A efemeridade da moda é algo tão temeroso que, em alguns casos, se transforma em faca de dois gumes e o glamour sonhado pode se tornar um pesadelo.
Não me refiro ao visual básico, que vai do sapato ao vestuário, gerando modelos que vão além dos nossos suspiros. Estes apetrechos, quando se tornam demodês (até esta palavra caiu de moda), exercitam nosso espírito de solidariedade engrossando as doações nas campanhas de grandes catástrofes, pois, se existe algo que não sai da moda, é justamente nosso manifesto sentimento de piedade aos deserdados da sorte e carentes de justiça, principalmente a social.
Falo da moda irreversível ou onerosa para se retornar às origens ou até mesmo ficar na crista da onda, como remover a tatuagem ou trocar o piso da casa. A minha vizinha entrou na moda da ex-deputada Ester Grossi, aquela que tingia o cabelo de acordo com a cor da calcinha, e ficou tal qual uma metaleira desgarrada, servindo de risinhos jocosos por onde passava, e ainda lhe valeu o apelido de “Vovó Heave Metal Aloprada”.
Marta, a banhista, amava Misso, o surfista, que odiava a tatuagem que ela tinha na coxa. De tanto amar, e de tanto resmungar, ela capitulou: pegou um avião e foi a Salvador remover a tatuagem. Os dois se casaram e serão felizes para sempre até o dia em que ela se der conta da enorme cicatriz maculando suas belas coxas.
Nos anos 60 surgiu a moda do maracanã, aquele penteado que deixava a testa totalmente livre. Um dos meus irmãos embarcou na onda, gastou os tubos com brilhantina Glostora e, quando o cabelo fixou o penteado, a moda acabou e ele não conseguiu reverter a situação.
As telenovelas ditaram moda. Estilizaram o cotidiano e as grifes tornaram-se marcas poderosas e caras, fazendo surgir a pirataria moderna. As trilhas sonoras dominavam as “hits parades” e as músicas tornaram-se personalíssimas: os personagens se transformaram nos nomes da músicas, que passavam a ser “Tema de Chris”, “Tema de Simone”, “Tema de João Azulão” e assim por diante.
Tenho uma prima que nasceu no auge da novela Selva de Pedra e não é por um acaso que a mesma se chama Simone. Outros também tiveram seu antropônimo inspirados nos personagens fortes de Dias Gomes e Janete Clair, os então monstros sagrados das telenovelas. A indústria do jeans, dos calçados e fonográfica devem muito a esse casal que soube transformar o emocional das pessoas em febre de consumo.
Houve a moda dos carpetes. Finos, grossos, lanosos. Paraíso dos ácaros e a principal fonte de alergia. Com os carpetes, surgiu a moda dos nebulizadores e aspiradores de pó. Pisar em alguns com nossos pés impuros era um sacrilégio de tão limpos que eram. O remédio era tirar os sapatos à entrada da casa, à moda japonesa, o que podia causar sérios constrangimentos aos portadores de pé-de-atleta, o popular “chulé”. Ou mostrar u’a meia cheia de buracos.
Outra armadilha é dar nome fantasia a algum empreendimento comercial. Estilizar a marca baseado apenas em personagens ou nomes de novelas, é apostar na sorte, pois, na maioria das vezes, o sucesso só dura até o capítulo final. Depois disso, o prejuízo é iminente. O boteco “Cambalacho”, diariamente entregue às moscas, já teve seus dias de glória, assim como as discotecas “Dancing Days” que pululam em todo Brasil em ritmo frenético de decadência, já fez a juventude suar a camisa nas filas quilométricas de suas bilheterias.
Favela é coisa de carioca. Nos outros lugares há bairros pobres e bairros ricos. Há também os remediados. Mas, em qualquer situação, pobreza e riqueza se irmanam no mesmo modismo noveleiro. Norte e Sul unidos em torno da telinha. Para reforçar o que digo, o mais novo bairro da cidade de Maceió foi batizado no ano passado de Favela Portelinha. E Juvenal Antena é o que não falta por lá.
O povo é sábio, fala por Deus, e quando resolve batizar uma rua, um bairro ou uma cidade, com certeza a Natureza ou algum grande personagem da sua história será homenageado. Porém, quando um político interfere, a coisa complica e implica em abjeções toponímicas. A minha terra se chamava Junco, por abundar a planta “junco”, mas era moda se homenagear os políticos, e ela foi defenestrada de seu nome original para dar vez a um cidadão que nunca soube de sua existência. O povo, quando atinou para o prejuízo moral, nada mais pôde fazer, vez que outro município, usando da moda do ecologicamente correto, expurgou seu nome político, se apropriou da poética herbácea e mudou seu nome para JUNCO.
E as nossas leis funcionam tal qual a moda do jogo do bicho: “Vale o que está escrito”. Nesse caso, serviu como pule o Diário Oficial da Bahia.
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