Hoje é
domingo, do pede cachimbo, mas com tanta lei antifumo vigorando por aí, fui
obrigado a parar de fumar. Isso faz muito tempo, ainda quando se recitava essa
cantilena domingueira para as crianças e os maços de cigarro não estampavam
aquelas fotos horrorosas que têm hoje. Para mim, a pior delas é aquela
advertência de que "fumar causa impotência sexual". Terrível! Que
graça tem a vida aos olhos de um impotente? Ver a fruta e não poder sentir o
sabor deve ser a pior das torturas. E não pode nem dar a desculpa da raposa na fábula
da raposa e as uvas: “Estão verdes!”
Ainda bem que deixei de fumar a tempo.
Ainda bem que deixei de fumar a tempo.
O primeiro
morto que eu vi, não fumava, mas tinha algo a ver com a tal mensagem do
Ministério da Saúde nos maços de cigarro. A princípio era só um morto estirado
no caixão e os bochichos no velório. Menino, onde eu chegava os adultos
silenciavam. Depois de muito indagar, fiquei sabendo que o defunto exposto na
sala e que servia de burburinhos havia prometido se enforcar no dia que
broxasse. Pelo visto, cumprira a promessa.
Fico pensando
com meus botões no dia em que entrarmos num boteco, pedirmos uma cerveja, e
vermos no rótulo um fígado cirrótico. Ou entrarmos todo prosa num motel e encontrarmos
a cama forrada com lençol bordado de doenças venéreas e a advertência de que
transar sem camisinha faz mal à saúde.
Deus do Céu,
seu moço, me dá um maço de cigarro que causa câncer de pulmão!
Mas hoje é
domingo, e quando eu era criança lá no arraial do Junco, o povo recitava
parlenda para as crianças:
Hoje é
domingo do pede cachimbo
O cachimbo é
de ouro e dá no besouro
O besouro é
valente e dá no tenente
O tenente é
mofino e dá no menino
E o menino é
chorão e arrasta a bunda no chão!
Para variar,
sobrava para o menino. E eu, menino, não sabia o que era um tenente. Lá no
Junco, cidade esquecida por Deus e pelos governantes, só havia um velho
soldado, conhecido como “Quarenta”. Ganhou esse apelido por causa da sua mania
de chamar polenta de “quarenta”. No início ele não gostou, achou ser um
desrespeito à sua autoridade, mas quando viu que teria que prender toda a população,
resolveu se fazer de mouco. O tempo foi passando, ele se acostumando até o dia
que incorporou de vez o apelido ao nome e passou a se apresentar como “soldado
Quarenta”.
O soldado
Quarenta era o terceiro homem na hierarquia social do arraial do Junco. O
primeiro era o motorista do ônibus. O segundo, o cobrador do ônibus. Mas como
os dois primeiros só viviam viajando, o velho soldado era o bambambã da cidade.
Desfilava garbosamente com sua farda rota, exibindo uma velha pistola de dois
canos, chamada de “dois tiros e uma carreira”.
Um dia o rei
do cangaço resolveu tomar a cidade de assalto. Reuniu a cabroeira na entrada da
cidade para traçar um plano de invasão. Antes, porém, tinha que saber quantos soldados
havia à sua espera. Capturaram um morador desavisado que passava na estrada.
– Tem quantos
“macacos” na cidade? – perguntou Lampião, apertando a goela do junquês.
– Tem muitos
não, meu capitão! – respondeu num fio de voz – Só tem Quarenta!
Lampião
resolveu contar seus homens. Dezoito! Empurrou o “informante” para o lado,
pegou seu embornal, colocou a espingarda em bandoleira e ordenou:
– Vamos
embora que estamos em desvantagem numérica! Também, roubar pobre é pedir esmola
pra dois!
E assim,
quando o “informante” entrou na cidade contando o acontecido, só não foi
ovacionado porque estava borrado e mijado e o mal cheiro recendia a léguas. E o
soldado Quarenta foi enterrado como herói anônimo, anos depois, porque ninguém
se lembrava mais do seu nome de batismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário