terça-feira, 6 de agosto de 2013

Cineas Santos - A falta que ele nos faz



         Todos os anos, num ritual de há tempos, em meados de agosto, paro no cruzamento das ruas Coelho Rodrigues com 1º de Maio para contemplar, ou melhor, para reverenciar o Imperador da Chapada. Assim se inicia uma das muitas crônicas que dediquei ao mais belo ipê de Teresina. Este ano, tentarei passar o mais longe possível do local para que os passantes não me vejam chorando. Do imponente ipê sobrou  apenas um pedaço de caule, despido de majestade e  beleza. Na manhã do dia 25 de julho, justamente quando quem o plantou - prof. Carlos Pires Rabelo, de saudosa memória - estaria completando 90 anos de idade, metade da árvore desabou. Por precaução, a família do prof. Carlos decidiu cortar a outra metade, que ameaçava cair. Decididamente, Teresina ficou mais pobre.

         Sob a chuva de pétalas que o Imperador generosamente derramava sobre as cabeças dos passantes, presenciei algumas cenas curiosas. A última delas me deixou bastante preocupado. Um casal de meia idade, acompanhado de dois filhos, dirigia-se à Frei Serafim apressadamente. O homem seguia à frente, seguido pela mulher e por um garoto de uns dez anos. Um pouco mais atrás, uma garotinha de uns cinco anos, se muito. A menininha, ao passar sobre o tapete de flores amarelas, não se conteve: agachou-se, pegou um punhado de flores e correu em direção à mãe para ofertar-lhe as pepitas amarelas. A senhora, sem pestanejar, bateu nas mãos da criança, derrubando as flores. Não satisfeita, perguntou com rispidez: “Quantas vezes já te disse para não pegar porcaria no chão?”.  A menina, envergonhada, me olhou como se pedisse socorro. Limitei-me a acenar com a cabeça num gesto afirmativo. Ela ensaiou um sorriso e seguiu em frente. Comentei comigo mesmo: já não se fazem mães como antigamente.

         Outra vez, eu e o cinegrafista Ezequiel filmávamos a florada do imperador quando, das proximidades do 25º BC, despontou um cidadão de meia idade, camisa aberta ao peito, berrando como um desesperado. Protestava contra o governo, contra o exército, contra Deus. Apreensivo, pedi ao cinegrafista que se afastasse da calçada com receio de que o cidadão o agredisse. Ao passar por nós, o moço parou e, educadamente, declarou: “Professor Cineas, meus respeitos e meus cumprimentos”. Avançou uns dois passos e continuou sua catilinária contra tudo.

         No belo poema “Tempo de Ipê”, Carlos Drummond de  Andrade afirma: “Sou um homem dissolvido na natureza. / Estou florescendo em todos os ipês. / Estou bêbado de cores de ipê, / estou alcançando a mais alta copa do mais alto ipê do Corcovado”.  Como me faltam engenho e arte para cantar a beleza do Imperador destronado pelo tempo, recorro ao gauche de Itabira para afirmar: “Mas as coisas findas, / muito mais que linda, / essas ficarão”. Em mim, permanecerá sempre viva a esplendente beleza do Imperador da Chapada.
        
        

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