Quando eu era menino lá no interior da Bahia, minha mãe me exibia orgulhosa para as amigas e falava triunfante:
– Escrevam aí: esse menino, quando crescer, vai ser padre! Um belo padre!
Mais não poderia dizer por que, tendo filho padre, teria comunicação direta com Deus. E estaria eu hoje de batina se no despontar de minha infância não tivesse caído no vício de encostar jega no barranco e descoberto maravilhado que o paraíso é aqui mesmo. Mas minha mãe não desistiu de seu intento e, quando nos mudamos para Alagoinhas, me obrigou a segurar no badalo do padre, como assistente de missa, ou coroinha, como é mais conhecido o garoto que toca o sininho e segura a bandeja na comunhão. A emenda saiu pior do que o soneto, pois angariei mais um vício no meu livro de pecados: o de encher a cara de vinho canônico no vacilo do padre. Descoberto, fui expulso do Clube São Domingos Sávio, o padroeiro dos coroinhas.
O tempo passou e finalmente minha mãe se convenceu de que pau que nasce torto morre torto. Escreveu ao Vaticano pedindo suas escusas ao papa e carinhosamente me expulsou de casa. Dentre suas crenças, uma dizia que todo herege está fadado a ser assado na fogueira santa e ela não queria se envolver com os tribunais eclesiásticos. Sem ter para onde ir, zanzei pelo Baixo Alecrim, a zona da cidade, e fui consolado por mulheres soturnas que bebiam feito esponja e fumavam como condenadas. Senti-me o próprio Salomão e suas quase duas mil mulheres até o dia que o comissariado de menor resolveu pedir minha identidade. Foi o supra-sumo da humilhação: expulsaram-me do pedaço e as mulheres que eu amava passaram a noite no xilindró.
Envergonhado, peguei um pau-de-arara e dei com os costados na Baía de Todos os Santos e por lá fiquei por longos anos a fio a consumir batida de limão e a admirar as belas mulheres da praia do Porto da Barra. Um dia a ressaca bateu forte e, quando dei por mim, era protagonista de um cerimonial de núpcias na igreja do Rio Vermelho. Nesse dia, tornei-me amigo do padre e voltei a freqüentar a sacristia, o que deixou a minha mãe esperançosa, mas depois ela descobriu que as minhas idas diárias à igreja eram apenas para entornar o vinho canônico. Dessa vez, acompanhado do padre, um biriteiro de marca maior. Mas ele não resistiu à sedução das noitadas e sucumbiu aos olhares lascivos de uma de suas beatas: sem pestanejar, largou a batina para se casar e abandonou os amigos da garrafa, vindo a se suicidar tempos depois, talvez, por solidão, conforme está relatado no conto “Carta de Apresentação”. Que bela ironia: enquanto padre, vivia na esbórnia; largou a batina e deixou subjugar-se pela mulher como se fosse boi de canga.
Assim fui consumindo os meus pecados, matando a minha mãe de tristeza, até que no ano passado me convidaram a escrever o prefácio de um livro de conteúdo religioso, com a devida aprovação do bispo da região. Desafio aceito, de repente me vi debruçado na Bíblia Sagrada à procura de fundamentos para a empreitada e acho que dei conta do recado. Dentre todos os textos do livro, o único leigo é o meu, apesar do ceticismo dos amigos e até ironia de alguns, principalmente dos meus irmãos e da minha inestimável consorte. Já a minha mãe, quando recebeu não-sei-quantos exemplares para distribuir nas igrejas de sua cidade, fez questão de levar o primeiro exemplar ao bispo e ainda desdenhou com o orgulho de mãe quando fala do filho pródigo às amigas:
– Tá vendo, Dom Raimundo, meu filho escreveu melhor do que os padres e vocês ficam dizendo que ele é um herege. E agora, como sustentar sua heresia se pode até ser canonizado pelo Papa?
O bispo baixou a cabeça sem dizer nada. Tempos depois me escreveu reticente e cerimonioso, como a escrever ao Papa. Queria a minha intervenção no Vaticano para sua promoção a cardeal.
Um comentário:
A diferença entre vc e o presidente do Paraguai(Lugo),é que ele seduzia as mocinhas de alguns vilarejos onde passava, e vc todas as jegas do Junco e ainda por cima pegava na badalo do padre .rsrsrrssrkkakakakkak.vc é o cara!abraços amigo Tom.
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