quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

CAMINHANDO SOB AS ESTRELAS


A Dulce e Célia; Armando e Nivaldo
Os dois casais de namorados se encontravam pontualmente às seis horas da noite na porta da igreja. Trocavam algumas palavras e seguiam passeando pela calçada em sentidos opostos e em passos ritmados, de modo que pudessem se encontrar na parte do fundo. Novamente outra parada para conversa a quatro e depois seguiam adiante, até novo encontro no ponto de partida.

As duas eram vizinhas de parede, amigas de infância e cúmplices na paixão aflorada. Recolhiam-se antes que o motor da luz silenciasse, mas continuavam a consumir querosene de candeeiro até os grilos cansarem de sua sinfonia. Seus pais, para a época, eram liberais, porém suas mães se esmeravam no zelo da honra e dos bons costumes: permitiam que elas namorassem além de seus olhos sob a condição de não ficarem paradas na calçada, em chamego de mulher perdida.

Os dois namorados se fizeram amigos nos encontros marcados ao longo da calçada. Um deles era forasteiro, vindo no volante da Petrobrás mudar o conceito econômico do lugar. O outro era nativo, lidava com afazeres agrícolas, e, apesar de passar a maior parte do seu tempo envolvido com a roça, possuía trejeitos citadinos e ares de sincera fidalguia.

Uma das moças era oriunda da roça, mas não deixava trespassar a timidez das mulheres da zona rural. No seu rol de amizades havia mais garotas da cidade e com elas aprendia a desenvoltura dos flertes. A outra moça era professora. No meio de tanta gente ignorante do saber ler, era tratada como um ser superior. Vestia-se elegantemente e nem mesmo para o trabalho abria mão de belos sapatos de salto alto. E eram eles, os sapatos, que marcavam a cadência dos passos na calçada. Às vezes, quando se detinha em delongas com o outro casal ou com outro ser passante e sua mãe não escutava o toc-toc harmônico do salto fino sobre o cimento, ela saía à porta e chamava a filha à responsabilidade. 

As caminhadas que esses casais deram em torno da igreja, se medidos milimetricamente, dariam a volta ao mundo e ainda sobrariam passos. Mas um dia a Petrobrás transferiu o seu motorista para outra cidade e o casamento teve que ser apressado. Depois de casados, se mudaram para muito longe e o outro casal também quis abreviar as caminhadas, trocando alianças aos pés do altar. Neste ínterim, a cidade ganhou luz elétrica vinda diretamente dos gigantescos geradores de Paulo Afonso, silenciando o velho motor a diesel do gerador. A sinfonia noturna do salto do sapato em passos cadenciados no compasso das quimeras, fora substituída pelo fade desarmônico da televisão e pelo diálogo encurtado de jovens apressados sem tempo de escutar o prelúdio das estrelas, visível e audível apenas para os corações apaixonados.




Um comentário:

Edna Lopes disse...

Lindo! Adorei a prosa!Beijo!!