terça-feira, 13 de outubro de 2009

Anotações sobre o conto



Por Antonio Torres


Expressão de mitos humanos universais, suas origens remontam aos casos da cultura oral, envolvendo fatos verídicos ou lendários, reproduzidos com fantasia, pois, como todos nós sabemos, quem conta um conto acrescenta um ponto.

Os elementos básicos do seu conteúdo são a imaginação, a fabulação, a lenda e o anedótico. Pela brevidade da narração, o conto requer densidade, contenção de linguagem e sagacidade. Credita-se ao Egito a produção dos contos mais antigos do mundo, que foram reunidos numa antologia por Maspéro, no ano de 1889. Autores árabes produziram as histórias de As mil e uma noites, que atravessaram os tempos. Na Idade Média, e adentrando a Renascença, surgiu a linha da sátira e do realismo, de que são exemplos o Decameron de Boccaccio, os Contos de Canterbury, de Chaucer, seguidos pelos de La Fontaine. Os contos fantásticos apareceram na época do Romantismo francês, com Nodier, e alemão (irmãos Grimm e Hoffman). Em meados do século 19, o conto voltou ao realismo, com Daudet, Guy de Maupassant, Dickens, Mark Twain. Entre os mais memoráveis contistas do mundo ocidental estão Edgar Allan Poe, Alexandre Puchkin, Anton Tchecov, e o nosso Machado de Assis, unanimemente aclamado como o maior contista da língua portuguesa. É outro consenso também que o conto encontrou o seu modelo clássico em Poe, Maupassant, Machado de Assis e Tchekhov.

Um conto pode ter meia página ou quantas forem necessárias para o autor contar sua história.

As regras clássicas do conto pressupõem começo, meio e fim. No começo, o contista cria um quadro no qual o personagem está inserido. Seus primeiros movimentos vão revelar o seu conflito-básico.

No meio, será apresentada a sua reação a esse conflito e o que ele fará para solucioná-lo.

O fim é a resolução do conflito. Ou, como diria Júlio Cortazar, no fim o conto tem que vencer o leitor por nocaute. É dele também esta outra lição: “O conto tem que chegar ao fim como chega ao fim uma grande improvisação de jazz ou uma sinfonia de Mozart. Se não detiver na hora certa, vai tudo para os diabos”.

Em seu livro Itinerários do conto – interfaces críticas e teóricas da moderna short story o contista baiano Hélio Pólvora nos ensina que “o conto clássico, tal como estruturado pelos seus fundadores Gogol e Poe, e desenvolvido por Maupassant, tinha como principais elementos de composição: a) o plot, que é, de acordo com a poética de Aristóteles, o acontecimento central ou os fatos que conduzem a tal acontecimento, ou, melhor ainda, a consequência dos seus desdobramentos no destino da personagem maior e, quando existem, das personagens de apoio; b) o ponto de vista, que, com seus traços negativos e/ou positivos, é a soma das reações da personagem ao seu problema, vistas e julgadas também pelo leitor; c) o cenário, os diálogos, ou o monólogo, os prolongamentos da ação, os conflitos, a abertura e o final”.

Nesse seu livro, indispensável a quem se interessa pelos segredos do gênero, Hélio Pólvora esclarece: “O conto maupassantiano [...] caracteriza-se por um desfecho em geral inusitado, de efeito perdurável na sensibilidade do leitor”. O que não deixa de ser o clássico final epifânico, ou simplesmente surpreendente, a ponto de nos nocautear inapelavelmente, tal como queria Júlio Cortazar.

A partir do primeiro pós-guerra, ou seja, da década de 1920, o conto se tornaria uma forte expressão norte-americana, graças a autores como Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, William Faulkner, William Sorayan, Carson McCullers, Truman Capote e etc. Na América hispânica teria um trato singular nas boas mãos dos argentinos Jorge Luis Borges e Júlio Cortazar, do mexicano Juan Rulfo, do colombiano Gabriel Garcia Márquez e por aí vai. No Brasil, surgem tantos e tão poderosos contistas que quase que dá para encher uma lista telefônica. Citemos apenas alguns nomes básicos: Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Murilo Rubião, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, João Antônio, Ignácio de Loyola Brandão, Nélida Piñon, Wander Piroli, Roberto Drummond, Ivan Ângelo, Moacyr Scliar, Domingos Pellegrini Júnior, Sérgio Sant’Anna, Luiz Vilela, João Gilberto Noll, Caio Fernando Abreu... E há ainda os novos e novíssimos que dariam outra lista imensa. Os que ainda não estão nas vitrines, podem ser vistos nos blogs, que hoje se multiplicam mais do que no milagre dos peixes.


Indicação de leituras:

1. Itinerários do conto – interfaces críticas e teóricas da moderna short story, de Hélio Pólvora: Editus – Editora da Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus/Itabuna, Ba (www.uesc.br/ e-mail: editus@uesc.br), 2000.

2. Decálogo do perfeito contista, de Horácio Quiroga: LPM, Porto Alegre, 2009.

3. Os cem melhores contos brasileiros do século XX, antologia organizada por Italo Moriconi: Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2000.


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O RECOMEÇO

De comboio


Estacionou na margem da linha férrea, desligou o motor do carro, retirou a chave da ignição e desceu. Andou displicente até os trilhos, olhou para ambos os lados, colou o ouvido na barra de ferro e ouviu barulho de passos vindos por uma vereda entre o mato crescido ao longo dos dormentes. Levantou-se sem jeito, como se apanhado em flagrante traquinagem. Eram marisqueiros dirigindo-se à lagoa, duzentos metros adiante. Caminhavam apressados, cestos na cabeça.

– Bom dia, amigos! A que horas o trem passa por aqui?

– Bom dia! O próximo passa às dez horas, vindo de Maceió.

– Obrigado.

Dez horas. Conferiu o Rolex: os ponteiros acusavam nove e vinte. “Há tempo de sobra”, pensou. Retornou ao carro. Apanhou a agenda no porta-luvas e conferiu as anotações. Havia um lembrete em cada página e, grampeada a ela, certa quantia em dinheiro. Não podia se esquecer de nenhum detalhe. Suspirou fundo e devolveu a agenda ao seu lugar. Junto, colocou também o relógio e a carteira. Em seguida descalçou os sapatos e as meias, colocando-os no piso do carona. Desceu, pegou um graveto e esvaziou os pneus traseiros do carro. Travou as portas, sentou-se na capota do motor e aguardou.

Era uma manhã quente de Primavera e havia um estranho silêncio no ar, quebrado apenas por vozes ao longe, dos pescadores na lagoa. Maldisse-se por não ter estacionado à sombra de uma árvore. Calculava faltar ainda uns quinze minutos e, sob aquele sol abrasador, cada segundo parecia uma eternidade. A camisa estava encharcada de suor e a cabeça fervia ao léu. Será que o Tempo havia parado?

Lembrou-se do dia anterior e da discussão que tivera em casa. Era a primeira após dez anos de casado. Temia ser apenas o início de uma lengalenga irritante e despropositada. Tudo vai bem quando se está bem. Um passo errado na vida é o suficiente para fazer desmoronar os castelos dos sonhos. Fogem os amigos, os parentes somem e dissolve-se a família como bolha de sabão. De herói, passa-se a vilão.

A vida é um jogo e ele foi imprudente ao arriscar todas as fichas num único lance. Deu preto, 17. Perdera tudo, até mesmo a chance de reconstruir um novo império. Um recomeço, nas atuais circunstâncias, descortinava-se totalmente inviável em face do descrédito que ficara. E o principal entrave chamava-se “família”. Pelo visto, para ele não cabia a máxima “infeliz no jogo, sorte no amor”.

Recordou-se dos tempos em que era tratado com deferência pelos amigos e paparicado pela família, principalmente pelos parentes da mulher. Tardiamente constatou que o gostar é volátil e o afeto é efêmero. O vil metal é que é a mola propulsora dos chamados sentimentos nobres, a essência sedutora do amor, o agente aglutinante da instituição família. Tudo por dinheiro. Velhacos!


Sentiu uma doce e estranha saudade dos seus tempos de menino, livre do peso das responsabilidades e das constatações doridas. Parava naquele mesmo lugar, à espera do trem para pegar um bigú até o centro da cidade. Era perto, podia pagar a passagem, mas o gostoso era a aventura de enganar o picotador, um homem bruto e cruel. Ameaçava atirar fora do trem em velocidade aquele que se recusasse a pagar pelo transporte. Uma vez deu um vacilo, entrou num vagão cujos bilhetes ainda não tinham sidos picotados. Nesse dia ficara sem o sorvete extra.

Depois de tantos anos, será que ainda conseguiria pegar um bigú? Acertaria o vagão já conferido pelo picotador? E até onde iriam os trens de hoje? Não importava. Nas atuais circunstâncias, o que menos queria saber era em qual lugar iria parar. Quanto mais longe fosse o fim de linha, melhor seria. Planejara o seu recomeço de forma inédita e radical, sem lenço, sem documento, sem dinheiro no bolso ou parentes importantes.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo apito longo e rouco do trem. Parecia um angustioso lamento. Aproximava-se em velocidade acima da praticada em seus tempos de garoto, estremecendo o entorno da linha. Temeu não conseguir seu intento. Lembrou-se que, no antigamente, pegava bigú indo para o Centro, e os comboios passavam diminuindo a velocidade. Aquele fazia o sentido inverso, acelerando. Se não errara nos cálculos, a locomotiva puxava sete vagões.

Desceu do capô, flexionou o corpo em posição de corrida, e aguardou. Viu passar a locomotiva. O maquinista acenou com a cabeça e apitou em saudação. Adivinhara suas intenções? Passou o primeiro vagão rangendo suas rodas metálicas no ferro dos trilhos. Balançava como barco à deriva. Divisou o picotador discutindo com alguém no terceiro vagão. Estava de costa para os fundos, sinal de que começara pelo último. Os outros estavam livres. Recuou uns metros. Fez o sinal da cruz, respirou fundo e correu em direção ao quarto vagão, precipitando-se, de mergulho, entre as rodas limadas do quinto e demais comboios.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

OS PLAGIADORES NOSSOS DE CADA DIA


O leitor eventual ou contumaz dos sites literários que proliferam Internet afora, e que com eles não mantém nenhum vínculo ou cumplicidade literária, sequer imagina que, por trás da frieza translúcida do monitor de vídeo, existe um mundo à parte, cheio de intrigas, fofocas, vaidades, amor, traição, ódio, e que muitos casamentos podem ser feitos ou desfeitos na mesma velocidade em que o raciocínio acompanha as letras opacas dos textos. Amizades se constroem e amigos se destroem no mais leve toque de tecla nos chamados e-groups e sites literários, muito mais rápido do que no acionamento da tecla “delete”.

Para alguns desses escritores de sites e e-groups, a maior invenção do mundo foram os atalhos de teclado “control+c” e “control+v”. Copiar e colar. Copia-se de tudo. Cola-se tudo, sem o menor pudor e escrúpulo. Há até comentário copiado e colado em autores diversos sem que o colador sinta o menor constrangimento em ser flagrado em sua deslealdade ponderativa.

Que se esperar de um autor incapaz de rabiscar umas linhas em atenção a um texto e que usa comentário padrão na visita aos seus pares? Um escritor inapto na leitura, inapto no escrever um comentário, deve ser também incapaz de produzir seus próprios textos. Usa deliberadamente o “copiar-colar”, troca algumas palavras, inverte a posição de outras, assina embaixo e se diz dono da criação alheia.

Uma vez recebi um comunicado de um site que um determinado texto meu estava concorrendo a um prêmio. Fiz uma visita para conferir e constatei que o segundo colocado era um plágio grosseiro de um causo contado no livro “Alexandre e Outros Heróis”. Imediatamente denunciei o meliante aos responsáveis e descobri que eles também eram um bando de copiadores.

O plágio é um furto de propriedade intelectual devidamente qualificado no Código Civil. Uma imoralidade criminosa, embora muita gente famosa ande plagiando a torto e a direito. Pantaleão, personagem criado por Chico Anísio nos anos 70 para o programa Chico City, foi um plágio de “Alexandre e Outros Heróis”, do mestre Graciliano Ramos. Roberto Carlos foi condenado por plágio em dois processos. W. Bush, o filho, plagiou os grandes conquistadores.

Gêmeos não são cópia nem clone. Lula garante que não é cópia de FHC e nos últimos dias esperneia para provar que não é plágio de Fernandinho da Casa da Dinda, o ex-marido da Rosane; esta, um plágio defeituoso da boneca Barbie. O PFL, agora DEM, plagia o PT de antigamente que plagia o PSDB. Zé Dirceu tinha convicção de que era Mussolini.

Fernando Henrique Cardoso plagiou John Lennon na hora de passar a faixa presidencial:

- O sonho acabou! – sussurrou ao ouvido de Lula. Ninguém até hoje sabe se ele se referia à globalização do seu governo ou ao fim do encantamento utópico na era PT.

Já Enéas era um plágio mal feito de Monga, a mulher-macaco.

ACM era um plagiador insatisfeito. Um dia, acordou de mau humor e se achou o próprio Diabo. Depois de reinar por muitos anos segurando o tridente, descobriu que o Diabo não tinha esses poderes todos. Reuniu seus secretários de Estado, os puxa-sacos e cabos eleitorais, e anunciou em rede local de rádio, jornal e televisão:

- Agora sou Deus! – e a Rede Globo acreditou.

Maiakovski saiu do seu túmulo para plagiar um brasileiro, embora sequer tivesse escrito o tal plágio. Creditava-se a ele o poema “No caminho com Maiakovski”, do poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, que, por muitos anos, algumas estrofes foram o mote revolucionário da nossa Esquerda.

Certa vez a minha amiga Maria Helena Bandeira, cuja filha é militante dos movimentos de proteção aos animais, me enviou um texto querendo ajuda para descobrir o autor, pois sua filha queria usá-lo em seu blog. Por coincidência, era um texto de minha autoria, escrito para um site especializado na questão felina, e tinha como título “Porque não devemos atirar o pau no gato”. Apesar de, no site, estar devidamente identificado, o texto rolava mundo afora sem nenhuma autoria.

Como se vê (ou se lê), original mesmo só o Homem de Neanderthal.

Mas voltemos aos sites, onde a generosidade dos deuses da Literatura nos brinda com seus escritos sem cobrar cachê ou direitos autorais. Mas devo alertá-lo, caro leitor, que enquanto você está lendo este texto, centenas de outros estão sendo plagiados por pessoas inescrupulosas, parasitas intelectuais que se nutrem da criação alheia. É bem capaz de que, mesmo antes de você chegar ao parágrafo final, este texto já tenha sido plagiado por umas dez pessoas.

Conheço várias mentes profícuas que despejam toneladas de poesias diariamente nos sites e grupos literários que pululam neste vasto mundo virtual, como se não fizessem mais nada na vida a não ser comer, beber e respirar poesia. Ante a constatação de que os grandes poetas levavam anos para escrever um livro, começo a achar que havia alguma coisa errada com eles. João Cabral de Melo Neto levou aproximadamente três anos para escrever Morte e Vida Severina. Igual tempo gastou Nietzsche em “Assim Falou Zaratustra”.

Castro Alves, o Príncipe dos Poetas, em toda sua vida escreveu apenas um livro. Como ele, centenas de outros bons autores. Então, de onde vem toda essa proficiência intelectual dos nossos poetas das mil e uma obras diárias? Não sei. Se não copiam ou se copiam, acharam a pedra filosofal das Letras. Tudo que toca, vira literatura.

Ou então, nossos grandes escritores não eram tão grandes assim.


domingo, 4 de outubro de 2009

Eu quero te namorar!



Por Leila Barros



Eu quero te namorar!

Como adolescente, quero ficar, fazer rolo e sentir teu abraço e teu amasso.

Quero esperar teu telefonema à noite e rir, escutar tua risada e ter sonhos azuis.

Desejo desejar, sentir paixão e sentir calma, ficar confusa e me sentir uma pluma.

Quero namorar sem pressa, vendo filmes e comendo pipoca.

Anseio ser chamada de namorada, de amada e ver o contorno de seu sorriso quando fala marotamente assim.

Quero velejar nos sentimentos, andar no parque de diversões, comer algodão doce e te esperar descer da roda-gigante...

Quero namoro e amizade, quero tudo e maçã-do-amor na praça do interior.

Quero te namorar sem que eu mesma saiba e sem ausências e nem cercados.

Desejo a tua presença e também a tua ausência segura, como uma pétala invisível guardada no livro de poemas...

Quero comer milho cozido e cachorro quente no meio da rua e rir quando nos olharem como dois insanos.

Desejo tomar chuva e caminhar na areia morna, ver vários tipos de pôr-de-sol e ver a lua roída aparecendo de mansinho.

Quero ficar meio sóbria e meio serotonina, mas sempre com pelo menos um pé no chão, aquele pé de valsa.

Quero tuas poesias e os meus textos, quero as descobertas infinitas e rotineiras, quero a chama e o luar inteiro.

Ah! Como eu quero te namorar!




PIRATARIA DE PSEUDÔNIMO


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Passeando por alguns sítios de literatura dei de cara com uma inusitada pergunta de um cidadão: ele queria saber dos internautas se havia algum tipo de proibição para pirataria de pseudônimo. Colocava-se ele na condição de usurpado, pois aparecera outro autor assinando com igual onomatópose naquele site.
Existem as leis de direito de propriedade, a tal patente, e as leis de direito intelectual, ou direitos autorais. Em que lei se enquadra o pseudônimo? No Capítulo II, Art. 19, Dos Direitos à Personalidade, do nosso Código Civil, lógico. Sendo uma designação patronímica, personalista, toda e qualquer pessoa tem o direito irrenunciável de usar o nome que lhe bem convier, independente de quantos existam por aí, desde que não se fira o direito de alguém. Ressalve-se, porém, que isso não significa que devamos nos passar por outra pessoa em proveito próprio ou com fim de prejudicar o homônimo. Neste caso, o Código Civil explicita em seu Art. 12. “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”
Não confundamos, também, alônimos com “marca registrada”. Isso só vale para brecar a concorrência, espionagem ou fraude comercial ou industrial. A Mercedes Benz pode proibir qualquer marca comercial ou industrial com esse nome, mas não pode impedir ninguém de colocar esse nome em seu filho. Ninguém pode usar o nome “Pelé” com outro fim, a não ser o de designação pessoal. Nada me impede de usar um pseudônimo “Coca-cola”, apesar de ser uma das marcas registradas mais poderosas do planeta.
Xuxa é uma marca registrada. Ela descobriu que havia uma birosca no Rio de Janeiro que se chamava “Bar do Xuxa”. Entrou na justiça querendo indenização. O tiro saiu pela culatra: perdeu a causa e ainda teve que indenizar o cidadão, que se chamava Xuxa. Neste caso, por ser um estabelecimento comercial, valeu o princípio da anterioridade.
Não sei se por cisma, sofisma ou numerologia, quando nasci, a minha mãe sentenciou com a máxima sabedoria de mãe:
– Esse menino tem a cara de Tonho de Lisboa! Vai se chamar Tonho de Lisboa!
– Esse nome não, mamãe! - protestou meu irmão mais velho. Jornalista conceituado no sul maravilha, não ficava bem ser irmão de um Tonho de Lisboa.
– Vai se chamar Ronaldo. Ele tem um ar misterioso. Além disso homenageio um amigo meu, médico lá em São Paulo.
– Mas... e a promessa que fiz pra Santotonho de Lisboa?!
– Nesse caso, bote Ronaldo Antonio, pra não contrariar o santo. E chamemo-lo de Toninho.
A minha mãe aceitou os argumentos do seu primogênito. Disse que realmente eu tinha um ar enigmático. Altivamente dissimulado, como deveria ser um “Ronaldo”, que quer dizer, “o que governa com mistério”. E assim foi feito. Cresci com esse nome e com ele escreverão meu epitáfio. Mas, apesar de devidamente registrado no livro gigante do cartório de registro civil e assinado por Maricas Coxeba, a qual deu fé, não me sinto proprietário desse nome. Já me deparei com centenas deles por aí. Gente séria, gente honesta, gente esculhambada. Velhos proxenetas. Escritores até. Ainda não soube de ninguém reclamando da coincidência nominal. Ou que tenha se sentido prejudicado.
Nossas produções intelectuais são personalíssimas e cada um tente se identificar pelo fio da escrita, preocupando-se mais com o estilo e estética literária do que com nomes e pseudônimos. Sejamos homônimos paronímicos, com vertente para a paronomásia, onde nem tudo que parece, é. Ou, como diz o ditado: parecer não é ser. Afinal, mais vale o homem pela sua arte do que pelo nome que carrega. O Tempo, senhor e dono da razão, haverá de imortalizar a obra, e não o autor.