Todos
os anos, num ritual de há tempos, em meados de agosto, paro no cruzamento das
ruas Coelho Rodrigues com 1º de Maio para contemplar, ou melhor, para
reverenciar o Imperador da Chapada.
Assim se inicia uma das muitas crônicas que dediquei ao mais belo ipê de
Teresina. Este ano, tentarei passar o mais longe possível do local para que os
passantes não me vejam chorando. Do imponente ipê sobrou apenas um pedaço de caule, despido de majestade
e beleza. Na manhã do dia 25 de julho,
justamente quando quem o plantou - prof. Carlos Pires Rabelo, de saudosa
memória - estaria completando 90 anos de idade, metade da árvore desabou. Por
precaução, a família do prof. Carlos decidiu cortar a outra metade, que
ameaçava cair. Decididamente, Teresina ficou mais pobre.
Sob a chuva de pétalas que o Imperador generosamente derramava sobre
as cabeças dos passantes, presenciei algumas cenas curiosas. A última delas me
deixou bastante preocupado. Um casal de meia idade, acompanhado de dois filhos,
dirigia-se à Frei Serafim apressadamente. O homem seguia à frente, seguido pela
mulher e por um garoto de uns dez anos. Um pouco mais atrás, uma garotinha de
uns cinco anos, se muito. A menininha, ao passar sobre o tapete de flores
amarelas, não se conteve: agachou-se, pegou um punhado de flores e correu em
direção à mãe para ofertar-lhe as pepitas amarelas. A senhora, sem pestanejar,
bateu nas mãos da criança, derrubando as flores. Não satisfeita, perguntou com
rispidez: “Quantas vezes já te disse para não pegar porcaria no chão?”. A menina, envergonhada, me olhou como se
pedisse socorro. Limitei-me a acenar com a cabeça num gesto afirmativo. Ela ensaiou
um sorriso e seguiu em frente. Comentei comigo mesmo: já não se fazem mães como antigamente.
Outra
vez, eu e o cinegrafista Ezequiel filmávamos a florada do imperador quando, das proximidades do 25º BC, despontou um cidadão
de meia idade, camisa aberta ao peito, berrando como um desesperado. Protestava
contra o governo, contra o exército, contra Deus. Apreensivo, pedi ao
cinegrafista que se afastasse da calçada com receio de que o cidadão o agredisse.
Ao passar por nós, o moço parou e, educadamente, declarou: “Professor Cineas,
meus respeitos e meus cumprimentos”. Avançou uns dois passos e continuou sua
catilinária contra tudo.
No belo poema “Tempo de Ipê”, Carlos
Drummond de Andrade afirma: “Sou um
homem dissolvido na natureza. / Estou florescendo em todos os ipês. / Estou
bêbado de cores de ipê, / estou alcançando a mais alta copa do mais alto ipê do
Corcovado”. Como me faltam engenho e
arte para cantar a beleza do Imperador
destronado pelo tempo, recorro ao gauche de Itabira para afirmar: “Mas as
coisas findas, / muito mais que linda, / essas ficarão”. Em mim, permanecerá
sempre viva a esplendente beleza do Imperador
da Chapada.
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