A nuvem escolhida ficava numa curva da rampa do Maracanã, à esquerda da torcida do Flamengo, onde depois dos jogos a gente parava para fazer xixi e reencontrar os amigos desaparecidos no empurra-empurra das arquibancadas. Na mesa eu reconhecia, entre outros, Clara Nunes (primeiro as damas), Wilson Batista, Moreira da Silva, Zé Kéti, Roberto Ribeiro, Mauro Duarte, Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito, Batatinha, Paulinho Soares e Walter Alfaiate.
O garçom era um mulato sarará que dera expediente no Fla-Bar, em tempos idos. Comemoravam-se os setenta anos de João Nogueira, que chegou de camisa regata preta, entoando os versos de um samba que dizia “pode chover, pode o sol me queimar”, e perguntando “cadê Wilson, Geraldo e Noel?”. Não me digam que a rampa já não existe (o Maraca também não), pois no meu sonho a nuvem e os personagens eram reais, e vai ser difícil agora reunir as provas: a Warner não gravou, a Globo não vai passar, mas ouvi muito bem o breque do Morengueira:
– Eu já tinha declarado que você era o único capaz de me substituir, compadre. Mas resolvestes subir exatamente um dia antes de mim...
Foi aí que revi o João, vivendo o mais absoluto poder da criação, mais nó na madeira do que nunca, alpercatas de couro, perguntando por onde andará Maria Rita, assoviando para Clara em tom de Sabiá, com aquela mesma camisa, trinta anos antes, nas cadeiras especiais (tinha um menino ao seu lado, que não sei se já era o seu Diogo), em cima da cabine de onde se via e ouvia Waldir Amaral narrando a virada espetacular com passagem pelo Méier e pelos Encontros Cariocas, antes de chegar à Barra da Tijuca. É sonho, mas vejo como se fosse num espelho, com o pedido de licença antecipada ao Paulinho Pinheiro.
Voltemos à mesa na nuvem à esquerda do peito, Paulinho Soares lembrando que novembro era hora de se definir o tema do Clube do Samba – pois Ângela e Didu Nogueira lá embaixo estavam aflitos para botar o bloco na rua – e mostrando a primeira parte para o aniversariante arrematar:
Estamos aqui, nas nuvens
Comemorando os setentinha de um irmão...
Cê tenta, João! Cê tenta!
Mas lá embaixo ninguém te esquece, não!
Anjos me contam que o Nogueira fez a segunda, dizendo que queria morrer na noite, e que o samba ficou supimpa, falando que falou o que ainda não se explica. Mas essa não está no youtube.
E mais do que isso, João, eu também não sei explicar.
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