A enxurrada balançava o fusquinha feito ondas marinhas em canoas desprevenidas. Trânsito travado, corações paralisados. De repente um clarão no céu e em instantes um trovão ensurdecedor. Ela se jogou no pescoço do namorado em busca de proteção ou talvez para proteger com seu corpo frágil aquele que ela dizia ser a razão do seu viver.
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
terça-feira, 6 de agosto de 2013
Cineas Santos - A falta que ele nos faz
Todos
os anos, num ritual de há tempos, em meados de agosto, paro no cruzamento das
ruas Coelho Rodrigues com 1º de Maio para contemplar, ou melhor, para
reverenciar o Imperador da Chapada.
Assim se inicia uma das muitas crônicas que dediquei ao mais belo ipê de
Teresina. Este ano, tentarei passar o mais longe possível do local para que os
passantes não me vejam chorando. Do imponente ipê sobrou apenas um pedaço de caule, despido de majestade
e beleza. Na manhã do dia 25 de julho,
justamente quando quem o plantou - prof. Carlos Pires Rabelo, de saudosa
memória - estaria completando 90 anos de idade, metade da árvore desabou. Por
precaução, a família do prof. Carlos decidiu cortar a outra metade, que
ameaçava cair. Decididamente, Teresina ficou mais pobre.
Sob a chuva de pétalas que o Imperador generosamente derramava sobre
as cabeças dos passantes, presenciei algumas cenas curiosas. A última delas me
deixou bastante preocupado. Um casal de meia idade, acompanhado de dois filhos,
dirigia-se à Frei Serafim apressadamente. O homem seguia à frente, seguido pela
mulher e por um garoto de uns dez anos. Um pouco mais atrás, uma garotinha de
uns cinco anos, se muito. A menininha, ao passar sobre o tapete de flores
amarelas, não se conteve: agachou-se, pegou um punhado de flores e correu em
direção à mãe para ofertar-lhe as pepitas amarelas. A senhora, sem pestanejar,
bateu nas mãos da criança, derrubando as flores. Não satisfeita, perguntou com
rispidez: “Quantas vezes já te disse para não pegar porcaria no chão?”. A menina, envergonhada, me olhou como se
pedisse socorro. Limitei-me a acenar com a cabeça num gesto afirmativo. Ela ensaiou
um sorriso e seguiu em frente. Comentei comigo mesmo: já não se fazem mães como antigamente.
Outra
vez, eu e o cinegrafista Ezequiel filmávamos a florada do imperador quando, das proximidades do 25º BC, despontou um cidadão
de meia idade, camisa aberta ao peito, berrando como um desesperado. Protestava
contra o governo, contra o exército, contra Deus. Apreensivo, pedi ao
cinegrafista que se afastasse da calçada com receio de que o cidadão o agredisse.
Ao passar por nós, o moço parou e, educadamente, declarou: “Professor Cineas,
meus respeitos e meus cumprimentos”. Avançou uns dois passos e continuou sua
catilinária contra tudo.
No belo poema “Tempo de Ipê”, Carlos
Drummond de Andrade afirma: “Sou um
homem dissolvido na natureza. / Estou florescendo em todos os ipês. / Estou
bêbado de cores de ipê, / estou alcançando a mais alta copa do mais alto ipê do
Corcovado”. Como me faltam engenho e
arte para cantar a beleza do Imperador
destronado pelo tempo, recorro ao gauche de Itabira para afirmar: “Mas as
coisas findas, / muito mais que linda, / essas ficarão”. Em mim, permanecerá
sempre viva a esplendente beleza do Imperador
da Chapada.
terça-feira, 30 de julho de 2013
Short story de uma love story
Era para chegar às seis horas da noite, mas, segundo os funcionários da Empresa, a chuva contrariava a previsão. Não havia previsão. "Qualquer hora que chegar, será bem chegado", repetia ela nas infinitas viagens que fez do guichê ao desembarque; e vice-versa.
Às quatro horas da manhã ele chegou. Ela correu feliz e se pendurou no seu pescoço. Ele, sem entender as diversas formas de manifestação do Amor, perguntou:
- Tu me amas?
domingo, 28 de julho de 2013
AS MULHERES NO CANGAÇO E A CIDADE DAS QUATRO TORRES
A
vitória agrega, atrai aplausos e adeptos feito formiga no mel; a derrota afasta
e repele as pessoas em velocidade e poder de cargas atômicas iguais, sem a
mínima chance de atração nucléica.
Foi
o que aconteceu com Lampião e o seu bando na malfadada investida a Mossoró,
cidade no estado do Rio Grande do Norte, no ano de 1927. Podemos afirmar que
essa derrota foi o início da decadência do cangaceirismo a serviço do rei.
Moral baixa, sem munição, bandoleiros em debandada, outros mortos, a
vulnerabilidade do bando tornou-se evidente e os ex-aliados passaram a
denunciar seus esconderijos e Lampião passou a ser caçado feito raposa nas
florestas inglesas. Só havia uma saída: fugir. Em 1928 atravessou o rio São
Francisco e foi se refugiar e semear terror na região de Canudos, nas
vizinhanças de Paulo Afonso, Bahia, conhecida como Raso da Catarina.
Em
1930 Maria Bonita, então casada com o sapateiro José Miguel da Silva, conhecido
como Zé de Neném, no povoado de Santa Brígida, aproveitou a visita de Lampião à
sua casa para fugir do anonimato e entrar nas páginas da história do cangaço,
inaugurando uma nova era naquele bando até então composto só de homens.
No
cangaço as mulheres não lutavam. Nem havia como mostrar seus dotes culinários.
O fogo faz fumaça e a fumaça chama a atenção. Os cangaceiros queriam tudo,
menos revelar seu esconderijo. Elas eram apenas objetos sexuais, geralmente
faziam parte do butim e poucas eram as que ingressaram na vida bandida por
livre e espontânea vontade. Engravidavam, mas era impossível ser mãe. Por
acordo entre os homens, eles jamais cantavam a mulher alheia. E aquela que
pulasse a cerca era punida sumariamente com a pena de morte.
Volta
Seca, o cangaceiro compositor, entrou para o cangaço mal perdeu o cheiro de
mijo: onze anos apenas e cuidava dos cavalos. Dois anos depois entrou para o
bando armado, porém, hoje, ele é mais conhecido pela poética dos seus versos do
que pelas mortes que carregava na consciência. São de sua autoria, conhecida de
todos nós: “Se eu soubesse”, “Sabino e Lampião”, “Maria Bonita” e “Mulher
rendeira”, sendo esta última o canto de guerra do cangaço. Estas músicas foram
gravadas pelo próprio Volta Seca, em 1957.
Mas
voltemos ao ataque a Mossoró, que culminou na grande derrota de Lampião e na
queda gradativa do seu império.
O
ataque à “Cidade das Quatro Torres”, conforme ficou conhecido o episódio, foi
articulado ainda no Ceará, na casa do major Isaías Arruda. Outro chefe de
cangaceiros, conhecido como Massilon Leite, também incentivou o ataque,
justificando ser butim para a vida toda, onde todos ficariam ricos além de ser
um feito memorável.
No
trajeto para Mossoró, o bando deixou um rastro de destruição e terror,
saqueando, seqüestrando e pedindo resgate posteriormente. Destruíram os fios
telegráficos e incendiaram algumas fazendas. Perto de Mossoró, onde se tinha
uma visão panorâmica da cidade, Lampião, já capitão, estancou temeroso. Havia
quatro torres de igreja e bastariam apenas quatro bons atiradores entrincheirados
nelas para dar cabo do bando todo. Mas o olhar e os argumentos de cobiça do
bando foram maiores do que o bom-senso. Lampião acedeu. Antes de atacar, quis
confabular com o prefeito. Enviou um mensageiro, um tal de Formiga, morador das
redondezas que teve o azar de passar naquele lugar na hora errada.
Formiga
entrou correndo na cidade e procurou o prefeito. Tremia mais do que vara verde.
O jornalista Fernando Portela narra assim o acontecido entre o prefeito e o
mensageiro de Lampião:
"–
Seu prefeito, seu prefeito, ele disse que mi mata se eu num dé esse papé pro
sinhô doutô!
– Deixa de sê froxo, home! Num já tá intregue?
– Mas ele disse que se eu num vortá cum a
resposta ele mi mata!
– Então tá ruim.
O
prefeito lê o bilhete e dita a resposta a um alfabetizado local, o dr. Abel
Coelho:
– Escreve aí, Abé: eu tenho o dinheiro, mas ele
tem de vim buscá!”
PORTELA,
Fernando.“Encarte do LP As músicas do cangaço”. São Paulo: Estúdio Eldorado,
1984.
Lampião
foi. Antes não tivesse ido. Eram cerca de cento e quarenta homens entrincheirados,
contra cinqüenta no descampado. O capitão desistiu. Jararaca insistiu. Ele e
outro cangaceiro de nome Colchete. Invadiram a cidade atirando. Colchete morreu
na entrada. Jararaca foi capturado vivo, com uma bala no peito. Chegou a dar
entrevista para a imprensa. Uma semana depois foi enterrado... vivo. Não pediu
clemência, porém. Seus algozes, assim como ele, não conheciam esta
palavra.
UM CAPITÃO NO CANGAÇO
Aproveitando
o aniversário de morte do famigerado Lampião, hoje contarei, para quem não
sabe, como o rei do cangaço se tornou Cavaleiro de Sua Majestade, a Caatinga,
ou seja, de como ganhou patente de capitão do Exército e saiu por aí exibindo
suas divisas oficiais para uma população temerosa e incrédula com o novo poder
investido no chefe do cangaço, senhor Virgulino, de Águas Belas, Pernambuco.
–
Virgulino não! Capitão Virgulino Ferreira!
Nos
tempos em que as missas eram rezadas em Latim, Padre Cícero Romão Batista, o
Padim Ciço de Juazeiro do Norte, além das atividades eclesiásticas, exercia a
função de grande latifundiário e de maior líder político do Ceará e das
redondezas nordestinas, sendo raro o político de então que não fosse lá pedir a
sua bênção e o seu apoio político. Em tempos de comunicações precárias e de
vazio de Poder Central, os mais espertos se davam bem e tiravam o máximo
proveito da ignorância do povo e da fé totalitária que se tinha nos padres e na
Igreja. Padre Cícero, raposa velha, viu na Coluna Prestes uma ameaça ao seu
latifúndio e, consequentemente, ao seu reinado; se vitoriosos, os comunistas
passariam os padres no facão e distribuiriam os latifúndios com o povo. Era o
que se dizia, além de se falar que eles também comiam criancinhas. Só havia um
jeito de barrar a Coluna Vermelha: criar um exército paralelo, vez que o
oficial nada fazia para conter o avanço dos comunistas.
No
dia 4 de março de 1926 o padre Cícero convocou o funcionário federal do
Ministério da Agricultura, Pedro Albuquerque Uchoa, e ordenou que o mesmo
promovesse Lampião a capitão. Manda quem pode e obedece quem tem juízo e assim
ele colocou três cadarços azuis no ombro do emocionado cangaceiro; Sabino, lugar-tenente
de Lampião, ganhou dois cadarços: estava promovido, oficialmente, a tenente. Só
não cantaram o Hino Nacional porque, naquela época, (como hoje também) pouca
gente sabia a letra e o Hino Nacional não era tão nacional assim.
Lampião,
agora travestido de Capitão Virgulino Ferreira, saiu por aí exibindo
orgulhosamente suas divisas de oficial da Pátria Amada e saqueando cidades para
comemorar o feito. O funcionário do Ministério da Agricultura, Pedro
Albuquerque, foi chamado ao QG do Exército, em Recife, onde enfrentou um
general pra lá de furibundo:
–
Por que vossa mercê deu patente de capitão a um bandido?
–
Foi porque ele não me pediu de general. Se tivesse pedido, eu teria dado!
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Lançamento do livro Arraial do Junco: Crônica de sua existência
Há quem diga que nunca existiu.Que era conversa de tropeiro errante a caminho de um sonho.Mas eu fui lá, me debrucei sobre o caldeirão dos mitos, bebi da mistura genética, sorvi dos relatos que a memória ainda conservava, e me emocionei com a história que fiquei sabendo. Afinal, era a minha própria história. Mas, como sabemos que nenhuma história é definitiva, por enquanto, esta foi a que pude resgatar.
domingo, 21 de julho de 2013
Cineas Santos - a culpa é do cachimbo
Diz
o dito popular que o uso do cachimbo
entorta a boca. Falta-me autoridade para confirmar ou negar. De qualquer
forma, tomemos, metaforicamente, a palavra cachimbo como sinônimo de vício ou
vícios, para ser mais preciso, e tudo se esclarecerá.
As coisas estavam assim: lá fora, o mundo se contorcia em
convulsões de toda ordem, e nós aqui, deitados
em berço esplêndido. Empresários faturando aos tubos; empreiteiras
superfaturando construções, a toque de
caixa, de arenas esportivas enquanto os
políticos de todas as plumagens costuravam acordos espúrios. A molecada, por
seu turno, curtia o som das baladas e kakarejava
no face. Apesar do desempenho pífio na economia e da volta indesejada da inflação,
dona Dilma flanava em céu de brigadeiro com a popularidade nas nuvens... Mudar
o quê? Mudar para quê?
Mas estava tudo muito quieto, sinal de que alguma coisa poderia
acontecer. Quem tem filho pequeno sabe: quando criança fica muito calada, está
tramando alguma traquinagem. Não deu outra: bastou uma mão (des)atenta enfiar
um dedo na tomada para que uma descarga de altíssima voltagem eletrizasse
a juventude. De repente, não mais que de repente, com as caras pintadas de
todas as cores e tons imagináveis, e meninada saiu às ruas com um leque tão
amplo de reivindicações que seria impossível enumerá-las aqui. Do passe livre ao
rateio democrático dos prêmios da loteca
, tudo foi exigido. O pretexto para a deflagração das manifestações foi o
aumento de alguns centavos no preço das passagens de ônibus. Curiosamente,
foram as redes sociais, tidas como “o reduto dos alienados”, a principal arma
da moçada. Sem a necessidade de partidos políticos, da mídia tradicional, de
líderes, de organizações ou comando, numa rapidez inimaginável, a meninada pôs
o país de pernas para o ar. Segundo um cronista mais afobado, “os jovens estão
querendo refundar a República”. A primeira reação dos governantes foi de
incredulidade; a segunda, de espanto; a terceira, de assombro. Há quase vinte
anos não se via nada parecido nas ruas do Brasil. Uma revista semanal estampou
na capa: “O poder se mexeu” e acrescentou: ”Despertados pelo ruído das ruas,
governos, Congresso e até o judiciário se movem em um verdadeiro mutirão para
apresentar propostas, votar medidas e atender às demandas populares”. E o fecho
retumbante: “Uma nova ordem política começa a funcionar no Brasil”.
De forma atabalhoada, dona Dilma, depois de ouvir o seu
marqueteiro de plantão, propôs a única coisa que a molecada não reivindicou: um
plebiscito para aprovar uma “reforma política”. Os manifestantes, de muitas
maneiras, pediam apenas: respeito, dignidade e decência por parte dos políticos
brasileiros. Mal baixou a poeira, a grande imprensa nos informa que, enquanto
as ruas ardiam em chamas, representantes dos três poderes usavam jatinhos da
FAB ou dinheiro do erário para convescotes com parentes e aderentes ou
deslocamentos para o Maracanã.
Irmãos e irmãzinhas, não quero ser pessimista, mas vai ser preciso
muito mais para desentortar as bocas dos
políticos brasileiros. Bocas deformadas pelo uso reiterado dos cachimbos...
segunda-feira, 15 de julho de 2013
De como enganamos a Ditadura e fundamos um sindicato
O setor petroquímico da Bahia já nasceu fervendo em pleno reinado da ditadura. Em 1975, depois que os militares decidiram pela criação do polo petroquímico de Camaçari, o braço da opressão desceu fundo na Aspetro, uma associação criada pelos petroleiros em 1963 e que representava o braço químico-petroquímico da Petrobrás de Mataripe. De uma só penada a diretoria da Associação foi desfeita, seus diretores e familiares foram presos e torturados, inclusive filhos menores de idade, e posto em seu lugar homens fieis aos ditames ideológicos do governo militar. Assim, quando as empresas do polo de Camaçari começaram a contratar trabalhadores, foram esses pelegos que se diziam seus representantes.
Em 1978 o pessoal da área operacional retornou de seus estágios para a pré-operação das indústrias e então começou a se pensar na criação de um sindicato que verdadeiramente representasse a classe trabalhadora. Após dois anos de curso e estágio, os jovens operários da área técnica mantinham um forte sentimento de união e coleguismo. Mesmo porque, dentro da área de produção das empresas do porte das instaladas no polo de Camaçari, todo mundo tinha consciência de que a vida de um dependia da confiança que se tinha no outro.
Mas como desafiar a ditadura e fazer isso sem sofrer as retaliações dos escrotos? Matava-se, torturava-se em nome do Estado. Dois anos antes, quando eu servia o Exército, depois de um extenso treinamento de combate à guerrilha urbana, rastejando sobre um asfalto fervente, um colega não resistiu e desmaiou. Por azar, na queda, o fuzil quebrou a coronha. No outro dia já não o vimos mais. Dizia-se, amiúde, que havia sido torturado até a morte para confessar quem era “o contato cubano que o mandou destruir as armas do quartel”.
Este era o xis do problema. Sabíamos que dentro da Petrobrás havia uma divisão de espionagem instalada, chamada de “Divin”, sob a gerência do Exército. As empresas formigavam de arapongas, gente conversadora, ladina, envolvente. Para azar deles, a gente também havia recebido treinamento de contraespionagem no “glorioso” Exército Brasileiro. Confie, desconfiando, era o lema. Camaçari era considerada “área de segurança nacional” e todo cuidado era pouco. Qualquer vacilo terminaria em prisão. Ou morte.
Havia umas vinte empresas de porte grande e, por necessidade de ofício, os operadores das empresas se comunicavam entre si. E foi assim que começou a troca de ideias ao pé da cerca do conglomerado industrial. Por motivo de segurança, ninguém usava rádio ou telefone para tal fim.
Não me lembro de quem foi a ideia da primeira reunião para se criar o estatuto do sindicato, numa sala de um prédio comercial na Avenida Carlos Gomes, em Salvador, mas me lembro do colega que me chamou, da Pronor, cujo curso de operações fizemos juntos. Foi ele quem me pôs a par da estratégia de se chegar até o local da reunião sem que fôssemos surpreendidos pela polícia política.
A reunião aconteceu numa velha sala do terceiro andar, mas não podíamos chegar em grupos. Em frente do prédio era um ponto de ônibus e a gente tinha que parar nele, se comportar como se tivesse esperando um ônibus até que alguém fizesse um sinal discreto de que podia entrar. Assim, gradativamente, um a um adentrava o prédio. Uma vez dentro, subíamos pela escada até o primeiro andar e pegávamos o elevador; descíamos no quinto e pegávamos a escada até o terceiro andar. No terceiro andar, parávamos em frente ao elevador e aguardávamos uns minutos para vermos se não fomos seguido. E assim foi até que se fez o estatuto e se fundou o Síndiquímica.
Depois veio a pergunta crucial: como filiar sem que o filiado sofresse penalidade? Decidiu-se então pela filiação em massa, por debaixo dos panos, e as fichas só seriam mandadas às empresas quando não houvesse o risco de demissão, pois, em fase de pré-operação, elas não iriam sofrer baixa que pusesse em risco a segurança da planta. E, graças a essa iniciativa, o sindicato foi criado com milhares de filiados e a ditadura teve que engolir aquele que, em menos de cinco anos, se tornou o terceiro maior sindicato do Brasil, só perdendo mesmo para o dos petroleiros e o sindicato dos metalúrgicos, em São Paulo.
A diferença era que os filiados do sindicato dos petroleiros eram trabalhadores estatais, com estabilidade garantida em lei, e os do ABC paulista eram velhos marinheiros, macacos velhos, tarimbados na luta trabalhista do getulismo, enquanto nós, petroquímicos, éramos só uns garotos cheios de sonhos e que amavam os Beatles e os Rolling Stones.
Assim, como os garotos de Liverpool revolucionaram o mundo musical, os garotos de Camaçari revolucionaram a relação capital-trabalho da petroquímica mundial.
E, com muito orgulho, eu era um deles.
sexta-feira, 12 de julho de 2013
Maria Helena Bandeira - Rir do rei de Roma
As
caricaturas de Maomé se transformaram num rastilho de pólvora através do mundo.
Porque
o riso é a face mais subversiva da
humanidade. O único animal que ri é o
único que encara sua mortalidade. Faz sentido.
O homem inventou passado, futuro e descobriu a morte. Vendeu o paraíso
pelas lentilhas do conhecimento, Adão de terno e gravata, o rei nu de Roma, o
rato roeu sua roupa.
Em nome de deuses ele mata e morre, se leva tão a
sério, pobre poeira de estrelas perdido num estúpido dodecaedro entre mil
galáxias indiferentes. Somos o que mesmo? Muçulmanos, cristãos, budistas, nossa
religião é a intolerância. Só o riso nos salva, reduz tudo ao ridículo
necessário, nos livra da importância - é por aqui, ali ou sei lá onde, tem algum
lugar sempre melhor do que onde estamos.
O paraíso perdido?
Celebremos Dionísio, carpediemos porque amanhã não
existe, ontem foi ilusão e não somos o animal mais perfeito da criação.
O riso nos redime, o bobo da corte salva o rei, diz
a verdade escondida, olha de frente o dragão e ele é drag queen. A princesa tem
calos, pé chato e chulé. O rei é Momo, é Baco, viva a uva que Ivo nem viu
porque estava ocupado ouvindo a vovó. Como nossos pais.
Viva o jogral, o andarilho, o que não tem
compromisso com verdades, o alegre destruidor de mitos, o iconoclasta. O que
nunca matará por uma ilusão.
Abaixo as damas, os reis, os valetes e os paus.
Abaixo as copas (exceto de árvores) os ouros e as espadas.
E viva o coringa que não tem morada fixa, castelo
ou religião.
Na mesma máscara negra, hoje é carnaval.
terça-feira, 9 de julho de 2013
O Protesto
Um político perguntou a um povo que voltava da rua:
- O que vocês estavam fazendo na rua?
- Protestando, ora!
- E já protestaram?
- Já.
- E agora?
- Agora a gente vai pra casa se ver na TV Globo.
- O que vocês estavam fazendo na rua?
- Protestando, ora!
- E já protestaram?
- Já.
- E agora?
- Agora a gente vai pra casa se ver na TV Globo.
domingo, 7 de julho de 2013
Anos de Chumbo: Brasil - 1964 a 1985 - Vídeoclip-documentário
Somente quem viveu é que conhece o sabor amargo do chumbo. Hoje, convive-se com planejamentos de golpes abertamente, na internet ou outros meios eletrônicos de comunicação. Para quem não sabe ou finge que se esqueceu, naqueles anos de chumbo até para se ser rádio-amador tinha que ser amigo de general ou de político importante.
Este vídeo é um clip-documentário produzido para o professor Gerson Guimarães para ser usado em sala de aula. As imagens usadas são registros da realidade da época, sem retoques, montagens ou edições que comprometam a veracidade dos documentos.
Casamento da Rosinha 2013
Há 34 anos que o povo sobe e desce nessa procissão de fé etílica que acontece todo dia 24 de junho. Romaria só comparada à de Padre Cícero Romão Batista. Abaixo, uma amostra do que foi este ano.
Cineas Santos - Para preservar o azul
No Brasil,quando se quer dizer que as coisas andam bem,
diz-se simplesmente: “tudo azul”. Para mim, mais que uma cor, o azul é a cor; os mais são nuances. Como se sabe,
visto de longe, tudo é efetivamente azul. Yuri Gagarin confirmou essa verdade ao
contemplar a Terra do espaço, em 1961. Segundo o pintor Antônio Amaral, essa
minha fixação no azul se deve ao fato de, durante algum tempo, ter vivido no
sertão do Caracol onde só havia o cinza
do chão e o azul do céu. A tese não é destituída de fundamento. Mas vamos ao
que interessa.
A escritora Suzana Vargas tinha conferência agendada em
Caxias (MA) no dia primeiro do mês em curso. Os organizadores do evento,por
razões que desconheço, compraram a passagem
na Azul, companhia aérea
relativamente nova no Brasil. Para não maçar meus três leitores além da conta,
vou resumir tudo numa única expressão: uma via-crúcis, para dizer o mínimo.
Suzana deveria ter vindo na sexta, a passagem foi remarcada para o sábado e,
depois de um dia inteiro no aeroporto, chegou a Teresina no domingo às 17
horas. Até aí, apenas “um transtorno normal” num país que não tem maior apreço
pelo consumidor. O pior ainda estava por vir, ou melhor, por acontecer: a mala
da escritora não saiu do Rio de Janeiro. Suzana chegou; a bagagem, não. Imagine o constrangimento de chegar a uma
cidade estranha sem em lenço de cabeça. Na mesma situação da conferencista,
duas humildes cidadãs de Capitão de Campos. Uma delas, não cansava de repetir:
“Meu Deus, minha blusa nova que comprei ontem e o meu perfume que nunca
usei...” Pode-se argumentar que, no Brasil, extravio de bagagens não chega a
ser algo insólito ou inusual,como diria o poeta Salgado Maranhão.
Inusual, pelo menos para o meu gosto, foi a forma como um funcionário
da empresa, rapaz implume, mas com a arrogância de um sultão, tratou as três
cidadãs. Lá pelas tantas, levantou a voz e disse: “Extravio ou perda de
bagagens é a coisa mais comum em todas as empresas aéreas do Brasil”. Aí, não
me contive: Se é assim, meu caro mancebo,
o passageiro deveria ser informado, antes de comprar a passagem, de que a
empresa que o transporta não se responsabiliza pela bagagem de ninguém. O
moço levantou a voz. Tive de enquadrá-lo com um punhado de “gentilezas”.
Suzana e as duas cidadãs preencheram fichas quilométricas,
descreveram as características e os conteúdos das malas, deixaram telefones e
endereços para serem avisadas caso as
bagagens resolvessem aparecer. Pediram também o meu telefone. Por volta
do meio-dia da segunda-feira, Suzana foi ao aeroporto de Teresina e a mala já
estava lá. Ninguém teve a delicadeza de nos avisar.
Por essas e outras viajo pouco, muito pouco. Na Azul, nem com a passagem de graça. Não
quero passar a odiar o azul por causa de uma empresa que desrespeita os
direitos elementares de quem a mantém no ar.
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Jesus de Enoc se chamava Enoc Jesus
Jesus de Enoc, que só no seu último suspiro fiquei sabendo que era Enoc Jesus, só perdia para o meu primo Arizio Cabaú nas arrelias, porque, nas demais estripulias, era como a seleção brasileira de ontem: show de bola. Impecável em tudo que um menino dito “moleque de rua” tem que ser.
Para a minha sorte, não estudamos na mesma sala. Aliás, nem me lembro de qual sala ele era. O seu pai, o velho Enoc, vestido da importância de ser pai de uma professora e de possuir o único rádio de pilha do lugar, passava a mão na cabeça das traquinagens do filho. “Se ele era o capeta que diziam, como era que ajudava o padre nas missas, hein?”, perguntava ao reclamante.
Jesus se fez coroinha, não por vocação religiosa, mas para ganhar uns trocados e ter livre acesso ao vinho do padre, que a gente detonava escondido. Era o quinteto: ele, meus primos Paulo e Arizio, meu irmão Décio e eu. Uma vez, não tendo o que fazer, entrou no confessionário e nos botou em fila de confissão. As beatas, sem saber que era só molecagem, também entraram na fila e Jesus ficou sabendo dos mais recônditos segredos das mocinhas do lugar. E só nos contou por que o ameaçamos dizer tudo ao padre. Mas como eram segredos de confissão, não pudemos tirar proveito sem nos denunciarmos e levarmos uma surra exemplar.
Como coroinha, ele sabia o endereço das festas de batizado ou casamento, e depois da cerimônia a gente seguia o cortejo até a comilança, regada a refresco de mangaba ou refrigerante quente, que o povo chamava de “gasosa”. Uma vez ele fez uma intriga tão da gota serena entre mim e Paulo que fomos às vias de fato no meio da rua. Separados pelo meu tio Adauto, o pai de Paulo, depois de ouvirmos um sermão sem fim, ficamos sabendo que Jesus havia vendido a nossa briga para os outros moleques de rua.
Assim era o Jesus, não o nosso salvador, mas o nosso mentor em se quebrar regras e o maior responsável pelas inesquecíveis surras que levei de minha mãe. Isso durou enquanto fomos moleques de rua pelo velho Junco, correndo livre, leve e solto até que a distância nos separou. E agora, separa-nos a eternidade.
Boa viagem, companheiro! Espero que aí no Céu tenha acampamento da Petrobrás para a gente ir buscar rolimã para fazermos patinete e deitarmos e rolarmos pelas nuvens cósmicas.
Para a minha sorte, não estudamos na mesma sala. Aliás, nem me lembro de qual sala ele era. O seu pai, o velho Enoc, vestido da importância de ser pai de uma professora e de possuir o único rádio de pilha do lugar, passava a mão na cabeça das traquinagens do filho. “Se ele era o capeta que diziam, como era que ajudava o padre nas missas, hein?”, perguntava ao reclamante.
Jesus se fez coroinha, não por vocação religiosa, mas para ganhar uns trocados e ter livre acesso ao vinho do padre, que a gente detonava escondido. Era o quinteto: ele, meus primos Paulo e Arizio, meu irmão Décio e eu. Uma vez, não tendo o que fazer, entrou no confessionário e nos botou em fila de confissão. As beatas, sem saber que era só molecagem, também entraram na fila e Jesus ficou sabendo dos mais recônditos segredos das mocinhas do lugar. E só nos contou por que o ameaçamos dizer tudo ao padre. Mas como eram segredos de confissão, não pudemos tirar proveito sem nos denunciarmos e levarmos uma surra exemplar.
Como coroinha, ele sabia o endereço das festas de batizado ou casamento, e depois da cerimônia a gente seguia o cortejo até a comilança, regada a refresco de mangaba ou refrigerante quente, que o povo chamava de “gasosa”. Uma vez ele fez uma intriga tão da gota serena entre mim e Paulo que fomos às vias de fato no meio da rua. Separados pelo meu tio Adauto, o pai de Paulo, depois de ouvirmos um sermão sem fim, ficamos sabendo que Jesus havia vendido a nossa briga para os outros moleques de rua.
Assim era o Jesus, não o nosso salvador, mas o nosso mentor em se quebrar regras e o maior responsável pelas inesquecíveis surras que levei de minha mãe. Isso durou enquanto fomos moleques de rua pelo velho Junco, correndo livre, leve e solto até que a distância nos separou. E agora, separa-nos a eternidade.
Boa viagem, companheiro! Espero que aí no Céu tenha acampamento da Petrobrás para a gente ir buscar rolimã para fazermos patinete e deitarmos e rolarmos pelas nuvens cósmicas.
domingo, 30 de junho de 2013
ONDE CANTA A ACAUÃ: O Acampamento da Petrobrás
ONDE CANTA A ACAUÃ: O Acampamento da Petrobrás: De caatinga No arraial do Junco arcaico a Sexta-Feira da Paixão era só penitência. Do raiar do dia, ao cair do sol, todos os prazeres ...
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