Amiga
Rosicreide, você é minha e o boi não lambe. Aliás, a seca aqui está tão de
morte que boi entrou para a lista de animais em extinção. Até o bumba-meu-boi
andou morrendo de sede, só não me pergunte como, porque isso é coisa de
política safada. Somente o senador continua com seus bois gordos e vistosos,
por obra e graça do Divino Espírito Congresso Nacional.
Cá
nas praieiras do Nordeste sinto saudades de nossos rastros desfeitos pelas
brumas marinhas nas caminhadas matinais. Sei que você anda muito atribulada com
seus afazeres profissionais, e que estava de viagem marcada ao Vaticano, em
visita de cortesia ao papa Bento XVI. Saiu no jornal daqui. E deu na televisão.
Agora entendo o porquê do Papa ter renunciado bruscamente e ter se escondido
não-sei-onde. Ele sabia que não iria resistir à tentação. Mas, com tantos
escândalos abalando as sacristias, um a mais ou um a menos não faria diferença.
Pelo menos lavava a honra da Igreja com esse negócio de pedofilia e viadagem.
Perdeu a oportunidade de entrar para a história como um papa macho, disse um
vizinho meu, ateu de marca maior, quando lhe relatei o provável motivo da
renúncia de Sua Santidade.
Estive
assuntando uma visita a você, e cheguei até a selar a jeguinha, mas a mulher implicou:
“Vai de avião, mané!” e eu disse: “Num vou!” Quem nasceu para voar foi
passarinho, aí ela me convenceu que a comida de avião era muito gostosa, tinha
uma bolacha cream-cracker maravilhosa, mas isso aí era se eu fosse pela Tam.
“Pela Gol”, disse-me, “só se for de primeira classe. Passagem promocional só
tem direito a copo de água de torneira”, concluiu. E quando eu estava de malas
prontas e fazia planos de voo, um repórter disse na televisão que em São Paulo
a polícia estava matando mais gente do que a volante dos tempos de Lampião, e
que os bandidos estavam matando mais gente do que os cangaceiros do bando de
Lampião, e outro repórter gritou admirado: “Duzentos por dia!” e apareceu o tal
do secretário de segurança despreocupado e falante: “E isso é motivo de
espanto?! Estatisticamente está dentro da normalidade.” E aí fiquei por cá
matutando debaixo da sombra do coqueiro: se aqui morre um ou outro e as
manchetes dizem que é o estado mais violento do mundo, por que duzentos está
dentro da normalidade?
Como
baiano burro nasce morto, sentei-me à beira da praia e um tubarão simpático e
sorridente, vendo o meu dilema do ir e não-ir, me chamou para dois dedos de
prosa dentro do mar. Olhei para ele e gritei: “Vou não!” e corri para casa e
fui pesquisar na internet. Estatisticamente falando, não há registro de nenhum
baiano engolido por tubarão e eu não seria o primeiro. Depois eu me lembrei de que na praia aqui em
frente não tem tubarão, então procurei um macumbeiro e ele desvendou o mistério
sem cobrar um centavo pela consulta: “Esse tubarão é presságio para você não
viajar”. E me deu uns passes mediúnicos à base de óleo de tubarão e pediu para
que eu deixasse as passagens aéreas com ele, pois necessitavam de uns trabalhos
de descarrego.
Assim,
enquanto perdurar essa violência estatisticamente dentro da normalidade, continuo
aqui com a minha jeguinha amarrada no mourão da tranquilidade praiana, soltando
baforadas do meu cachimbo virtual esperando que você faça o inverso da
arribação nordestina. Aqui as pessoas pacatas só morrem de morte natural ou por
overdose de cocaína. E, como disse acima, você é minha e o boi não lambe. Nem
mesmo o boi do senador.
Um comentário:
Linda!! Amei!!
Postar um comentário