sábado, 21 de agosto de 2010

Vozes da Cidade - Cineas Santos




Dia desses, um político de carteirinha, desses cevados nos gabinetes da República, me fez a seguinte pergunta: “Professor, por que o final da letra do Hino de Teresina é tão pra baixo?“. De imediato, lembrei-me de uma coluna criada pelo Millôr Fernandes, denominada “Ministério das perguntas cretinas”. Engatilhei uma resposta condizente, mas segurei o freio de mão. Respondi: Talvez tenhamos ideias diferentes do que seja “para baixo”. Vejamos a última estrofe do hino: “Teresina, eterno raio de sol,/ Manhãs de claro azul num céu de anil;/ És fruto do labor da gente simples,/ Humilde entre os humildes do Brasil”. Pensando bem, o político tem razão: para um arrivista capaz de vender a alma ao diabo para chegar ao poder, os adjetivos simples e humilde devem soar depreciativas. Não bastasse isso, convém lembrar que os hinos, com raras exceções, são marchas marciais que conclamam os cidadãos a morrerem pela pátria. Até mesmo os hinos dos clubes de futebol, além de cantarem glórias e conquistas, incitam os torcedores a morrerem e matarem “pelas cores do time”. E como matam e morrem...

No caso de Teresina, há um dado curioso: a cidade passou 145 anos sem ter um hino, fato incomum. Pode-se argumentar que, a despeito disso, a capital cresceu e prosperou, o que é verdade. Mas, por oportuno, vale ressaltar que o homem é um animal que constrói sua identidade com símbolos. Alguém é capaz de imaginar o Cristianismo sem a imagem da cruz? Um hino, por pior que seja, é um símbolo e, como tal, deve ser entendido. Não por acaso, a autoestima do teresinense anda quase sempre ao rés do chão.

Como entrei nessa história? Bem: em 1997, a prefeitura de Teresina instituiu um concurso público para a escolha do hino da cidade. O músico Erisvaldo Borges compôs uma melodia e, sabendo do meu amor à cidade, pediu-me que escrevesse a letra. Na hora, retruquei que, em matéria de hino, o único que conhecia era o do Flamengo que, ainda hoje, mais choro do que canto. Por insistência do músico, encarei a empreitada. Nossa canção acabou sendo a escolhida e tornou-se o Hino de Teresina.
Na hora de iniciar a composição, pensei: vou cantar o essencial. E o essencial, em qualquer lugar do mundo, é Povo, o mais é paisagem. O Hino de Teresina é uma louvação ao cidadão comum, humilde, generoso e trabalhador. O que mais poderia cantar? O sol, os rios e o verde que, infelizmente, vai minguando a cada dia. Nada além. Não me cabia inventar guerras, feitos heroicos, grandes conquistas. A cidade sempre foi pacata, ordeira e acolhedora.

Talvez o ilustre político tenha considerado “pra baixo” justamente a louvação do povo simples, humilde e trabalhador, que lhe paga o salário e lhe garante um gabinete junto ao poder onde trama, alinhava conchavos e brinca de ser poderoso.

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