quarta-feira, 20 de outubro de 2010

DE VOLTA AO BATENTE




Era muita falta de sacanagem, desinsorte infeliz, muita falta de azar! Primeiro, passou a manhã com as mãos dentro da água gelada tentando enrijecer os nervos. Êta dor atroz! À tarde haveria revisão da junta médica do INSS e ganharia mais uns seis meses de lambança. Na primeira vez o truque da água de gelo deu certo, por que agora não haveria de dar? De seis em seis meses no benefício acabaria se aposentando de vez, com salário integral. Aí era só correr pro abraço!

Segundo, no horário marcado ela estava lá, de prontidão, mãos disfarçadas numa luva térmica para manter a frieza. Nem banho tomara, para não desfazer seu intento. Os exames eram nas mãos e não ginecológico. Podia feder à vontade que os médicos não iriam sentir. Mas, e se de repente pintasse um clima com algum deles? E se houvesse algum tarado entre eles e a mandasse tirar a roupa? Deus do céu, quanta tentação! Estava numa secura de anos, será que resistiria? Sim. Primeiro a obrigação, a aposentadoria; depois a devoção, os prazeres da carne e do espírito! Lembrou-se de um casal de portugueses que queria levar um gambá para Portugal. Mas como embarcar bicho tão fedorento sem que fosse pego pela alfândega? Maria deu a ideia:

– Resolvido o problema, Joaquim! Escondo o gambá na minha calcinha!
– E o fedor?
– Ora pois! O gambá que se cuide!

Não era o seu caso, claro, mas teve a sensação de estar pior que gambá. O calor era terrível, agravado pela quebra do ar condicionado. A suadeira era geral. Colocaram um ventilador dos tempos do arco da velha e parecia querer sair do lugar. Mas ventilava forte. Vento? Não, por favor, não! Vai derreter o gelo!

Duas horas depois foi atendida e o chefe da equipe médica achou que ela não tinha mais nada. Sua tendinite havia sarado. Os outros médicos sequer olharam para ela. A decisão já estava tomada: teria que retornar ao trabalho, dois dias depois. Maldito calor!

De retorno a casa, decidiu passar no banco. Era melhor avisar ao chefe que estava de volta. Seus colegas, quando a viram adentrar pela porta principal, esconderam a carteira pensando que ela fora ao banco atrás de mais dinheiro emprestado. Era useira e vezeiro em aplicar a facada nos colegas e, pior, não pagava a ninguém. Era muita cara-de-pau retornar para pedir mais dinheiro emprestado.

Dois dias depois se sentia radiante voltar para o batente. Parecia até o primeiro emprego, de tanta felicidade que irradiava. Sentiria falta de alguns amigos virtuais, mas isso depois ela se acostumava. Sua função no banco era caixa da gerência, só atendia os mangangões da cidade, e tomara que voltasse no mesmo posto. Era gostoso lidar com gente endinheirada. Que imenso prazer sentiria ao pegar em uma nota de cem reais! Êta tartaruguinha difícil! Quanto tempo fazia que não pegava em uma nota de cem? Isso mesmo, dois anos!

Chegou ao banco exatamente às nove horas da manhã. Bateu o ponto, beijou os colegas e procurou a gerência para saber qual caixa estava reservado a ela.

– Caixa?! Dona Vera, depois de passar o calote em todos os seus colegas, a senhora acha que somos doidos de deixar a senhora tomando conta do dinheiro dos clientes?! A senhora já viu lobo tomar conta de galinha? A sua nova função aqui dentro é servir cafezinho à gerência, bem longe dos caixas. E trate de ir logo à cozinha fazer café que estou com vontade de tomar um!






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