Monteiro Lobato (1882- 1948) foi um brasileiro atípico, ou seja, alguém que, movido por incontido entusiasmo, acreditava no Brasil, apostava no Brasil e, consequentemente, sofria com e pelo Brasil. Evidentemente, não foi o único. Na galeria dos que padeceram dessa mesma “enfermidade”, figuram: Mauá, Delmiro Gouveia, Heitor Villa-Lobos e o nosso engenheiro Sampaio, para citar apenas os que me vêm à memória sem maior esforço. É escusado afirmar que o país, com sua vocação pachorrenta, convive mal com esse tipo de gente. Não por acaso, os netos de Macunaíma procriam e prosperam a olhos vistos.
Lobato sofria daquela “inquietação de espírito” de que falava o poeta Bandeira. Tinha a compulsão de fazer: pintava, escrevia, ilustrava, traduzia, editava, divulgava, procurava petróleo e ainda encontrava tempo para, nas páginas dos jornais, envolver-se em polêmicas notáveis em defesa de suas ideias. Tantas fez que acabou preso em 1940 ao denunciar o Escândalo do Petróleo no Brasil. Para os esbirros da ditadura Vargas, o autor de Urupês “conspirava contra os interesses do país”. Irreverente, o escritor tratou o episódio com fina ironia: “O tribunal de Segurança, achando que eu estava um tanto magro, houve por bem mandar-me internar num dos melhores hotéis de S. Paulo – o Detenção Hotel, na Av. Tiradentes”. Ao longo da vida, foi vítima de outras desinteligências: acusaram-no de ser agnóstico, comunista, e até de “deformador do caráter” das crianças brasileiras. Resistiu a tudo bravamente.
O que Lobato não poderia imaginar é que, 62 aos após sua morte, em plena normalidade democrática, um grupo de sábios que integram o Conselho Nacional de Educação (CNE) iria acusá-lo de um crime muito mais grave: racismo. Como se sabe, pela lei brasileira, trata-se de crime inafiançável e imprescritível. Os guardiões do “politicamente correto” encontraram no livro As Caçadas de Pedrinho (1933) nítidas manifestações de “racismo e perversidade” e recomendaram ao MEC a exclusão do livro da relação das obras a serem distribuídas nas escolas públicas brasileiras. Em defesa de Monteiro Lobato, levantaram-se muitas vozes, gente que aprendeu a gostar de ler na sua caudalosa e colorida obra destinada ao público infantil e infanto-juvenil.
Curiosamente, enquanto se acende uma polêmica inútil para questionar a obra do iniciador da literatura infantil em nosso país, uma jovem universitária paulistana, insatisfeita com o resultado das urnas, disparou no Twitter: “Nordestino não é gente. Faça um favor a São Paulo, mate um nordestino afogado”. Até onde se sabe, a cidadã não aprendeu isso na obra de Monteiro Lobato. Seguramente, nunca leu um livro dele. O que se vê, hoje, nas escolas brasileiras, com as exceções de praxe, é ignorância, intolerância e burrice. Consta que certa feita, Lima Barreto, que foi editado por Lobato, ao passar em frente a uma livraria onde beletristas discutiam o sexo dos anjos, ouviu o seguinte comentário: “Eis o Lima, bêbado como um gambá. A cachaça é a desgraça deste país”. Lima teria retrucado: “Não, meu camarada; é a burrice!”. Mais atual, impossível.
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