sábado, 11 de maio de 2024

Dia de mainha.

Depois de dar os parabéns à minha mãe, lhe perguntei:
- Ô, mainha, nesses seus cento e dois anos de vida, qual foi o dia que você foi mais feliz?
- O dia que seu irmão mais velho nasceu! - respondeu cheia de orgulho.
- E o mais triste?
Ela me olhou de cima abaixo, fez uma cara de mal, e falou:
- E você ainda me pergunta?
Ato seguinte, fechou a porta do quarto e disse que era para ninguém perturbá-la.
Todas as reações:
Cláudia Cruz, Barrabaz Thrasher e outras 36 pessoas

Opressão contra o operariado

Uma vez, quando ainda menino besta pelas ruas do Sertão, sonhava em ser proletário e poder sair pelas ruas gritando o velho refrão: "Trabalhador unido / jamais será vencido!"
Sabendo dos meus sonhos, o velho Bidô, pai do arreliento Renan, me ofereceu emprego de meio turno. Quando recebi meu primeiro salário, corri para casa na maior alegria e satisfação. A minha mãe, vendo aquele dinheirão todo, indagou:
- Onde você arranjou essas moedas?
- Ganhei trabalhando com seu Bidô.
- Seu moleque descarado, e tou criando filho pra puxar fole de ferreiro?! Vá lá agora e devolva essa porcaria que não dá nem pra comprar um metro de corda de couro cru pra lhe dar uma surra!
Não sei que mágica ela fez, mas antes de pronunciar "surra", o cinto do meu pai apareceu na sua mão e fui devolver as moedas com o corpo em carne viva.
Confesso que naquela hora desejei ser um helênico para poder invocar a intervenção de Hefesto, mas, na fúria que a minha mãe estava, duvido que ele, deus ou não, também não tivesse levado umas bordoadas.

domingo, 10 de março de 2024

Espelho, espelho meu

    O meu guru espiritual Barrabaz Thrasher participou de um concurso sem entender bem do que se tratava.

    Movido pela curiosidade, entrou numa fila onde estava escrito: "Concurso". Quem sabe se não era pra ver quem bebia mais cerveja?, pensou ele. Só que era para escolher o homem mais feio do Junco e ele foi eleito o mais bonito. Ficou sem entender esse paradoxo. Pediu explicação à organizadora do concurso, Mislene Lopes:
    - Barrabaz, tudo faz sentido desde que entendamos as metáforas - explicou Mislene.
    - Quais metáforas?
    - Você acha que é bonito ser feio?
    - Isso não é metáfora! É ironia.
    - Eufemismo, Barrabaz! Eufemismo...
    Declinou do prêmio e saiu esbravejando impropérios e cantando "Ai, se eu te pego!", mas fora do contexto pragmático musical. Seguiu na direção do Bar da Leninha com intenção de encher a cara, esquecido de que a proprietária ainda não havia revogado a proibição de vender fiado, decretada durante a pandemia.

Quem avisa, amigo é?

De repente os caçadores de Covid sumiram do Lena's Bar, o boteco mais famoso do Junco. Fui investigar a razão do sumiço de alguns clientes fiéis desde o início do Mundo. Liguei para a proprietária:

- Leninha, o que está acontecendo, por que não vejo mais fotos no Facebook dos caçadores da Covid?
- Não sei.
- Tem certeza?
- Tenho. Desde o dia que coloquei um aviso na entrada todos eles desapareceram.
- Aviso? O que tem escrito nesse aviso?
- "Está suspenso o FIADO durante a pandemia. Vai que você morre..."
- Tá explicado.

Domingo de Ramos no Junco

Domingo de Ramos, igreja lotada, o padre se esmerando na interpretação bíblica:
- Domingo de Ramos celebra a entrada triunfal de Nosso Senhor Jesus Cristo na cidade de Jerusalém. Ele chegou montado num burrinho e foi ovacionado pelo povo que forrava o chão com ramos de palmeiras e implorava: ""Salva-nos agora, te pedimos, ó Javé; Ó Javé, envia-nos agora a prosperidade. Bendito seja aquele que vem em nome de Javé, Da casa de Javé vos abençoamos." - pigarreou, observou a reação da plateia para sentir o efeito de suas palavras, e continuou - Esse mesmo povo que bajulava Jesus, foi o mesmo que o condenou a morrer crucificado, por isso, meus amados fiéis, não troquem os seus amigos por bajuladores.
Entrou um garoto correndo na direção do altar:
- Jesus Cristo ressuscitou! Ele está descendo a Ladeira do Cruzeiro montado num jegue, carregando ramos de palmeira e com uma coroa de espinho na cabeça!
- Como ele ressuscitou se ainda vai morrer na próxima semana?
O povo se espremeu na porta tentando sair todos ao mesmo tempo para ver Jesus Cristo. A porta foi ao chão e a multidão correu na direção de um homem e o seu jegue. Era o Messias e assim, quem fosse abençoado por Ele, estaria imunizado contra a Covid. Alguns desmaiaram de emoção. Outros se ajoelharam e rezaram o Bendito.
Jesus passou triunfal pela multidão. Seu semblante era triste, sofrido, e o povo percebeu:
- Ele tá com cara de Sexta-Feira da Paixão, que ainda é na próxima semana.
- Num é! repara aquelas úlceras, parece até que foi amarrado num pé de cansanção!
- E as costas?! cheia de lapão. Parece que se deitou num formigueiro!
Um garoto, desses que gostam de dedurar os outros, gritou:
- Não é Jesus não! É Barrabaz! E está segurando ramos de urtiga!
- Como é Barrabás?! Barrabás só aparece na Bíblia no julgamento.
- Né esse Barrabás da Bíblia não! É aquele que gosta de beber fiado na Leninha.





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O último boêmio do Junco

    Bebeu o último gole da noite, pigarreou uma tosse de cachorro, acenou para Leninha, a dona do bar, pronunciou umas palavras ininteligíveis que ela entendeu como “bote no prego”, e se dirigiu cambaleante para a saída. Parou hesitante no degrau da porta, olhou para a praça cheia de gente, olhou para trás, rodopiou e caiu de testa na calçada. Acordou ao som de harpas.
    - Seu Barrabaz! Seu Barrabaz!
    - Huuuum!
    Abriu os olhos lentamente. Viu umas moças difusas, vestidas de branco, sorrindo angelicalmente para ele. Pareciam anjos. Ou anjas, como queiram.
    - Eu estou no hospital? Que reforma da porra Pedrito fez aqui!
    - Não. Você não está no hospital. Você morreu e está no Céu.
    - Céu!? Mas Céu não existe!
    - Existe, sim! Você está nele.
    Nisso, passou uma moça vestida de branco, olhou para ele com cara de poucos amigos, e seguiu em frente.
    - É a Leninha!
   - É. Ela morreu do coração depois que soube da sua morte.
    - Não sabia que ela gostava tanto de mim!
   - Não foi por gostar; foi por causa do seu “pindura”. A conta estava muito alta e ela não tinha como cobrir. Coitada, gente tão boa, tão distinta, não resistiu e enfartou!
    - E por que eu morri?
   - Ainda pergunta? Pulmão de bêbado não tem dono! A Covid adora bêbados sem máscaras.
    - Covid? Mas me lembro de ter caído na calçada.
   - Caiu porque o vírus lhe sufocou. Já chegou morto no hospital. Só que você estava tão bêbado que a sua alma levou três dias para desencarnar.
    - Alma? Isso não existe!
   - Existe, sim. Você é um espectro agora. Quer ver seu enterro?
    - Quero.
A anja levou Barrabaz até o portal do Céu e então ele viu o coveiro lançando terra sobre o seu caixão. Uma multidão silenciosamente chorava.
    - Tô vendo Mislene com uma lata de cerveja na mão. E sem máscara!
    - Vai ser a próxima se ela insistir em lhe imitar!
   - E Luiz Eudes! Compadre Arizio discursando... Quem é aquele escrevendo no celular?
   - É Tom Torres escrevendo sobre sua morte pra postar no Facebook. Vai ter milhares de curtidas.
    - Eu quero ler! Eu quero ver! Eu quero ler!
   - Você já leu, você já viu. É essa história que você acabou de ler!





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sábado, 10 de fevereiro de 2024

Sobre metáfora

"Metáfora" era o que a minha namorada dizia quando eu era menino besta do interior. Sempre que eu tentava, ela trancava as coxas e dizia: 

- Meta fora porque dentro engravida!

Soneto arcaico

Quando a minha avó me disse: "Leite com mastruço cura qualquer defruço ", eu senti o poder da rima.

Se tivesse feito mais 13 versos alexandrinos teria desbancado Olavo Bilac. 

Minha avó era uma poetisa foda! Pena que não sabia ler nem escrever e só conhecia Alexandrino o nosso vizinho de porteira.


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

O boto pedófilo

 E a mocinha ribeirinha, lá do Norte, mostra à mãe o que já não pode mais esconder. Inocente, diz displicente:

- Foi o boto, minha mãe!

A mãe engole saliva, engasga um palavrão e apenas sorri para a filha, pois sabe de encantamentos e feitiços do amor. Sua filha também era filha do boto.

Vida de açougueiro

 Duas mulheres de programa conversavam no ponto de ônibus:

- Tou tão dura que hoje dou até por um quilo de carne.
- E eu tou lascada! Só vou poder usar as mãos ou a boca.
- Por quê?
- Tou de boi!

Pelo visto, o sexo virou um negócio de açougueiro.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Goodbye, Columbus e outras reminiscências



Hoje, acordei sentindo um gostinho do passado na memória ao lembrar da minha introdução à literatura norte-americana, acontecida em 1970, na casa do meu irmão, no Rio de Janeiro: o romance Goodbye Columbus, lido e relido em um fôlego só. Para um pretenso debutante na vida de interior, foi um mar de aprendizagem.

Fico aqui a tecer conjecturas sobre o que seria de mim, como ser autônomo, se não tivesse um irmão jornalista e que sempre me brindava com as melhores publicações. Como diz o jovem ancião Cineas Santos, o vate piauiense, eu seria eu sem mim.

Mas não foi só isso. Nessas mesmas férias, conheci Garcia Marquez (achei Macondo o próprio Junco), Hemingway, Rubem Braga, o primo de Maria Lúcia Rangel, Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), a Tropicália, Luiz Gonzaga e o Bondinho de Santa Teresa. Ah! Conheci também o MAM e o quadro mais famoso do mundo, cujo pintor foi de uma genialidade incrível: uma tela em branco com um ponto feito a grafite no centro e que deixava os experts em arte babando em “oooooooohs!”

De tudo, o mais importante, foi ouvir o LP “Arena conta Zumbi”, a Renascença teatral que se fazia no teatro de Arena, berço do Teatro do Oprimido. Paixão à primeira audição e eu disse: “Quando eu crescer quero ser Boal!” Meu irmão, entre amarelo e sem jeito, pois pensara que eu diria querer ser ele, me disse que era uma boa escolha.

Nos trilhos urbanos de Alagoinhas, o expresso da meia-noite nos acordava em voz grave e potente: “Encomenda para seu Antônio Ronaldo!” Eram livros de mancheia, como diria o príncipe dos poetas.

Em retribuição a essa sorte que tive e que acontece uma entre milhões, não meço esforço para incentivar a leitura como a pedra fundamental na transformação de indivíduos em sujeitos autônomos. O conhecimento só faz sentido se compartilhado. Sem isso, é como a roda de um moinho mergulhada em um lago.

O meu irmão jornalista-leitor virou escritor, entrou para a Academia Brasileira de Letras e só vive me convidando para acompanhá-lo nos debates na mais alta corte literária. Vou não, seu moço! Esse negócio de imortalidade é para vampiros. Eu quero descansar em paz. 


domingo, 10 de dezembro de 2023

Poema de Natal

Maria da Luz 
Estreou a vida
Em mês primaveril.
Floriu o mundo 
com seu sorriso
Juvenil.
Se fez amante
Das coisas belas
E a musa 
Dos poemas de amor.
Os seus vapores 
Soltavam odores 
de lascívia e paixão.
O seu amado,
Um belo infante,
escafedeu-se 
No breu da noite 
De Verão.
Não deu a luz
Com seu amante
Porque o útero
do seu destino
Era estéril.
Por ser etérea
Maria da Luz
Dissipou-se
Na solidão.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

CABOCO SETENTA

O meu avô materno chamava o meu irmão mais velho de "Cabôco Setenta". Um dia lhe perguntei:

- O que é isso, padrinho?

- Ele vale por setenta dos homens daqui! - disse orgulhoso, caneca de café à mão.

- E eu, padrinho?

Ele me olhou meio decepcionado e disse:

- Você vai ser o sessenta e nove.

- Vou valer por sessenta e nove?

- Não!

- E então?...

- Quando você crescer, saberá.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

O ventinho amigo

Quando eu era adolescente pelas ruas de Alagoinhas, em vez de caçar Pókemon, eu caçava aquele ventinho amigo que arribava a saia das meninas em frente do convento das freiras. Um dia, uma garota que o vento pegou de mãos ocupadas com o material escolar, me disse irritada depois de se recompor:

- Besta! Viu a tela, mas não viu o filme!
- Ah! Mas o resto fica mais fácil de imaginar - respondi.
- Seu tarado!
- Tarado é o vento. Eu sou só testemunha.
- E por que não fechou os olhos como todo menino educado?
- Porque em vez de tarado, você ia me chamar de vi...
- Pare!
- Tou parado.
- Seja gentil, segure meus livros!
Segurei e em seguida sangrei pelo nariz.
- Você me bateu!
- Você apanhou porque mereceu.
- Mamãe!
- Desse tamanho e ainda chama por mamãe!
- Não. A minha mãe era que dizia isso, de apanhar por merecer.
E entre réplicas e tréplicas, namoramos um semestre inteiro. Eram tempos de se engarrafar sonhos sem precisar de Mc Donald feliz.

domingo, 15 de outubro de 2023

Associação criminosa para cometer crimes, segundo os visionários novelísticos

     O Ouro, a Prata, o Cobre e o Níquel se associaram ao crime organizado, sequestraram o Oxigênio e ameaçaram destruir a família Ferroso lançando bombas letais de O2. Desbaratada a quadrilha metaleira numa fantástica ação batizada de “Operação Ferrugem”pela PF, sob o comando da delegada federal Helô e investigação conduzida pelos repórteres do Fantástico, o único elemento a ser preso sem direito a sursis nem à Lei Fleury foi o famigerado Carbono, que não fazia parte do Grupo e tampouco se inseria na história. Motivo alegado para a prisão: foi o único preto que a diligente delegada encontrou na Tabela Periódica.