Diz
o dito popular que o uso do cachimbo
entorta a boca. Falta-me autoridade para confirmar ou negar. De qualquer
forma, tomemos, metaforicamente, a palavra cachimbo como sinônimo de vício ou
vícios, para ser mais preciso, e tudo se esclarecerá.
As coisas estavam assim: lá fora, o mundo se contorcia em
convulsões de toda ordem, e nós aqui, deitados
em berço esplêndido. Empresários faturando aos tubos; empreiteiras
superfaturando construções, a toque de
caixa, de arenas esportivas enquanto os
políticos de todas as plumagens costuravam acordos espúrios. A molecada, por
seu turno, curtia o som das baladas e kakarejava
no face. Apesar do desempenho pífio na economia e da volta indesejada da inflação,
dona Dilma flanava em céu de brigadeiro com a popularidade nas nuvens... Mudar
o quê? Mudar para quê?
Mas estava tudo muito quieto, sinal de que alguma coisa poderia
acontecer. Quem tem filho pequeno sabe: quando criança fica muito calada, está
tramando alguma traquinagem. Não deu outra: bastou uma mão (des)atenta enfiar
um dedo na tomada para que uma descarga de altíssima voltagem eletrizasse
a juventude. De repente, não mais que de repente, com as caras pintadas de
todas as cores e tons imagináveis, e meninada saiu às ruas com um leque tão
amplo de reivindicações que seria impossível enumerá-las aqui. Do passe livre ao
rateio democrático dos prêmios da loteca
, tudo foi exigido. O pretexto para a deflagração das manifestações foi o
aumento de alguns centavos no preço das passagens de ônibus. Curiosamente,
foram as redes sociais, tidas como “o reduto dos alienados”, a principal arma
da moçada. Sem a necessidade de partidos políticos, da mídia tradicional, de
líderes, de organizações ou comando, numa rapidez inimaginável, a meninada pôs
o país de pernas para o ar. Segundo um cronista mais afobado, “os jovens estão
querendo refundar a República”. A primeira reação dos governantes foi de
incredulidade; a segunda, de espanto; a terceira, de assombro. Há quase vinte
anos não se via nada parecido nas ruas do Brasil. Uma revista semanal estampou
na capa: “O poder se mexeu” e acrescentou: ”Despertados pelo ruído das ruas,
governos, Congresso e até o judiciário se movem em um verdadeiro mutirão para
apresentar propostas, votar medidas e atender às demandas populares”. E o fecho
retumbante: “Uma nova ordem política começa a funcionar no Brasil”.
De forma atabalhoada, dona Dilma, depois de ouvir o seu
marqueteiro de plantão, propôs a única coisa que a molecada não reivindicou: um
plebiscito para aprovar uma “reforma política”. Os manifestantes, de muitas
maneiras, pediam apenas: respeito, dignidade e decência por parte dos políticos
brasileiros. Mal baixou a poeira, a grande imprensa nos informa que, enquanto
as ruas ardiam em chamas, representantes dos três poderes usavam jatinhos da
FAB ou dinheiro do erário para convescotes com parentes e aderentes ou
deslocamentos para o Maracanã.
Irmãos e irmãzinhas, não quero ser pessimista, mas vai ser preciso
muito mais para desentortar as bocas dos
políticos brasileiros. Bocas deformadas pelo uso reiterado dos cachimbos...
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