O prof. Marcílio Farias, de saudosa memória, afirmava
publicamente: “O problema da escola não são os alunos; são os pais dos alunos”.
Não era simples desabafo: Marcílio tinha uma relação bastante amistosa e
cordial com a molecada do IDB; com
os pais, não. Na semana passada, presenciei uma cena que parece ter sido
concebida para dar razão ao educador. Na fila de um dos caixas de um
supermercado de Teresina, um casal muito jovem se fazia acompanhar de uma
menininha, de uns três anos de idade, linda como a claridade da hora. Enquanto
os dois passavam as compras, a menina afastou e, ao regressar, trazia uma
revistinha colorida. Iniciou-se o seguinte diálogo: “Pai, vou levar esta”. O
pai, sem se dignar a ver a revista, disparou: “Revista, não”. “Pai, por favor,
eu quero esta” - insistiu a garotinha. “ Eu já disse que não e não e não!”-
berrou o pai. A menina fez beicinho, ensaiou cara de choro. O pai propôs:
“Troque a revista por outra coisa”. Um
sorriso de vitória estampou-se no rosto da criança: “O quê, pai?”. “Algo gostoso”, afirmou o cidadão. “Pode ser Halls?”- indagou a menina. “Pode, sim,filha”.
A menina pegou um pacote de pastilhas, sabor morango, correu até o pai que lhe
estendeu a mão aberta para um tapinha cúmplice.
Esperei o casal afastar-se e fui conferir a publicação que a
menina queria levar para casa. Era a “Revista de atividades Barbie – desenhos e
brincadeiras”. Comprei a revista para conferir-lhe o conteúdo. Nada de extraordinário:
jogo dos sete erros; ajude o personagem tal a encontrar o caminho de casa e
muitos desenhos da bonequinha aliciante para serem coloridos. De “brinde”,
quatro tabletes de tinta (vermelho, verde, azul e amarelo) à base d’água e um
pincelzinho de plástico. Resolvi conferir também as pastilhas que a garotinha levou,
com a cumplicidade do pai: “bala dura, sabor artificial de morango e eucalipto,
colorida e aromatizada artificialmente”. Comparei os dois produtos e cheguei à
conclusão de que, ruim por ruim, a menininha ficou com o pior: açúcar e
aromatizantes artificiais. A revistinha serviria, pelo menos, para melhorar-lhe
a coordenação motora; as balas, na melhor das hipóteses, só lhe acarretarão
algumas cáries.
Foi aí que me ocorreu a lembrança de um texto de
Saint-Exupéry (Terra dos Homens, se
não me trai a memória) no qual ele relata a viagem que realizou num trem carregados de agricultores russos. Homens e mulheres
miseráveis, arruinados pelo trabalho extenuante e pelo consumo de álcool. De
repente, o piloto-escritor viu, no colo de uma camponesa rota, uma bela criança
que dormia sossegadamente. Contemplou-a e, comovido, perguntou-se: “Quanto
tempo será necessário para que este pequeno Mozart se transforme num simples
saco de batatas?”. Ao alinhavar esta crônica, não resisti à tentação de
perguntar: quanto tempo será necessário para transformar aquela menina linda numa
gorduchinha devoradora de açúcar? O tempo, senhor de tudo, terá a resposta.
Quanto a mim, tenho apenas a certeza de estar me metendo em assunto que não me
diz respeito.
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