quinta-feira, 22 de março de 2012

Cineas Santos - Bons e maus exemplos

Certa feita, ouvi de um dos noveleiros mais famosos da Globo um comentário que nunca esqueci: “O papel da TV é propiciar aos telespectadores entretenimento e lazer; educação e cultura são problemas do governo”. Quem já se deu ao trabalho de consultar o artigo 221 da Constituição Brasileira sabe que não é exatamente isso o que preceitua a Carta Magna, mas quem é que liga? Não sei exatamente se por causa desse comentário ou por pura impaciência, nunca assisti a uma novela inteira. Nem mesmo a festejada “Pantanal”. Como não vi o final da trama, ainda hoje não sei se a Juma Marruá casou-se com o Cramunhão ou se foi comida, perdão, devorada por um javali. Mas isso já é outra história.

O certo é que, numa noite dessas, do meu escritório, ouvi uma voz feminina, bonita, recitando um poema da Adélia Prado. Viciado em poesia, não resisti à tentação de ver a cena. Na novela “Fina Estampa”, uma jovem professora de literatura lia um belo poema. Depois da leitura, fez dois ou três comentários pertinentes. Confesso que fiquei entusiasmado: foi a primeira vez que vi algo do gênero na TV.

Permitam-me um parêntese: nas novelas, em todas elas, as pessoas brigam o tempo inteiro, comem muito além do recomendável, transam como felinos no cio, mas ler, que é bom, ninguém ousa. Burrice dos noveleiros? Nada disso; trata-se de pura e simples miopia dos editores brasileiros, que ainda não se deram conta de que o livro é um produto como outro qualquer. Se você não o anuncia, não vende. A TV, até as pedras sabem, não passa de um imenso shopping eletrônico onde se vende tudo, principalmente “tendências” e ilusões.

Voltando à cena da aula de literatura, tudo não passou de uns dois minutos. Ainda assim, senti-me animado. Por não acompanhar a novela, não sei se a professorinha voltou a ler poesia. Na semana passada, do escritório, ouvi berros, ruídos de coisas quebradas, choro e imprecações. Fui até a TV dar uma espiada. O que vi me deixou literalmente desacorçoado: em cena, uma menina, de uns 15 anos de idade, fora flagrada pelo pai, dormindo com o namorado numa pousada à beira-mar. Possesso, o cidadão quebrou tudo. A garota esperta decidira perder a virgindade para “comemorar” o lançamento, na internet, de um clip de funk, gravado pelo parceirinho, no qual o pai, furioso, aparece pagando o maior mico. Curioso, resolvi ver o desdobramento do caso no próximo capítulo. Nenhuma surpresa: o pai da nova estrela, bem mais manso, cuidava de agendar os shows da filha que, num passe de mágico, tornara-se uma celebridade. Antes de retornar ao escritório, não pude deixar de perguntar a ninguém: qual das duas cenas a moçada vai tentar imitar: a da professora que lê Adélia Prado ou a da mocinha que, por caminhos transversos, chega ao estrelato? Por favor, não quero ouvir a resposta.

Um comentário:

Anônimo disse...

É! Já estava pensando na resposta! mas como o mestre não quer ver a resposta! ..kkkkkk