sábado, 14 de abril de 2012

Luís Pimentel - Garras

A senhoria tinha garras afiadas, sempre pintadas de um vermelho sangue, da mesma cor dos lábios que ela vivia mordendo e exibindo, fazendo beicinhos.

O que matava era o cheiro de vodca barata.

– Quero que você seja muito feliz aqui.

É possível ser feliz dentro de um quarto minúsculo no Catumbi? Engoli em seco:

– Não tenho do que me queixar.

Estava quase na hora em que o amante da senhoria costumava chegar. Era enorme. Dava dois de mim.

– Você tem uns olhos lindos – ela gemeu.

Ele empurrava a porta sempre a essa hora, com cara de poucos amigos. Às vezes dizia uns palavrões. Às vezes cobria a infeliz de pancada.

– Gosto muito desse seu sorrisinho safado – ela insistiu.

O amante era cabo ou soldado da polícia, encostado por
invalidez: perturbações mentais.

Tem hora que parece que Deus abandonou a gente.

– Não precisa ficar nervoso, seu bobo – a mão melosa em minha perna trêmula.

– Seu marido deve estar chegando a qualquer momento.
– Não é meu marido. E hoje ele chega mais tarde.

As garras no meu queixo, tentando me beijar à força. O cheiro e o gosto de vodca me deixavam tonto. A língua no meu pescoço, o joelho esfregando no meu colo.

– Essa coisa não fica dura?

Fechou as janelinhas do cubículo e arrancou as roupas às pressas. Muito feia, coitada. Me fechei, as mãos protegendo as partes ameaçadas. Fez pose de zangadinha:

– Não me quer?
– Não é bem isso.

A chave na porta, graças a Deus. O amante chegando do bar, se arrastando pesado. A infiel correndo para o seu quarto, catando roupas íntimas pelo chão. Tranquei a porta por dentro e respirei fundo. Só consegui ouvir o grito, cadela, e o som do que deve ter sido um soco. Ou um chute no armário.

Tomara que não tenha matado a pobrezinha.

Do livro “Um cometa cravado em tua coxa” (Editora Record, 2003)

Nenhum comentário: