Conto 2 – A Gênese
Muito bem antes
daquela fatídica manhã em que o estrelismo subiu à cabeça de Silveirinha e ele
acordou pensando que era Deus e que poderia sair voando por aí ele também
acordou em uma manhã de inverno pensando que era escritor. Sentou-se à beira da
cama, acendeu um cigarro e se pôs a divagar sobre sua nova descoberta. Anteviu
seu nome no Caderno Dois dos principais jornais do país e teve um breve relampejo
visionário de um bate-papo com os seus colegas acadêmicos da casa de Machado de
Assis.
Morava sozinho. Não
porque quisesse, mas por incapacidade ou timidez, talvez. Uma vez resolveu
investir em uma vizinha assanhada que ficava na portaria do prédio dando bola
pra gatos e cachorros. Levou dois dias escrevendo uma carta-poesia para a
sirigaita, deu cinquenta reais ao porteiro para se fazer de portador, e, quando
menos esperava, bateram à sua porta. Era o porteiro que trazia debaixo do braço
um espelho e uma resposta da pretendente. Despachou o portador e abriu o
bilhete na ânsia que domina os amantes nos instantes próximos ao encontro. À
medida que se envolvia na leitura, seu rosto se fechava em uma carranca de
desgosto; seu olhar perdeu o brilho e ele chorou feito criança perdida no meio
da multidão. Refeito, enxugou as lágrimas e pronunciou um impropério contra a
vizinha e atirou o espelho pela janela, sem se incomodar com a superstição dos
sete anos de azar para quem quebra espelho. Ou com a possibilidade de atingir
algum transeunte na calçada.
– Velho babão é a
puta que lhe pariu, sua vagabunda! – vociferou.
Depois desse episódio
nunca mais teve coragem de encarar uma mulher. Retraiu-se em uma timidez
crescente e passou a usar a mão grande como consolo. Assinou revistas de
mulheres peladas, comprou filmes pornográficos e se cadastrou em sites
proibidos para menores de dezoito anos. Finalmente descobrira uma nova
modalidade de fazer sexo sem risco de pegar Aids ou outra doença venérea qualquer.
Mesmo assim, por precaução, usava camisinha.
Levantou-se
da cama e olhou para o computador. Agora ele teria outra utilidade, uma função
nobre e, como prêmio pela nova tarefa, ganharia umas memórias a mais. Ligou a
máquina. A placa-mãe fez “bip” e ele sorriu enigmático. Ou triunfal. Puxou a
cadeira e abriu o editor de texto do seu micro. Aquela data era histórica e
merecia uma comemoração. Foi ao bar e preparou um drinque, esquecido de que
ainda não tinha forrado o estômago. Retornou ao teclado e exercitou os dedos
antes de dar asas à imaginação.
Ao cabo de duas horas
imprimiu o que chamou de seu primeiro
best-seller. Leu em voz alta e gostou do que ouviu. Entrou na internet em
busca de um site onde pudesse publicar seu texto. Não adiantava escrever e
ninguém poder ler.
Depois de muita
procura, encontrou um que achou legal. Fez o cadastro e enviou o texto, recebendo
a promessa dos moderadores do tal site de que no outro dia a sua crônica
estaria publicada. Retornou ao micro e passou a dedilhar causos e mais causos,
até esgotar o espaço no HD.
No dia seguinte, ao
abrir sua caixa de mensagens, havia umas linhas elogiosas de uma escritora
daquele site. Retornou a mensagem, agradecendo, e daí nasceu uma amizade que
seria duradoura se não fosse trágica.
A escritora tinha uns
contos picantes e Silveirinha, acostumado ao prazer solitário, se amarrou
neles. Imprimia-os e corria para o banheiro para se masturbar, imaginando-se o
personagem das estórias. Inicialmente fazia isso às escondidas; depois
escancarou para a escritora a sua dificuldade em ter mulher e de como estava
fazendo para se virar. A escritora sentiu a vaidade aflorar à pele e uma
pontada de orgulho picou seu coração e ela propôs que se tornassem amantes
virtuais e que ele se masturbasse ali mesmo, enquanto ela ficava nua, se
manipulando com o mouse e filmando com sua webcam. Silveirinha achou o máximo. Depois
de muito tempo ele iria ter um orgasmo na frente de uma mulher. A pedido dela,
aboliu a camisinha. Também não fazia sentido.
Durante dois anos
eles viveram assim, se amando no silêncio corrupto dos megabytes cibernéticos,
vistos apenas pelo olhar frio da câmera e do monitor de vídeo; ela lhe chamando
carinhosamente de Sil e ele retribuindo com o apelido de Formiguinha, até o
fatídico dia em que ele, por um acaso, descobriu que ela não lhe era fiel e que
mentia descaradamente quando afirmava que desligaria o computador tão logo
sentisse o último tremor do orgasmo contrair a sua vulva e seus pulmões
parassem de arquejar. Desesperado, pulou da janela do seu apartamento, no
vigésimo quinto andar, pensando que era Deus e que podia voar, levando
Formiguinha a pronunciar impropérios de revolta sobre o seu caixão virtual:
– Eu lhe dei chifres
e não asas, seu idiota!
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