quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Cineas Santos - Reinações de um violeiro

De Pedro Costa e Luís Carlos



Seu Liberato era um sertanejo atípico: não caçava, não pescava, não maltratava animais e tinha pavor a queimadas. Tratava a terra como fêmea por sabê-la grávida de vidas. Era exato e preciso como a palavra não. Avesso a manifestações ruidosas, nunca o vi colérico ou eufórico. Sua vida era balizada pelas chuvas e suas aspirações não excediam os limites de sua gleba. Sabia ler os sinais da chuva na agitação das formigas, na floração dos mandacarus, na posição do ninho do João-bobo. Um homem que cabia em si, perfeitamente integrado ao seu chão. Não fazia versos, não tocava viola, não cantava chulas nem loas. Se bem me lembro, conhecia apenas uma cantiga: “O cabelo de meu bem tem areia/tem areia, tem areia, vou tirar/cabelo de meu bem tem areia/tem areia, só tiro se ela mandar”. Era temente a Deus, mas avesso cultos de qualquer natureza. Certa feita, quando o convidaram para uma quermesse, sentenciou: “Homem que segura pau de andor ou carrega viola não sustenta a família”.

Homem de rasas sabenças, seu Liberato não viveu o bastante para perceber o quanto estava enganado. Hoje, religião é o mais rentável dos negócios e os violeiros deixaram os terreiros e as latadas e conquistaram a ribalta. É certo que ainda existem os que gaguejam versos estropiados nas feiras dos sertões, mas os mais ladinos são tratados como estrelas. Entre nós, por exemplo, existe um certo Pedro Costa que, segundo o mestre Paulo Nunes, se não houver tropeços, chegará ao Vaticano. Natural de Alto Longá, Pedro descobriu, muito cedo, que puxar cobra para os pés no rabo de uma enxada não tinha futuro. Trocou a enxada pela viola e rumou pra capital. Dublê de cantador, poeta, ator e empresário, Pedro Costa criou a Fundação Nordestina do Cordel (FUNCOR), passou a editar a revista “De repente” e folhetos à mancheia. Autor de mais de 300 folhetos sobre temas diversos, professor de cordel nas escolas de Teresina, Pedro acaba de marcar mais um tento: construiu a sede da FUNCOR, no Parque Itararé, com sala para projeção de filmes, biblioteca aberta ao público e estúdio de gravação.

Enquanto alguns companheiros de ofício queixam-se, pedem ou esperam uma “ajudinha” do poder público, Pedro Costa, com a gana de um sem-terra, trabalha, avança, abre novos espaços e confirma a máxima dos empreendedores: “só se estabelece quem tem competência”. Tem razão o poeta medíocre quando canta: “Pedro Costa, com esse jeito/ de arigó e matuto/ é uma réplica do João Grilo/esperto, ladino, astuto/ só aposta pra ganhar/ conhece os paus que dão fruto”. 

Longa vida ao Pedro, um cidadão que, com talento e trabalho, honra e dignifica a cultura popular do Piauí.

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