domingo, 21 de julho de 2013

Cineas Santos - a culpa é do cachimbo

                             Diz o dito popular que o uso do cachimbo entorta a boca. Falta-me autoridade para confirmar ou negar. De qualquer forma, tomemos, metaforicamente, a palavra cachimbo como sinônimo de vício ou vícios, para ser mais preciso, e tudo se esclarecerá.

         As coisas estavam assim: lá fora, o mundo se contorcia em convulsões de toda ordem, e nós aqui, deitados em berço esplêndido. Empresários faturando aos tubos; empreiteiras superfaturando  construções, a toque de caixa,  de arenas esportivas enquanto os políticos de todas as plumagens costuravam acordos espúrios. A molecada, por seu turno, curtia o som das baladas e kakarejava no face. Apesar do desempenho pífio na economia e da volta indesejada da inflação, dona Dilma flanava em céu de brigadeiro com a popularidade nas nuvens... Mudar o quê? Mudar para quê?

         Mas estava tudo muito quieto, sinal de que alguma coisa poderia acontecer. Quem tem filho pequeno sabe: quando criança fica muito calada, está tramando alguma traquinagem. Não deu outra: bastou uma mão (des)atenta enfiar um dedo na tomada  para que  uma descarga de altíssima voltagem eletrizasse a juventude. De repente, não mais que de repente, com as caras pintadas de todas as cores e tons imagináveis, e meninada saiu às ruas com um leque tão amplo de reivindicações que seria impossível enumerá-las aqui. Do passe livre ao rateio democrático dos prêmios  da loteca , tudo foi exigido. O pretexto para a deflagração das manifestações foi o aumento de alguns centavos no preço das passagens de ônibus. Curiosamente, foram as redes sociais, tidas como “o reduto dos alienados”, a principal arma da moçada. Sem a necessidade de partidos políticos, da mídia tradicional, de líderes, de organizações ou comando, numa rapidez inimaginável, a meninada pôs o país de pernas para o ar. Segundo um cronista mais afobado, “os jovens estão querendo refundar a República”. A primeira reação dos governantes foi de incredulidade; a segunda, de espanto; a terceira, de assombro. Há quase vinte anos não se via nada parecido nas ruas do Brasil. Uma revista semanal estampou na capa: “O poder se mexeu” e acrescentou: ”Despertados pelo ruído das ruas, governos, Congresso e até o judiciário se movem em um verdadeiro mutirão para apresentar propostas, votar medidas e atender às demandas populares”. E o fecho retumbante: “Uma nova ordem política começa a funcionar no Brasil”.

         De forma atabalhoada, dona Dilma, depois de ouvir o seu marqueteiro de plantão, propôs a única coisa que a molecada não reivindicou: um plebiscito para aprovar uma “reforma política”. Os manifestantes, de muitas maneiras, pediam apenas: respeito, dignidade e decência por parte dos políticos brasileiros. Mal baixou a poeira, a grande imprensa nos informa que, enquanto as ruas ardiam em chamas, representantes dos três poderes usavam jatinhos da FAB ou dinheiro do erário para convescotes com parentes e aderentes ou deslocamentos para o Maracanã.

         Irmãos e irmãzinhas, não quero ser pessimista, mas vai ser preciso muito mais  para desentortar as bocas dos políticos brasileiros. Bocas deformadas pelo uso reiterado dos cachimbos...

         

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