A
Escola Brazilino Viegas talvez não fosse a escola dos sonhos futuristas de
muitos nos anos sessenta, mas foi a única que me permitiu sonhar sem medo de
ser feliz. Vindo do sertão, onde fome rimava com precisão, a humanização e o
acolhimento faziam parte do currículo dessa escola.
Disse-me
um dos meus irmãos, que também estudou lá, que a diretora à época se chamava
Perolina, porém não me lembro, pois não tínhamos contato com a parte
administrativa. Minto: eu era useiro e vezeiro dos puxões de orelha na pequena
sala da diretora. Todavia, me lembro das
professoras Dayse e Marilda, a primeira, minha professora, a segunda, do meu
irmão. Também me lembro das notas: o meu irmão tirava dez; eu, nove vírgula
nove.
“Dayse”
foi o primeiro nome estrangeiro que aprendi, depois dos filhos de Dona Deusinha
e Seu Totó, lá no Junco: Aimêe, Washington, Aidêe, e o último, Telmo de Totó. Este,
brasileiro “ajuncado”, mas eu já não morava mais lá.
A
professora Dayse era um anjo encarnado. Doce criatura. Nunca mandou um bilhete
para a minha mãe nos quatro anos em que fui seu aluno. Mas com a professora
Marilda a história era outra. A minha mãe se alfabetizou lendo os bilhetes da
professora. Faziam-me rasgados elogios, inesquecíveis para uma mãe zelosa como a minha: “Dona Durvalice, boa tarde. Seu
filho é um capeta em forma de gente...” e desfilava dezenas de elogios que
deixavam minha mãe emocionada, alegre ao extremo, feliz por poder exercitar o
seu poder. Em apenas um mês que ela, a professora Marilda, substituiu a
professora Dayse, a minha mãe fez calos na mão de tanto me bater. Sem falar das
vezes que eu me reunia com os moleques da Cavada e tomava a correspondência que o
meu irmão portava.
Os
bilhetes foram de menos. Na Semana da Pátria a professora Marilda me promoveu a
Duque de Caxias e fez questão de me recomendar: “Se gaguejar naquela famosa
frase ‘Quem for brasileiro, siga-me!’,
vai outro bilhete pra sua mãe”. E no dia da apresentação o nosso herói no
Paraguai foi rebaixado a guarda noturno: o quepe do vigia da rua foi a única
vestimenta a caráter que consegui para parecer um marechal do Imperador. O
comandante do 4º Batalhão de Polícia Militar, convidado de honra da diretora, olhava
para mim e sorria zombeteiro, mas a minha interpretação foi tão convincente que
ele, no final, aplaudiu de pé.
Lembro-me
dos olhos verdes da minha colega Iara, o boto vermelho das minhas paixões. O
meu coração acelerava quando ela me pedia um lápis emprestado ou para lhe
ensinar alguma coisa. Foi amor à primeira vista e durou até o dia que o colega
Belchior arranjou trabalho de cobrador da Kombi que fazia linha Santa Terezinha
– Centro, e a deixava viajar de graça. Então ela nunca mais me pediu para lhe dar
pesca ou outra coisa qualquer. Iara, santa desilusão amorosa! Foi a minha
primeira experiência com o capitalismo selvagem e então procurei um livro de
Karl Marx na biblioteca da escola. Sentia-me o proletário do amor sendo
massacrado pelo poder econômico. É certo que virei materialista de carteirinha,
mas sentia uma falta danada do sorriso de Iara.
Tornei-me
frequentador assíduo da biblioteca, que ficava no segundo andar. Era uma sala
encantada, cheia de histórias de príncipes e princesas, de monstros marinhos e
pavões misteriosos. Como não encontrei o livro de Marx – e não podia encontrar,
vivíamos sob a proteção da Ditadura Militar – fiquei fascinado por Andersen, os
Irmãos Grimm, e as fábulas de Esopo. E toda semana eu levava um livro para casa
e me imaginava um príncipe encantado salvando a princesa Iara das masmorras
sebentas e fedorentas onde ela vivia prisioneira.
E assim,
de conto em conto devorado, andei regurgitando as minhas fantasias em um mundo cuja
realidade não nos permite mais a simbiose dos sonhos e cismas ideológicas.
Meus
parabéns à Escola Brazilino Viegas que neste ano está completando seu octogésimo
aniversário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário