domingo, 8 de março de 2015

Programa Leituras fora da grade da Tevê Senado




    
     A Literatura brasileira está de luto. Pelo menos para os pobres de Jó e os remediados literários, aqueles sem dinheiro no bolso, amigos importantes e pedigree midiático para venderem seu peixe em vitrine televisiva: morreu o Programa Leituras, apresentado pelo também escritor Maurício Melo, aos sábados, e reapresentado aos domingos na Tevê Senado.

     Foram treze anos levando ao ar entrevistas com grandes, pequenos e médios nomes da nossa literatura (se é que se pode graduar o escritor pela repercussão literária), sem que se precisasse pagar jabá para ir ao ar. Bastava apenas ser um bom escritor e estar de passagem por Brasília, local da gravação. O estúdio? Muitas vezes era a biblioteca da casa do apresentador. Uma imensa biblioteca, que deixou o escritor Ignácio de Loyola Brandão admirado com o acervo primoroso, quando por lá passou na Semana Santa de 2014. 

     O último bloco do programa era a resenha de alguns livros recém-lançados. Foi assim que uma estudante do interior do Ceará conheceu a acadêmica Nélida Piñon e se interessou por suas obras e que acabou em tese de mestrado. Certa vez Mauricio Melo me contou que uma estudante do Paraná escreveu para ele pedindo uma cópia da entrevista que ele havia feito com o escritor Antônio Torres, pois “estou escrevendo minha tese sobre as obras dele e você fez todas as perguntas que eu ia fazer pra ele”, disse a estudante. 

     Como podemos ver, o programa tinha audiência em todo o Brasil, embora não ameaçasse o BBB nem as novelas globais. Mas, se cultura desse ibope, os canais de cultura seriam campeões de audiência. Mas, porém, contudo, entretanto ou coisas que tais, o Programa Leituras era um dos poucos a ter audiência cativa (disse "cativa" porque as outras são sazonais, como, por exemplo, depoimento de algum peixe grande em CPI) nessa televisão paga com o dinheiro do contribuinte. Nosso dinheiro. Portanto, não vamos nos deixar render por essas chefias autoritárias e  politicamente incorretas que fazem do bem público a casa da mãe Joana. Entremos no site da Tevê Senado e deixemos nosso repúdio a esse assassinato imbecil de um programa que levava a literatura brasileira aos lares nos mais distantes rincões deste Brasil.

     Abaixo, o link para deixarmos nosso protesto.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Dessas coisas que a gente só vê no interior:

A mocinha entrou na bodega e pediu:

- Você me dá uma água mineral?
- Com gás ou sem gás?
- Pode ser com gás, mas bote só um pouquinho, tá?

Um ser imortal

Nas gravações do documentário "Antonio, o menino que queria ser Castro Alves", a moça perguntou:

- Dona Durvalice, seu filho Antonio deu muito trabalho quando era menino?
- Que nada, minha filha! Filho nenhum me deu trabalho. Peraí... só esse moleque aqui que não tomava jeito!

O "só esse moleque aqui" que ela se referia, era eu, em pessoa. É no que dá ser imorrivel em vez de imortal.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Cineas Santos - O golpe do primo

            Domingo, por volta das dez  horas, o telefone tocou. Atendi.
            - Oi, primo, ainda se lembra de mim?
            O golpe é antigo, mas como a ligação não era a cobrar, resolvi prosear um pouco com aquele “primo” distante.
            - Com quem falo?
            - Esqueceu de mim, primo? Teu primo de Brasília...
            -Não me diga que é o Anacleto!
            - Ele mesmo, primo. Olha, estou com um probleminha...
            - Anacleto, eu precisava muito falar contigo, mas o celular caiu no vaso sanitário da rodoviária e...
            - Primo, tô precisando...
            - Anacleto, deixa eu te contar: lembra da tia Emerenciana, aquela carola solteirona?
            - Claro, primo!
            - Pois é: desencarnou. Morta por um trombadinha na porta da igreja.
            - Que coisa, mas primo...
            - Anacleto, como você sabe, ela não tinha filhos. Os herdeiros são, portanto, eu, você, o Atanásio  e a Gildety. O Atanásio está preso, a Gildety  caiu na vida, coube a mim cuidar do inventário.
            - A velhota tinha alguma coisa?
            - Uma casinha no Monte Verde e dois terrenos invadidos na Favela do Arame. Grana mesmo, mal deu para o enterro.
            - Mas primo, como te disse, tô com um problema...
            - Anacleto, deixa eu terminar. Preciso de alguns documentos teus: identidade, CPF, atestado de residência e uma procuração, coisa simples.
            - Primo, no momento, estou...
            - Anacleto, como você sabe tem umas despesinhas para serem rateadas entre nós. O Atanásio tá nas grades; a Gildety, na zona, então sobramos nós dois. Cada um de nós vai entrar com  dois mil reais. Anota aí o número da minha conta. Deposita isso o mais rápido possível, que o processo está parado.
            Silêncio de noite dormindo...
     - Anacleto, tá me ouvindo?!
            O primo desligou. O Anacleto sempre foi assim:  meio desligado...

sábado, 10 de janeiro de 2015

Tempo da Velhice

Segundo Maricas Coxeba, no dia 21 próximo fico a um ponto para gozar do estatuto do idoso. Segundo a minha mãe, a escrivã da minha terra dormiu no ponto, se embebedou com água de pote, e me fez nascer um mês antes. Mas, pelo sim, pelo não, mereço uma poesia a mim mesmo, nenão? Sem falar que depois dos sessenta, além de não pagar transporte urbano, agora também tem cinema de graça. Obááá! Mas, antes de desdenhar da minha idade, lembre-se que o que vale é a idade mental. E nessa, a minha mãe ainda diz: "Meu filho, vê se cresce!"

TEMPO DA VELHICE

Já se falou bastante
Sobre coisas e sobre tudo.
Contudo não se disse tudo
A respeito do Tempo
E da Velhice
Que é o Tempo relativo
E reina absoluto sobre as coisas.

O novo d’agora
É o maduro de mais tarde,
E o senil de amanhã,
Não importando as quantas
Ande o Tempo
(se para frente ou para trás
para esquerda ou direita
para cima ou para baixo)
pois já nascemos velhos.

Um velho elefante africano
De porte físico invejável,
Acorrentado no gran-circo
Inveja a sorte juvenil
Do frágil mosquito
Pousado na tartaruga.

Por sua vez, o mosquito,
(que morrerá de velhice
na semana seguinte),
Ao picar a tartaruga
Em seu pescoço centenário
Sugará o sangue
De uma adolescente.

Que sabe do Tempo o colibri
Na sua conversa com as flores?
E a Rainha Assassina,
Envolta em geléia real,
Dirá ao inditoso Zangão,
Que ele não conhecerá a velhice?

O Tempo da Velhice
Ganha forma em sua plenitude
Quando levamos nossos filhos
Para dar pipoca aos macacos
E eles, inocentes, dizem:
“Painho, o meu sapato apertou!”

Por trás desta inofensiva sentença
Resolvida em uma sapataria,
Manifesta-se a retórica do Tempo
Apertando os invisíveis calos
Da nossa velhice latente.