A
vitória agrega, atrai aplausos e adeptos feito formiga no mel; a derrota afasta
e repele as pessoas em velocidade e poder de cargas atômicas iguais, sem a
mínima chance de atração nucléica.
Foi
o que aconteceu com Lampião e o seu bando na malfadada investida a Mossoró,
cidade no estado do Rio Grande do Norte, no ano de 1927. Podemos afirmar que
essa derrota foi o início da decadência do cangaceirismo a serviço do rei.
Moral baixa, sem munição, bandoleiros em debandada, outros mortos, a
vulnerabilidade do bando tornou-se evidente e os ex-aliados passaram a
denunciar seus esconderijos e Lampião passou a ser caçado feito raposa nas
florestas inglesas. Só havia uma saída: fugir. Em 1928 atravessou o rio São
Francisco e foi se refugiar e semear terror na região de Canudos, nas
vizinhanças de Paulo Afonso, Bahia, conhecida como Raso da Catarina.
Em
1930 Maria Bonita, então casada com o sapateiro José Miguel da Silva, conhecido
como Zé de Neném, no povoado de Santa Brígida, aproveitou a visita de Lampião à
sua casa para fugir do anonimato e entrar nas páginas da história do cangaço,
inaugurando uma nova era naquele bando até então composto só de homens.
No
cangaço as mulheres não lutavam. Nem havia como mostrar seus dotes culinários.
O fogo faz fumaça e a fumaça chama a atenção. Os cangaceiros queriam tudo,
menos revelar seu esconderijo. Elas eram apenas objetos sexuais, geralmente
faziam parte do butim e poucas eram as que ingressaram na vida bandida por
livre e espontânea vontade. Engravidavam, mas era impossível ser mãe. Por
acordo entre os homens, eles jamais cantavam a mulher alheia. E aquela que
pulasse a cerca era punida sumariamente com a pena de morte.
Volta
Seca, o cangaceiro compositor, entrou para o cangaço mal perdeu o cheiro de
mijo: onze anos apenas e cuidava dos cavalos. Dois anos depois entrou para o
bando armado, porém, hoje, ele é mais conhecido pela poética dos seus versos do
que pelas mortes que carregava na consciência. São de sua autoria, conhecida de
todos nós: “Se eu soubesse”, “Sabino e Lampião”, “Maria Bonita” e “Mulher
rendeira”, sendo esta última o canto de guerra do cangaço. Estas músicas foram
gravadas pelo próprio Volta Seca, em 1957.
Mas
voltemos ao ataque a Mossoró, que culminou na grande derrota de Lampião e na
queda gradativa do seu império.
O
ataque à “Cidade das Quatro Torres”, conforme ficou conhecido o episódio, foi
articulado ainda no Ceará, na casa do major Isaías Arruda. Outro chefe de
cangaceiros, conhecido como Massilon Leite, também incentivou o ataque,
justificando ser butim para a vida toda, onde todos ficariam ricos além de ser
um feito memorável.
No
trajeto para Mossoró, o bando deixou um rastro de destruição e terror,
saqueando, seqüestrando e pedindo resgate posteriormente. Destruíram os fios
telegráficos e incendiaram algumas fazendas. Perto de Mossoró, onde se tinha
uma visão panorâmica da cidade, Lampião, já capitão, estancou temeroso. Havia
quatro torres de igreja e bastariam apenas quatro bons atiradores entrincheirados
nelas para dar cabo do bando todo. Mas o olhar e os argumentos de cobiça do
bando foram maiores do que o bom-senso. Lampião acedeu. Antes de atacar, quis
confabular com o prefeito. Enviou um mensageiro, um tal de Formiga, morador das
redondezas que teve o azar de passar naquele lugar na hora errada.
Formiga
entrou correndo na cidade e procurou o prefeito. Tremia mais do que vara verde.
O jornalista Fernando Portela narra assim o acontecido entre o prefeito e o
mensageiro de Lampião:
"–
Seu prefeito, seu prefeito, ele disse que mi mata se eu num dé esse papé pro
sinhô doutô!
– Deixa de sê froxo, home! Num já tá intregue?
– Mas ele disse que se eu num vortá cum a
resposta ele mi mata!
– Então tá ruim.
O
prefeito lê o bilhete e dita a resposta a um alfabetizado local, o dr. Abel
Coelho:
– Escreve aí, Abé: eu tenho o dinheiro, mas ele
tem de vim buscá!”
PORTELA,
Fernando.“Encarte do LP As músicas do cangaço”. São Paulo: Estúdio Eldorado,
1984.
Lampião
foi. Antes não tivesse ido. Eram cerca de cento e quarenta homens entrincheirados,
contra cinqüenta no descampado. O capitão desistiu. Jararaca insistiu. Ele e
outro cangaceiro de nome Colchete. Invadiram a cidade atirando. Colchete morreu
na entrada. Jararaca foi capturado vivo, com uma bala no peito. Chegou a dar
entrevista para a imprensa. Uma semana depois foi enterrado... vivo. Não pediu
clemência, porém. Seus algozes, assim como ele, não conheciam esta
palavra.
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