A Igreja diz: O corpo é uma culpa.
A Ciência diz: O corpo é uma máquina.
A Publicidade diz: O corpo é um negócio.
O corpo diz: Eu sou uma festa.
Eduardo Galeano
Durante as férias de janeiro agendei os exames periódicos que a medicina recomenda a todas as mulheres. Colposcopia, mamografia, ultrassonografia das mamas e da pélvis. Não é a experiência mais relaxante que vivemos e seria um ato simples e corriqueiro se, primeiro tivéssemos atendimento público e de qualidade garantido e, segundo, se a relação com nosso corpo fosse outra.
Cansei de ouvir histórias de mulheres que procuram ginecologista, não para a prevenção, mas para buscar a cura de alguma doença, o que na maioria das vezes já é tarde para se fazer qualquer coisa.
Enquanto entrava e saía de várias antessalas e salas, conheci uma simpática senhora de aparentemente 70 anos, entre copos e copos de água, aguardando a vez do ultrassom da pélvis. Ela tremia e se justificava com uma moça bem mais nova, sobrinha, como fiquei sabendo depois, que não havia conseguido fazer a coposcopia e não faria o ultrassom da pélvis, porque não conseguia sequer pensar que alguém pudesse ver e tocar em suas partes íntimas.
Percebi que a mocinha se impacientava, sem convencer a tia e me meti na conversa argumentando que ela poderia fazer os exames tranquila, visto que as médicas que nos atendiam ali eram profissionais experientes, competentes e éticas e estavam acostumadas a lidar com este tipo de situação, que aqueles exames salvava nossas vidas.
Nada. Nenhuma palavra da mocinha ou minha convenceram-na do contrário. “Não gosto de ser assim”, disse. “Fui criada desse jeito e morro de vergonha de me mostrar em qualquer situação, até numa dessas que eu sei não ter nada demais, eu não consigo”.
E lá se foi a senhora sem fazer exame algum. Fiquei pensando no que poderia reverter uma situação daquela e refletindo quantas de nós já não morreram e ainda vão morrer por adiar um exame de prevenção. Educação rigorosa, convicções religiosas e desinformação matam lentamente mulheres que carregam a culpa do “corpo em pecado”.
Noutra ponta, o culto desenfreado ao “corpo perfeito”, exposição sem sentido associada à busca da eterna juventude também tem escravizado e vitimizado muitas de nós. Dia desses me vi estupefata diante da notícia da mãe que presenteou a filha de sete anos com um “vale lipoaspiração”.
Fiquei pensando em tantas que não conhecem o próprio corpo, que evitam se tocar para não tirar disso algum prazer, que acham pecaminoso, constrangedor se despir diante de uma igual, mesmo que seja por razões de saúde e lamentei que nossa educação tivesse feito tão pouco por elas.
Nosso corpo merece cuidados e atenção, assim como nossa sensibilidade e consciência. Que o bom senso prevaleça. Espero e torço para que as novas gerações de mulheres tão expostas a tanta exploração do corpo, ao culto a eterna beleza juvenil, daqui a alguns anos não evite fazer os exames preventivos para não expor a flacidez dos seios, celulites e estrias, marcas da vida e do tempo para toda mulher.
2 comentários:
A escolha de um(a) médico(a) competente e ético é a melhor maneira para se sentir segura e confiante. Adorei o texto!
Pois é amiga, por mais que nos aproximemos da realidade, dificilmente conheceremos todas as formas de castração da mulher. É muito triste ainda encontrar mulheres colocando em risco sua própria vida em nome da vergonha de mostrar o corpo. Tomara que essa senhora tenha refletido sobre o que você falou e tenha retornado para fazer os exames. Abraço, Gorete
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