilhotinada em 1793 sem que nenhuma outra mulher ousasse sair em sua defesa.

No dia 8 de março de 1857, 129 tecelãs em Nova Iorque se cansaram da exploração patronal e se uniram em um movimento reivindicatório, exigindo redução da jornada diária do trabalho, de 16, para 10 horas. Além de trabalharem mais, ganhavam apenas quarenta por cento do salário dos homens. Quando chegavam a casa, exaustas, encontravam uma pilha de pratos a serem lavados, comida a ser feita, filho para amamentar e beira do rio para lavar roupa, pois lavanderia era coisa a ser inventada. Não era justo tamanha exploração. Cruzaram os braços e saíram à rua a fazer barulho, sendo que encontraram uma forte e violenta repressão policial. Voltaram à fábrica achando ser um abrigo seguro. Os patrões e a polícia trancaram as portas e atearam fogo na fábrica, matando-as na imensa fogueira formada.

Em 1910, na II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, realizada na Dinamarca, a alemã Clara Zetkin propôs o dia oito de março como o dia Internacional da Mulher, em homenagem àquelas 129 mártires de Nova Iorque. A proposta foi aceita e nesse dia as mulheres do mundo todo se dão as mãos em busca de fortificar o movimento feminista, propondo o fim da hegemonia político-econômico-administrativa masculina, seguindo o lema dos compositores mineiros Beto Guedes e Ronaldo Bastos quando dizem “Vamos precisar de todo mundo / um mais um é sempre mais que dois”, se bem que esses versos foram escritos bem depois, o que não invalida o grito de guerra “Mulheres / unidas / jamais serão vencidas!” que encerrou a II Conferência na Dinamarca.

Proposições justas, por sinal, porém o movimento reivindicatório esbarra na própria instabilidade da vaidade feminina quando passa batom nos lábios frente a um espelho, no dia seguinte, e nos 364 que se sucedem até o próximo 8 de março; elas (as feministas e não as mulheres em si) são incapazes de se olhar fraternalmente como companheiras de luta e seguir um propósito comum; em vez disso, engalfinham-se feito onças-de-unhas-pintadas  disputando um território selvagem, inaptas em abraçar a causa libertária e tornar suas reivindicações numa bandeira ideológica permanente.

Fala mais alto a vaidade histórica e cada uma mira-se no espelho com a desconfiança aguda de quem encara uma rival.   

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

José Neumanne Pinto - Lua Semente

Na véspera da semana internacional da mulher, um poema de Nêumanne Pinto com quatro fases. 

Lua plantada na terra
Tem doce de cana,
Vive no verde da serra,
Semente tirana.

Lua banhada de sangue
Não foge da morte,
Traça, na lama do mangue,
A vida e a sorte.

Lua soprada no vento
É gado no pasto,
Vive no sol ao relento,
O céu é tão vasto.

Lua queimada na chama
Não guarda segredo,
Beijo de lua na cama
Congela o meu medo.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Cineas Santos - Remota lembrança de um corso

Decididamente, não me afino com as chamadas festas populares. São João, Natal, Révellion e Carnaval poderiam sair do calendário sem alterar minha rotina. Antes que me atirem pedras, uma explicação: não tenho nada contra festas grandes ou pequenas. Tenho tudo contra a alegria compulsória. A obrigação de parecer feliz para estar em sintonia com o rebanho é o que me desagrada. Em outro momento, já afirmei que pesco as minhas alegrias em águas rasas com anzol de linha curta. Não persigo a felicidade como escafandrista ou alpinista em busca de recorde; limito-me a fruí-la, em doses homeopáticas, quando ela decide visitar-me. Nada além.

Voltemos ao tema que deu origem a essa arenga. Recém-chegado a Teresina, eu não sabia da existência da palavra corso. Eis que, numa tarde de fevereiro, ouvi o som de uma marchinha tocada por uma charanga desafinada. À época, eu morava na Des. Freitas, mais conhecida como Rua da Estrela. Corri para a porta e deparei-me com o tal corso. Na verdade, meia dúzia de carros, algumas carroças, uma centena de pedestres sujos de talco, Maizena, farinha de trigo e coisas menos nobres. Nas calçadas, a plateia atirava papel picado, serpentinas e esguichava líquido das mais diversas procedências. A maioria dos foliões era constituída de homens fantasiados de mulher. Lá pelas tantas, despontou a grande estrela da festa: um cidadão negro, meio roliço, idade inescrutável, fantasiado de baiana. Como uma porta-bandeira, sem a companhia do mestre-sala, fazia evoluções, parava, sorria e mandava beijinhos para a plateia, que ia ao delírio. Era Bernardo Cruz, alfaiate por necessidade e folião por gosto e vocação.

Consta que, num certo carnaval, Bernardo Cruz não desfilou. Consternação geral: sem a figura da baiana rechonchuda, o corso era apenas um mela-mela. Dias depois, no famoso Restaurante Sapucainha, um médico brincalhão encontrou-se com o Bernardo Cruz. Não se conteve:

- Bernardo, você quase acabou com o carnaval de Teresina!
- Eu sei, mas eu também quase morri, doutor. Você não soube?
- Não. O que aconteceu?
- Fui atropelado por uma carroça. Passou por cima do meu pé!
- Peraí, Bernardo, isso é motivo suficiente pra matar alguém?
- Não, doutor, mas quando vi o estrago no pé resolvi me matar!
- Matar-se?!
- Doutor, você já viu vedete e cavalo de corrida fazerem sucesso mancando? É melhor uma morte honrosa...

Festas pobres para uma cidade pobrezinha. A cidade cresceu e tudo mudou: este ano, se bem entendi, o corso de Teresina entrou para o Guinness Book como o maior do mundo. Não sei exatamente o que isso representa para a cidade, mas pela repercussão, deve ser algo muito importante. Brava gente!


domingo, 26 de fevereiro de 2012

Luís Pimentel - Cenas do carnaval carioca de 2012

+ Durante o desfile do bloco Simpatia é Quase Amor, em Ipanema, a moça baixa as calças para se aliviar atrás de uma banca de revistas. Diante da cena, o folião que passa dá meia-trava e comenta: “Essa falta de banheiros é o que há de melhor na folia!”

+ Inesquecíveis os comentários de uma dupla escalada pela televisão para cobrir (de vergonha) o desfile das escolas de samba. Diante daquela que trazia enredo sobre o cangaço, os gênios resolveram explicar quem foi Antônio Conselheiro: tremi de pena dos telespectadores e desejei ver o sertão virar mar na Sapucaí.

+ Bêbado no Bloco de Segunda, cercando uma franga: “Depois vamos lá pra casa, preu te mostrar minha coleção de camisetas e camisinhas com motivos momescos”. O mesmo, meia hora depois num bar da Cobal, amargando a negativa e citando Silas Abrelas: “De não em não, as galinhas me enchem o saco.”

+ Desde sexta-feira, no Carmelitas, até a terça, no Meu Bem Eu Volto Já, cantando todo mundo e sem pegar ninguém, o arlequim desabafa num boteco da Ayres Saldanha: “Ano que vem vou pra Bahia. Lá, pelo menos, a aba dá!”

+ Pertinho dali, no Bip Bip lotado, Alfredinho, Chico Genu, Flávio Feitosa e Paulinho do Cavaco cantam: “Já tem maluco demais, aqui neste botequim...” Da calçada, os malucos de sempre aplaudem e um novato pergunta: “Será uma indireta?”

+ No belo Carnaval da Burrinha, organizado anualmente no Aterro do Flamengo pelo craque Mello Menezes, a linda morena fantasiada de salva-vidas é abordada por um gaiato: “Salva eu, gatinha”. E ela: “Claro. Cai aí na Baía de Guanabara e me espera”.

+ Na quinta de cinzas, um nostálgico me liga: “Que pena. Vou guardar a cuíca”. Arremato: “Agora pega a britadeira, pra não sair do ritmo.”


sábado, 25 de fevereiro de 2012

Com quantas coivaras se queima um cristão?


Deu nos noticiários de ontem que um iraniano recebeu pena capital porque trocou o islamismo pelo cristianismo. Não se sabia se ele já havia sido executado ou não, mas disseram que lhe foi dada a chance de viver em paz caso trocasse a Bíblia pelo Alcorão. O Vaticano, às voltas com o ateísmo crescente e a dispersão de católicos para os seguidores de Lutero e outras seitas, não vai poder transformar o iraniano em santo e sair no lucro perante o mundo dos infiéis porque, dizem, Edir Macedo chegou na frente: o mártir religioso em questão é (ou era) evangélico.

Nessa intolerância religiosa, sorte assim só foi dada a Galileu Galilei que, diante da fogueira santa, teve a chance de salvar o seu lindo pescoço: bastava tão-somente negar e renegar a sua invenção que comprovaria a teoria heliocêntrica de Copérnico. No mais, faltou lenha para se queimar judeus, ciganos e gentios. Até o início dos anos setenta do século passado os padres mandavam e desmandavam na política partidária do sertão nordestino e ai de quem não votasse no candidato apresentado por eles.

Uma das principais avenidas de Maceió chama-se Fernandes Lima. Quem visitou Maceió, alguma vez na vida, transitou por ela, pois faz ligação do aeroporto ao Centro.  Fernandes Lima vem a ser o político que liderou o mais violento movimento de intolerância religiosa em Alagoas e que é considerado, por alguns historiadores, um dos maiores do Brasil em matéria de intolerância, arrogância e preconceito. Ele chefiava a Liga dos Republicanos Combatentes, algo assim como uma liga de skin heads e neonazistas, composta por políticos e militares, e na noite de 1º de fevereiro de 1912 invadiu os terreiros de candomblé, umbanda e outras religiões de matrizes africanas no estado, promovendo uma longa noite de agonia e terror: os terreiros foram destruídos e os que neles se encontravam foram presos e espancados até o amanhecer do dia. Essa data foi escolhida a propósito porque era véspera do culto e oferendas a Iemanjá, a mãe dos orixás. Essa negra noite ficou conhecida como “Quebra de Xangô” ou “quebra-quebra dos terreiros”.

Mas alguém haverá de dizer que exatamente a um século atrás a nossa compreensão religiosa estava além das trevas medievais. Mas não é bem assim quando se trata dos deuses negros. Até meados do século vinte a intolerância religiosa era clara e explícita por parte dos governantes, que mandava a polícia baixar o sarrafo no lombo dos seguidores dos orixás. Três anos atrás o prefeito de Salvador, evangélico militante e praticante, mandou derrubar os terreiros da cidade, e só não logrou êxito porque, quando caiu o primeiro terreiro, a sociedade civil organizada resolveu dar um basta nas pretensões arrogantes e preconceituosas do prefeito.  

No dia 8 de dezembro do ano passado, dia também dedicado a Iemanjá por alguns terreiros, o prefeito de Maceió, que nos últimos anos se diz representante de Deus, limitou as manifestações das afro-religiões na praia da Pajuçara, local onde os pais e mães de santo fazem oferendas à rainha do mar. Com a desculpa esfarrapada de não perturbar os moradores no outro lado da avenida, batuques e danças foram proibidos e a alagoanidade nagô só poderia circular na praia até as dezoito horas. Na semana seguinte a avenida foi liberada para trios elétricos, baterias de escola de samba e outras bandas desafinadas, varando a madrugada e que só acabou na quarta-feira de cinzas. 

Mas, o estranho de tudo, é que, além duma pequena manchete na televisão local, foi silêncio total, quase sepulcral. O atuante movimento negro, composto de líderes falantes e algumas vezes berrantes, ensaiou uns protestos isolados contra a intolerância explícita do prefeito. Nenhuma nota de repúdio nos jornais, nenhuma entrevista em rádio, nenhuma ameaça de processo por discriminação religiosa do alcaide. Os terreiros silenciaram ante a opressão oficial e os seus seguidores esvaíram-se nos seus guetos ante o poder de fogo do Deus branco, porque aqueles que tinham a voz para fazer barulho de trovoada, apenas choveram no molhado das conveniências, uma garoazinha que não faz marola, e tudo continuou como dantes no quartel de Abrantes, porque navegar é preciso, mas sobreviver politicamente é uma questão fundamental.

Saravá, meu pai!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Homenagem a Antonio Rezk no Memorial da Resistência - SP


Lançamento de livro e vídeo marcará o evento, no dia 3 de março.    

Será lançado no próximo dia 3 (sábado), a partir da 14 horas, no Memorial da Resistência (Largo General Osório, edifício do antigo Dops), o livro Ruptura – Onomia na civilização do trabalho, de Antonio Rezk.

Além do lançamento do livro, uma edição póstuma, seu autor, falecido em 2005, será homenageado por sua importante atuação política na luta de resistência  contra a ditadura militar. Participarão de um debate ex-colegas parlamentares que com ele atuaram na resistência democrática. Em seguida será exibido um vídeo sobre a trajetória de Rezk, que se destacou não apenas pelas atividades políticas e sociais, mas como pensador e autor de vários livros e fundador, juntamente com outros intelectuais, de importantes entidades de estudo e pesquisa, como o MHD – Movimento Humanismo e Democracia, e o Ipso – Instituto  de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos, do qual foi presidente. Foi também vice-presidente da UBE – União Brasileira de Escritores.

A trajetória de Rezk

Formado em Estudos Sociais, Antonio Rezk desenvolveu um intenso trabalho de organização comunitária no início dos anos 1970, fundando dezenas de associações de bairro em São Paulo, as quais reuniria, depois, em conselhos municipal e estadual. Foi eleito vereador para a Câmara Municipal de São Paulo em 1975, pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e depois, em 1978, deputado estadual por dois mandatos consecutivos. Com a redemocratização do país, participou ativamente da reorganização do PCB (Partido Comunista Brasileiro), cuja Comissão Executiva Nacional passaria a integrar. Ocupou, de 1987 a 1989, a presidência do Diretório Estadual do Partido em São Paulo.  
    
As grandes transformações que ocorreram no mundo, principalmente com o advento da globalização da economia e suas implicações no mundo do trabalho, levaram-no a se dedicar ao estudo e ao debate da questão, sobretudo o desemprego causado, entre outras razões, pela intensificação da aplicação da tecnologia na produção.

O sociólogo Levi Bucalem Ferrari registra, no prefácio do livro Ruptura: “Num primeiro momento (Rezk), pesquisa intensamente tudo que diz respeito a: o impacto da tecnologia no mundo do trabalho; o aumento da produtividade individual e consequentemente da mais-valia relativa; o desemprego estrutural; suas consequências sociais e individuais; a previsível crise da “civilização do trabalho”; e a resultante anomia provocada pela ausência de normas e valores mais consentâneos com as novas realidades”.

O deputado Adriano Diogo, um dos organizadores do evento, acrescenta na apresentação do livro, que seu fio condutor “é a história do trabalho no mundo e no Brasil”.

Mais informações:

Audálio Dantas/Vanira Kunc – comunicacao@audaliodantas.com.br
Tels. (11) 9628-7443 e 3865-2502

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Manolo Ramires - Big Ben Brasil


Outro dia recebi a visita de um inglês com aquela mania de pontualidade. Porque os ingleses são assim: gostam de tudo girando no horário deles. É o café da manhã, o almoço e o jantar, sem se esquecer do chá das cinco, passando pelo rigor do início e fim da reunião. É o jeitão que muita gente tenta imitar enquanto que os chineses levam a grana. Afinal, aos suíços, do relógio, a fama, e aos chineses, da produção, a réplica.

Comércio de bugigangas à parte, descobri com esse inglês que o brasileiro também gosta de pontualidade. Essa revelação surgiu durante um almoço de domingo. Quando perguntaram a hora, houve três respostas diferentes:

- Doze horas e trinta e cinco minutos exatos – disse um.
- No meu são doze e trinta e sete.
- Aqui tá marcando doze horas e trinta e nove minutos, mas eu sempre adianto cinco minutos do soninho. 

A diferença nos números levou à necessidade de checar qual o horário correto. O objetivo era não decepcionar o amigo britânico. Olhamos os relógios eletrônicos da cozinha - parede e fogão – que divergiam nos minutos. Em seguida, os aparelhos de TV e DVD. Estes apresentavam horários sincronizados, porém diferentes dos relógios das pessoas presentes. Por isso, para tentar acabar com a divergência, pois o almoço já estava atrasado, olhou-se no contador de horas do canal da BBC, tomando o cuidado para acertar o fuso horário. Big Ben. 

Tirada a dúvida, os relógios dos aparelhos eletrônicos da sala e da cozinha foram sincronizados, mas os dos pulsos e dos celulares seguiram com a sua cronometragem habitual, seguidas das devidas justificativas.

- Lembrei que o meu relógio está um minuto adiantado da folha de ponto digital da empresa. Como não posso alterar lá, vou deixar assim mesmo – argumento um.
- O meu também não vou mudar. Tá certinho, até nos segundos, com o motorista do ônibus. E ele nunca se adianta ou atrasa. Eu é que não vou correr esse risco – emendou dois.
- Pois eu vou corrigir o meu. Ao invés de cinco, vou deixar seis minutos adiantados e dormir um pouco mais – disse o terceiro, enquanto se espreguiçava.

Compreendi que o brasileiro está fadado a preocupar-se apenas com o seu próprio relógio, mesmo que isso acarrete na galera entrando na sala de cinema com o trailer já rolando ou com a família ainda procurando por um banco na igreja enquanto a segunda leitura está no meio. Enfim, quem entende bem dessa relação cultural é o meu amigo inglês, que é um belo de um brasileiro, sempre pontual em se atrasar meia hora.

- Cheguei um pouco atrasado, sir?
- Sim. Exatos trinta e um minutos. No meu relógio, é claro.
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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Notícias do front carnavalesco


Seu nome era Lourenço da Fonseca Barbosa, porém, dito assim, quase ninguém associa o nome ao homem. Trata-se de Capiba, personagem mais famoso de Surubim, em Pernambuco, conhecido nacionalmente como o Poeta do Frevo, o ritmo alucinante do carnaval pernambucano.

Contou-me a minha amiga Clara Suassuna, que privou da amizade do poeta e compositor pernambucano, que uma vez Capiba foi se apresentar na Europa. Uns amigos de Recife o incumbiram de trazer uma encomenda do velho continente, coisa pequena e leve. No retorno, entregaram-lhe a tal encomenda, um pacotinho do tamanho de uma caixa de chocolate. Quando desceu do navio, no porto de Recife, uma roda de amigos enlutados o aguardava. Um deles perguntou a Capiba:

– Trouxe a encomenda?
– Trouxe, mas na viagem deu muita formiga no doce e eu tive que jogar a caixa fora.
– Doce? Que doce?! Eram as cinzas do nosso avô que antes de morrer pediu pra ser cremado e depois a gente espalhar as cinzas no mar de Pernambuco!

Não sei se Capiba foi cremado quando morreu em 1977, sei que, com ele, foi enterrado o carnaval de Pernambuco que, tal qual o carnaval  de Salvador, hoje faz carnaval para inglês ver. Em Olinda, berço do frevo, o Harmonia do Samba com o bumbum do marido da Carla Perez fez muito sucesso. Em Recife, o bloco puxado pela Banda (Apo)Calypso, aquela que a moça se engasga quando canta, só perdeu em público para o Galo da Madrugada. Lulu Santos, que nunca cantou um frevo na vida, foi quem abriu o carnaval no Marco Zero.

Em Salvador o último dos moicanos foi enterrado: o irreverente bloco Mudança do Garcia. O ponto alto desse bloco eram os cartazes colados em carroças atacando os políticos incompetentes. Não proibiram os cartazes, mas proibiram o andar da carruagem. É a velha Bahia, nunca dantes tão dessemelhante e triste. Um prefeito incompetente e um governador bêbado. Como não se bastassem tantas invenções para se restringir o acesso do cidadão ao carnaval, privatizando a maior parte do espaço público, inventaram agora um tal de “Pop Corn Experience”, nome exótico para acachapar o cidadão: simplesmente isolam as calçadas, com corda, e cobra-se certa quantia para o folião ficar dentro. Como se não bastassem as cordas dos blocos; agora também se amarra o cidadão pagador de suas obrigações tributáveis na máquina da ganância de alguns privilegiados.

Em Maceió, que tem uns garotos fazendo barulho na Pajuçara, não se cobra nada, em compensação, nada se vê. É que no espaço reservado ao carnaval, se esqueceram de colocar iluminação. E no meio do breu, o locutor oficial, pago pelos contribuintes, agradeceu aos guardas da Secretaria Municipal de Trânsito pelo “livre arbítrio dos automóveis”.

Não estranhem que isso é coisa corriqueira nos meio de comunicação aqui e acolá. Um dos mais badalados jornais on line de Alagoas deu em letras garrafais: “Cabo atira em major e mata filho”. Já lá dentro, na notícia, diz que “o sargento foi preso em flagrante”. Como não há espaço para comentário, fiquei sem saber como foi que o cabo foi promovido a sargento depois dos tiros.