segunda-feira, 11 de maio de 2009

SEXO: SAGRADO OU PROFANO (final)


“Algumas mulheres do harém, quando apaixonadas entre elas, praticam nos respectivos “yones” (clitóris) os atos da boca, e alguns homens fazem o mesmo com as mulheres. A maneira de fazê-lo (isto é, beijar o “yone”) deve ser distinta do beijo na boca. Quando um homem e uma mulher se deitam em ordem inversa, ou seja, a cabeça de um lado dos pés do outro, e empenham-se nesse congresso, temos o congresso do corvo.”

À primeira vista, parece-nos uma narração banal de sexo entre as mulheres de algum harém ou que “o congresso do corvo” seja uma nova denominação para o sessenta e nove, o popular “meia-nove”. Ilusão de ótica. O texto acima é um versículo do Kama Sutra, ou o “Aforismo Sobre o Amor”, temática obrigatória no currículo dos cursos de Teologia hindu.

Apesar de a cunilíngua ser uma relação sexual condenada e proibida pelos brâmanes, por se tratar de prática dos eunucos e membros das castas inferiores, Vatsyayana, o compilador dos Kama Sutra, faz o seguinte comentário a respeito do sucesso do atual “meia-nove” entre as mulheres das castas superiores:

“Por tais práticas, as cortesãs abandonam homens possuidores de boas qualidades, liberais e inteligentes, e sentem-se atraídas por pessoas baixas, tais como, os servos e os tratadores de elefantes.”

Tal comentário passaria despercebido nessa época do pós-modernismo, em que pais ultramodernos oferecem suas camas para as filhas dormir com os namorados, se não fosse o responsável pela publicação um modesto estudante hindu de Religião e remontasse tal observação a quase dois mil anos atrás, época em que Mallinaga de Vatsyayana reuniu antigos textos, cujos autores os receberam diretamente dos deuses, e os condensou no livro “Os Kama Sutra”.

Na minha crônica anterior, discorri sobre o sexo no Velho Testamento: dos amores de Dalila que levaram Sansão ao esgotamento físico, das farras salomônicas de Salomão com a rainha de Sabá, e do estupro praticado por benjaministas contra uma jovem esposa de um levita, culminando em guerra sangrenta entre judeus. Há mais histórias de sexo bíblico de fazer corar qualquer sacristão, porém, hoje, vou me ater em outras religiões, onde, também, o sexo é tratado sem tabu nem preconceito, apenas como um segmento natural de perpetuação das espécies.

Assim conta a Lenda Hindu.

O deus mais popular do Hinduísmo é Krishna, a forma humana do deus Vishnu (chamado de “avatar”), que de vez em quando gostava de descer à Terra para fazer traquinagem. Tomando a forma de um pastor de ovelhas, espreitava as pastoras no banhar-se no rio, para cheirar suas peças íntimas. Galante e sedutor, as mulheres suspiravam por ele e à noite abandonavam o marido na cama e iam para a floresta, em busca das carícias de Krishna que, como um deus, se dividia em múltiplos avatares.

Apesar de ser um deus e de ter todas as mulheres aos seus pés, um dia Krishna se apaixonou por uma das suas amantes, de nome Rhadarani, abreviado “Rhada”, que abandonou o marido e foi viver um verdadeiro idílio amoroso com Krishna, na Floresta da Multidão. Quando eles se amavam, as estrelas dançavam, harpas tocavam, passarinhos cantavam e nasciam flores no lugar em que seus corpos rolavam. Metade da Índia ficou florida.

Mas até as paixões dos deuses um dia apagam o fogo e com o garanhão Krishna não poderia ser diferente. Em uma manhã de Primavera, cheia de flores por todos os lados, ele arrumou as malas e partiu sem olhar para trás. Casou-se com oito mulheres. Rhada voltou desconsolada para casa, para os braços do marido, que a aceitou de bom grado, porém ela sucumbiu à saudade das quatro mãos bobas do seu amante Krishna.
Morreu definhando das dores de amores, saudade letal do seu deus-amante.

Também aconteceu no Egito.

Osíris era um rei egípcio que governava com sapiência e justiça e por isso era muito querido pelo povo. Amava profundamente Isis, sua esposa, que a achava inteligente e sensual. Isis também amava Osíris com toda profundidade e sentimento que o coração de uma mulher pode amar um homem. Era um casal feliz.

Seth, irmão de Osíris, nutria uma inveja lúgubre pelo irmão e por isso planejou matá-lo. Mandou fazer uma arca com as medidas do irmão, ornada de ouro e pedras preciosas e numa festa em homenagem a Osíris, Seth pôs em prática o seu plano macabro: inventou que presentearia com a arca aquele cuja estatura coubesse na mesma. Os convidados aceitaram, testaram, porém a arca era muito maior do que eles. Quando Osíris fez o teste, Seth fechou a porta da arca, lacrou e a jogou no Rio Nilo. Depois espalhou a notícia de que Osíris havia desaparecido.

Ao saber do desaparecimento do seu esposo, Isis entrou em desespero. Rasgou as roupas e cobriu o rosto de lama. Depois, mais calma, vestiu luto e saiu à procura do seu amado pelo Egito, vindo a encontrar a arca muito tempo depois.

Em prantos, abriu a arca e se abraçou ao cadáver do marido. Arrastou- a até um pântano e a escondeu até encontrar uma maneira de ressuscitar Osíris. Seth descobriu o seu plano, ficou furioso, foi ao pântano e retalhou o irmão em quatorze pedaços, espalhando por todo o Egito. Isis, persistente, catou os pedaços, um a um, recompôs o corpo, fez uma magia, ressuscitou Osíris por um breve lampejo de tempo, o suficiente para fazerem amor pela última vez. Isis engravidou e teve um filho de Osíris, Hórus, vingador da morte do seu pai, anos depois.

Na África não poderia ser diferente.

Xangô era o “don juan” de Aruanda, o gostosão das tapiocas, mulherengo que só! Não podia ver uma orixá de bobeira que queria rosetar. Um dia passou na metalúrgica de Ogum, o ferreiro, e deu com os olhos na jovem Iansã, esposa de Ogum. Depois de umas insinuadas e piscadelas de olhos, Iansã caiu na lábia de Xangô e foi morar com o orixá da Justiça, depois de uma memorável batalha de espada com seu ex-marido, Ogum.

Iansã também não era flor que se cheirasse. Moderninha, já havia “ficado” com boa parte dos orixás, dos quais havia adquirido vários poderes. Feminista ao extremo, não admitia ordem de ninguém. Audaciosa, roubou as pedras mágicas dos raios de Xangô justamente quando ele entrava em casa. Pega de surpresa, enfiou-as entre as bochechas, porém foi traída pela emoção do reencontro: ao falar “meu amor”, saíram raios e trovões de sua boca, e isso deixou Xangô irado, colérico, e Iansã foi obrigada a fugir para não levar uns catiripapos.

Primeiro bateu à porta de Ogum, tentando uma reconciliação, porém este, magoado, não quis nem abrir a porta. Tentou Oxossi, seu primeiro amor, que também lhe negou guarida. Obaluaiê, comovido com a sua desdita, deu-lhe acolhida e um exército de mortos para lutar contra Xangô. Mas ela não queria guerra com seu amado; queria chamego. Sentia saudades das carícias sensuais do fazedor de trovões. Queria rosetar. Ou “xangozar”.

– Façamos amor, e não a guerra – propôs Xangô, saudoso dos cafunés eletrizantes de Iansã. Também não gostava de defuntos. Armistício em prática, armas ensarilhadas, exército de defuntos dispensado, se amaram como se amam os deuses de Aruanda, principalmente os dos raios e das tempestades: a terra tremeu em ventanias, raios, trovões, tempestades e inundações, por quarenta dias e quarenta noites e até hoje, quando os dois resolvem fazer amor, vemos nos noticiários que alguma parte da Terra foi tomada pelas enchentes.




3 comentários:

Mislene Lopes disse...

Nossa Tom! esse final ficou ótimo!lembrei da musica de Clara Nunes:Iansã cadê Ogum, foi pro mar
Iansã cadê Ogum, foi pro mar
Iansã penteia, os seus cabelos macios
Quando a luz da lua cheia clareia as águas do rio
Ogum sonhava com a filha de Nãnã
E pensava que as estrelas eram os olhos de Iansã
Iansã cadê Ogum, foi pro mar
Iansã cadê Ogum, foi pro mar
Na terra dos orixás, o amor se dividia
Entre um Deus que era de paz e outro Deus que combatia
Como a luta só termina quando existe um vencedor
Iansã virou rainha da coroa de Xangô!!!
Parabéns! A forma com que você aborda um assunto me deixa fascinada!!!
Beijos

CLAUDIA BAIBICH disse...

AMEEEIIII!!!!!!!

Muito irreverente, sem contudo perder a essencia.

Parabéns.

Axé!

Claudia

Anônimo disse...

Eu amei, é uma historia de amor muito linda, não tenho conhecimento sobre esse assunto mais achei facinante.
parabéns.