Decididamente, não me afino com as chamadas festas populares. São João, Natal, Révellion e Carnaval poderiam sair do calendário sem alterar minha rotina. Antes que me atirem pedras, uma explicação: não tenho nada contra festas grandes ou pequenas. Tenho tudo contra a alegria compulsória. A obrigação de parecer feliz para estar em sintonia com o rebanho é o que me desagrada. Em outro momento, já afirmei que pesco as minhas alegrias em águas rasas com anzol de linha curta. Não persigo a felicidade como escafandrista ou alpinista em busca de recorde; limito-me a fruí-la, em doses homeopáticas, quando ela decide visitar-me. Nada além.
Voltemos ao tema que deu origem a essa arenga. Recém-chegado a Teresina, eu não sabia da existência da palavra corso. Eis que, numa tarde de fevereiro, ouvi o som de uma marchinha tocada por uma charanga desafinada. À época, eu morava na Des. Freitas, mais conhecida como Rua da Estrela. Corri para a porta e deparei-me com o tal corso. Na verdade, meia dúzia de carros, algumas carroças, uma centena de pedestres sujos de talco, Maizena, farinha de trigo e coisas menos nobres. Nas calçadas, a plateia atirava papel picado, serpentinas e esguichava líquido das mais diversas procedências. A maioria dos foliões era constituída de homens fantasiados de mulher. Lá pelas tantas, despontou a grande estrela da festa: um cidadão negro, meio roliço, idade inescrutável, fantasiado de baiana. Como uma porta-bandeira, sem a companhia do mestre-sala, fazia evoluções, parava, sorria e mandava beijinhos para a plateia, que ia ao delírio. Era Bernardo Cruz, alfaiate por necessidade e folião por gosto e vocação.
Consta que, num certo carnaval, Bernardo Cruz não desfilou. Consternação geral: sem a figura da baiana rechonchuda, o corso era apenas um mela-mela. Dias depois, no famoso Restaurante Sapucainha, um médico brincalhão encontrou-se com o Bernardo Cruz. Não se conteve:
- Bernardo, você quase acabou com o carnaval de Teresina!
- Eu sei, mas eu também quase morri, doutor. Você não soube?
- Não. O que aconteceu?
- Fui atropelado por uma carroça. Passou por cima do meu pé!
- Peraí, Bernardo, isso é motivo suficiente pra matar alguém?
- Não, doutor, mas quando vi o estrago no pé resolvi me matar!
- Matar-se?!
- Doutor, você já viu vedete e cavalo de corrida fazerem sucesso mancando? É melhor uma morte honrosa...
Festas pobres para uma cidade pobrezinha. A cidade cresceu e tudo mudou: este ano, se bem entendi, o corso de Teresina entrou para o Guinness Book como o maior do mundo. Não sei exatamente o que isso representa para a cidade, mas pela repercussão, deve ser algo muito importante. Brava gente!
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