Por me
faltar expressão mais apropriada, direi que o magistério é uma profissão
complicada. Mal pago, mal preparado, desmotivado, agredido, vilipendiado, o
professor carrega sobre os ombros a inteira responsabilidade pela educação dos
brasileiros. Não bastasse isso, é o único profissional a quem se pode consultar
a qualquer hora, em qualquer lugar, sem nem ao menos perguntar o valor da
consulta. Experimentem fazer isso com um psicanalista, por exemplo. Tem mais:
se, porventura, não se lembrar de um ex-aluno que um dia passou por suas mãos,
é um “ingrato” ou “está senil”. Ossos do ofício, dirão os mais antigos. Ainda
assim, não tenho motivos para queixas: devo tudo o que (não) tenho à profissão
que me escolheu.
Bem, no
último domingo, estava na igreja de São Benedito para assistir à magnífica Missa composta por mestre Aurélio,
quando fui abordado por uma cidadã que teria sido minha aluna no milênio
passado. O tempo, impiedoso e cruel, deixara nela suas marcas indeléveis. Da
beleza quase acintosa da juventude, guardava apenas uns olhos grandes, claros, tristes...
Aproximou-se, desenhou um sorriso no rosto vincado e disparou:
- Lembra-se
de mim?
Recorri a
uma resposta pronta, que guardo para perguntas desse tipo: Minha jovem, quem poderia esquecê-la? A moça alargou o sorriso,
aproximou-se um pouco mais e engatilhou outra pergunta:
- Professor,
o mundo atual não te assusta, não te escandaliza?
Não
encontrando uma resposta ensaiada, apelei para a erudição colhida num Almanaque
Capivarol: Impossível, minha irmã. Veja
bem: no final do século XIX, André Breton já se queixava da impossibilidade de
produzir um escândalo... A tática não funcionou. A cidadã balançou a cabeça
negativamente e insistiu:
- O que o
senhor acha da conduta de uma jovem que resolve leiloar a virgindade pela
internet? Dizem que os lances já chegam a mais de 200 mil dólares...
Juro que por
essa eu não esperava. Pensei que a moça falaria do mensalão, tema obrigatório em todas as conversas. Sem muita
convicção, afirmei: Se há demanda, sempre
haverá oferta. Além disso, há quem troque a alma por um fetiche...
Visivelmente desalentada, desabafou:
- O senhor
se lembra de como eu era bonita? – limitei-me a assentir com a cabeça – Sabe o que fiz com a minha virgindade?
Entreguei-a a um cretino, no interior de um fusca velho, na Avenida Maranhão,
bem próximo do Troca-Troca... Sabe o
que ganhei? Uma gravidez indesejada, um casamento que já nasceu falido e dois
filhos que nem sei por onde andam. Eu
lhe pergunto: é justo?
Recorri ao velho
clichê: Minha querida, a vida não é
justa; é apenas a vida. Por sorte, a Missa
de São Benedito começou e, de corpo e alma, entreguei-me à música, alheio
aos ruídos do mundo.
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