sexta-feira, 2 de abril de 2010

A Nova Versão da Paixão de Cristo

“Coelhinho da Páscoa, que cores tu tens?” D.P.


Na Semana Santa é comum as cidades de interior encenarem a Paixão de Cristo pelas ruas, com grande participação popular, quer como atores, quer como figurantes, mas a maioria é de espectadores aflitos com a catástase bíblica. Em uma cidadezinha do interior de Alagoas, que muito lembra o arraial do Junco, essa representação teatral vem de longos anos e desde a sua primeira encenação que os atores são os mesmos, apesar do tempo a cada ano talhar novos sulcos no rosto do elenco. 

No ano passado, faltando um mês para a apresentação do espetáculo, o diretor reuniu a trupe e falou sem meias palavras:

– É o seguinte pessoal: há muito tempo que estamos com as mesmas pessoas representando a Paixão de Cristo e alguns personagens já não convencem mais, pois ficaram defasados do projeto original. Este ano haverá mudanças no elenco e quero a compreensão de todos, pois não é mais possível continuarmos apresentando um Cristo careca, gordo, barrigudo e próximo dos sessenta anos. E Maria Madalena, então? Está vinte anos à frente da verdadeira. Pilatos? Né bom nem falar! Vocês já viram algum Pilatos desdentado e adunco?!

Ninguém ousou contestar. Contra fatos não há argumentos. A realidade se impunha cruamente quando se olhavam no espelho. Já era passada a hora de pedirem o boné.

Abriu-se a temporada de teste cênico. Vários candidatos se apresentaram. Um ator jovem, malhado e cheio de ginga foi o escolhido para fazer o papel de Jesus Cristo. Tatuagem no braço, brinco na orelha, não lembrava um mínimo o personagem central, mas levava uma carta de apresentação do Prefeito, principal financiador do espetáculo. Pelo menos tinha uma aparência Global, arrancaria suspiro das mulheres, tal qual Tiago Lacerda em Nova Jerusalém. 

O antigo ator principal não ficou sem função. Em reconhecimento aos longos anos de serviço prestado à companhia teatral, arranjaram-lhe o papel do soldado que chicoteia Cristo no caminho do Calvário. Diante do destacamento policial da cidade, ele parecia um atleta e ninguém se lembraria do fato de que soldados romanos não se tornavam sexagenários.

Depois do clássico julgamento em que Pilatos lava as mãos, Jota Cristo foi condenado sem direito a recorrer aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Sem maiores delongas, puseram a coroa de espinho de plástico flexível na sua cabeça, e o empurraram aos tapas para a saída, onde a cruz de isopor estava à sua espera. Caminhou trôpego para cumprir as profecias, seguido por uma multidão de figurantes e espectadores. Estava escrito nas estrelas e assim teria que ser. Algumas pessoas mais sensíveis choravam às cântaras com o realismo do espetáculo e se auto-flagelavam açoitando as costas com galhos de cansanção. Não bastava a dor: tinham que sentir o ardor e assim expiar a culpa do suplício de Nosso Senhor Jesus Cristo no dia de Sua Paixão e Morte. 

A encenação seguia normalmente até a hora que o soldado chicoteador, com raiva do ator que havia tomado o seu lugar, deu uma chicotada violenta, imprimindo rancor e ódio ao látego. O intérprete de Jota Cristo acusou o golpe, sem denunciar a dor. Pediu baixinho, rangendo os dentes:

– Devagar, cara! Isso aqui é uma encenação! Bata leve, de mentirinha!

O soldado fez ouvido de mercador. Lembrou-se das chicotadas que levou durante aqueles anos todos para depois ser preterido por um almofadinha com pinta de surfista. Sua raiva triplicou ante tal lembrança. Engoliu saliva com gostinho de vingança e baixou o sarrafo. Uma, duas, três chicotadas seguidas, rasgando a roupa e tirando sangue das costas do condenado. Jota Cristo jogou a cruz de lado, se livrou da coroa de espinho, deu um urro, arrebatou o chicote da mão do soldado e o surrou com raiva e fúria. 

O povo, tomado pela forte emoção do espetáculo, pensando tratar-se de um novo enredo para a Paixão nos moldes da coragem sertaneja, aplaudiu entusiasticamente a reação de Cristo, elogiando sua atitude corajosa, de macho. Naquela terra de homens valentes, ninguém aprovava Seu jeito cordeirinho de aceitar morrer resignadamente, ainda mais sendo filho de quem era. Bastava dizer um “abracadabra” para a terra engolir todos os seus inimigos.

– Dá-lhe, Cristo! É assim que reage um cabra-macho! Acaba com esse fariseu safado! Pau nele!

Por conta desse realismo fantástico, foi reescrita uma nova versão do Evangelho, com um novo final histórico: em vez de ser crucificado, Jota Cristo foi recolhido ao xilindró por soldados à paisana, que não faziam parte do elenco.

O povo, em vigília solidária, varou a noite na porta da cadeia, exigindo a liberdade do ator. Sem a crucificação, não haveria Sábado de Aleluia e consequentemente o Judas não poderia ser malhado. As crianças perderiam o chocolate do Domingo de Páscoa e não poderiam cantar as cores do coelhinho.






quinta-feira, 1 de abril de 2010

O Acampamento da Petrobrás

No arraial do Junco arcaico a Sexta-feira da Paixão era só penitência. Do raiar do dia ao cair do sol, todos os prazeres da vida se tornavam proibidos, sob pena do infrator queimar eternamente no fogo do Inferno. Os homens faziam reunião em conversa de inverno, as mulheres preparavam o banquete ao pé do fogão a lenha – apesar do jejum, comia-se à tripa forra – e os pirralhos dispersavam-se pelo mundo porque também era proibido se castigar filho arreliento.

Tínhamos como vizinho um garoto chamado Jesus. Apesar do sagrado do nome, mais parecia o Cão chupando manga. Falava-se que ele era um anarquista mirim, um projeto de comunista, o Senhor das Estripulias. Meter-se em seu caminho era encomendar confusão. Só perdia para meu primo Cabaú, outro encrenqueiro de marca maior, cujas safadezas encontravam condescendência da minha tia, por ser o seu filho caçula. Pedro, seu irmão mais velho, era o contrário dele: sossegado, pacífico, e só se envolvia em confusão quando se metia com Jesus ou para tirar o irmão de alguma. Badego, meu irmão mais novo, fora batizado José Guedes em homenagem a uma paixão antiga de uma tia nossa. Mais tarde, ela se casou com outro e obrigou Maricas Coxeba, a escrivã, a trocar o nome do meu irmão para Badego. Era um chantagista de marca maior: se não o deixássemos nos acompanhar, ele abria o bico em casa. Assim, formavam-se os seguidores de Jesus que, por ser o mais velho, o mais forte e o mais brigão, detinha um grande poder de convencimento.

Aproveitando-se da inviolabilidade da conduta cristã no dia da Paixão, Jesus propôs que fôssemos ao acampamento da Petrobras em busca de rolimãs para fazermos patinete. Apesar do medo em deixar a segurança da cidade, a proposta era tentadora. Assim, antes do Sol ligar sua caldeira principal, nos embrenhamos rumo ao desconhecido que, segundo Jesus, ficava depois do campo de futebol, coisa de meia légua. E “meia légua”, na nossa cabeça, era coisa pouca.

Não era. Andamos por estradas nunca dantes viajadas por nós e quando o sol começou a ferver o nosso juízo, avistamos o cobiçado acampamento. Nossos corações dispararam de contentamento e júbilo. A alguns passos, dentro de uma grande construção de madeira e zinco, a redenção: um monte de rolimãs nos esperando. Naquele momento de êxtase se formou em nossa cabeça “a gang da calçada e suas patinetes voadoras”.

Ao darmos com o costado no acampamento, uma decepção: o portão estava fechado a cadeado. Batemos palmas. Gritamos. Apareceu um vigia com um rádio de pilha na mão. Ficamos maravilhados com o invento. Na cidade havia rádios de pilha, mas eram verdadeiros monstrengos fabricados em Serrinha. Nada que se comparasse àquele objeto falador como um corno.

O vigia parecia ser gente boa. Disse-nos que era dia de folga por causa do feriado e os petroleiros só retornariam ao trabalho na segunda-feira. Falou para voltarmos na outra semana que teríamos quantos rolimãs quiséssemos. Infelizmente, ele era apenas um simples vigia e não poderia retirar nenhum material de lá de dentro. Perderia o emprego se fizesse isso.

Pedimos água, bebemos, demos meia-volta, volver. Jesus decidiu cortar caminho: voltaríamos por dentro do mato, em diagonal, até cruzarmos com a estrada, adiante. Andamos rápido pela caatinga, usando a caixa d’água do acampamento como referência. Uma hora depois perdemos a caixa d’água de vista e não havia nenhum sinal da estrada. Que rumo tomar?

– Estamos perdidos! – falou Pedro.
– A caipora nos pegou – vaticinou Jesus, materializando nosso medo. A caipora era um bicho tinhoso, gostava de pregar peça em quem adentrava seus domínios sem lhe levar presentes, principalmente dia de sexta-feira ou feriado. E era sexta-feira e feriado. Sua ação seria intensificada. Havia relatos de caçadores atacados pela caipora que perderam o rumo para sempre e viviam andando a esmo pela mata, sem encontrar o caminho de casa.

– Alguém trouxe fumo?
– Quem ia dar fumo pra criança, Jesus? – perguntei.
– E fósforo? Alguém trouxe fósforo?
– Nós viemos buscar rolimã e não fazer fogo – falou Pedro.
– É que Chico Caçador me disse que na falta do fumo a caipora aceita fósforo como presente. É pra acender seu cachimbo. Ou então cachaça.

Não havia fumo, não havia fósforo, não havia cachaça, muito menos comida. A sede começava a apertar.

– Vamos voltar pro acampamento – disse Jesus.
– E de que lado fica o acampamento?! – perguntamos.

O Sol estava a pino, sinal de que devia ser meio-dia. A caatinga é flora sem serventia, não é árvore nem mato. Caminhamos a esmo até encontrar uma árvore que nos deu sombra. Havia uns pés de murici e cambuí, carregados, e aplacamos um pouco a fome. Como eram frutinhas leitosas, acalmamos também a sede. Nossa esperança era de que já tivessem sentido a nossa falta lá na cidade e viessem atrás de nós. Nas atuais circunstâncias, uma surra seria bem-vinda.

Jesus e eu subimos na árvore até o topo para observarmos os arredores. Nenhum sinal da estrada; nenhuma indicação de que houvesse vivente naquele fim de mundo. Cabaú e Badego ameaçaram chorar, mas foram contidos por Pedro, que segurava um cacete. Jesus divisou um vulto à distância. Era gente ou a caipora? Observamos. Pelo chapéu na cabeça e o andar, era gente. Gritamos. Ouvimos nosso eco. Cabaú chorou forte e nós rezamos. Os anjos vieram em nosso socorro. Ouvimos a voz da Providência nos chamando:

– Pedro?! Cabaú?!
– Paiêêê!!!!!!!! – responderam.

Estávamos a dois passos da estrada e não vimos. Retornamos cabisbaixos, soturnos, mas felizes, apesar do sermão do nosso tio doer mais do que surra de cipó-caboclo. Por ser uma Sexta-feira Santa, não apanhamos, porém nunca mais pudemos brincar com Jesus.

quarta-feira, 31 de março de 2010

A Galopante Escalada do Medo

“Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços” – CDA

Por Cineas Santos


De Medo


Segundo os entendidos, o medo é o mais visível e palpável de todos os sentimentos. Faz-se sentir/notar nos olhos, na boca, no coração, nas pernas e, principalmente, nos intestinos. O homem, por ter consciência do perigo e da finitude, fez do medo permanente companheiro de jornada. Ainda assim, viver sob o domínio dele tem efeitos devastadores em nosso organismo. Deixemos, contudo, de filosofice, que o objeto desta arenga é o chão do chão.

Há 30 anos, juntei os caraminguás amealhados a duras penas e comprei um terreno numa área pouco habitada, nas imediações da Universidade Federal do Piauí. A rua não era calçada, faltava água com muita frequência, a iluminação era precária, mas os vizinhos (mucuras, bem-te-vis e camaleões) eram discretos e amistosos. Resolvi construir uma casa que, de alguma forma, me remetesse ao sertão do Piauí. Fiz um casarão de fazenda, com cumeeira alta, varandas amplas e até mourões para amarrar meus cavalos imaginários. Decidi que não me cercaria de muros. Finquei estacas, pus uma tela de arame e plantei uma bela trepadeira. As chuvas se encarregaram do resto: uma viçosa cerca viva me propiciava a sensação de morar no meio de uma roça. À noite, deitado em minha rede de caroá, sentia-me nas brenhas do sertão onde nasci. Como não gosto de ar condicionado, costumava dormir com as janelas abertas. O medo não me tirava o sono.

Tudo ia muito bem até o dia em que surpreendi, entre tufos de helicônias, um indivíduo que, tendo furtado o animal de estimação de um vizinho, escondera-se justamente no meu quintal. Por pouco, não me acusaram de acoitar bandidos em minha casa. A contragosto, resolvi construir um muro civilizado, se é que essa coisa existe. Um muro baixo, de tijolos aparentes, rústico e belo.

Em pouco tempo a rua ganhou novas edificações, calçamento, água e até rede de esgoto. Foi o suficiente para atrair os indesejáveis “visitantes” que, sem o nosso consentimento, apropriavam-se do que nos pertencia. Os vizinhos, apavorados, resolveram construir cercas elétricas. Assim, de um dia para outro, vi-me meio cercado, refém do medo dos outros. Não demorou muito para que eu descobrisse que, sem cerca elétrica no muro da frente, minha casa tornou-se o alvo preferencial dos larápios. Tentei resistir, mas acabei vencido pelos fatos. No ano passado, no meio da noite, dois pivetes – 14 e 16, respectivamente – entraram em minha casa, arrombaram meu carro e, por pouco, não me converteram em notícia ruim. Naquela noite os dois “visitaram” 8 casas, algumas delas cercadas de toda a parafernália vendida pela indústria do medo. O mais novo deles já foi detido 17 vezes. É inteligente, cínico e violento. Se necessário, barbariza, certo da impunidade que lhe garante o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cansado, vencido, acovardado, fui obrigado a “proteger-me” com cercas elétricas. Finalmente, tornei-me prisioneiro do meu próprio medo. A partir de agora, depositarei, mensalmente, aos pés do deus pavor, o meu dízimo.

O Poeta tinha razão: um dia “morreremos de medo/e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”

terça-feira, 30 de março de 2010

Semana Santa - Momento de Reflexão

Por Luiz Eudes


De Paixão de Cristo



Desde que me entendo por gente que ouço a minha avó Iná falar:

– Jesus morreu para livrar-nos do pecado. É verdade. Ocorre que alguns homens são maus e permearam novamente o mundo de pecados. E todos os anos é celebrada a Paixão de Cristo numa tentativa de nova remissão.

No arraial do Junco a comemoração da Paixão de Cristo é preenchida com celebrações de missas, confissões comunitárias, procissões pelas ruas da cidade e o acender de velas e badalar de sinos. Também há a encenação ao ar livre da Paixão de Cristo, com grande presença de público, que, ano pós ano, desde a primeira encenação nos anos 1980, vai às lágrimas com o calvário vivido por Cristo.


Este ano a minha filha Sarah, 13 anos, chegou a casa com a novidade de que irá participar da confissão comunitária promovido pelo novo sacerdote da Paróquia, embora eu duvide de que, com essa idade, tenha alguma pendência com o Divino. Os participantes da confissão comunitária ficam obrigados a participar de todos os eventos religiosos da comunidade.

A Semana Santa é o momento oportuno para comungarmos com nosso próprio eu, nessa busca incansável da remissão dos pecados e do combate sem trégua aos nossos conflitos interiores.

Portanto, seguindo os passos daquele que veio para salvar o mundo, desejo aos leitores do blog Onde Canta a Acauã, principalmente aos da minha terra, uma semana de intensa reflexão, culminando com uma feliz Páscoa.


N.A. – Quero render homenagem aos meus tios Fernando – in memoriam – e Antonieta, pioneiros na encenação da Paixão de Cristo.

domingo, 28 de março de 2010

Sobre Pessoas - 12


Blues para Cortázar

(E para o saxofonista Rodolfo Novaes)

Do livro de crônicas "Sobre Pessoas", do escritor Antonio Torres



Ele não foi um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones. Pertencia a outra geração. Adorava mesmo era Duke Ellington, Louis Armstrong, os velhos cantores de blues. E podia ficar horas a fio falando de Thelonious Monk. Isso desde que ouviu no rádio, pela primeira vez, uma estranha música ainda desconhecida nas suas bandas.

Não custou a perceber que o que o encantava nessa música era o fenômeno maravilhoso que constitui a sua essência: a improvisação. Mas, no começo desta história, o garoto tornou-se apenas um chato, aos ouvidos da família. Porque ele só sintonizava o rádio num programa que tocava a tal música. O que dava sempre em briga. Seus pais detestavam aquela coisa de negros. Queriam ouvir mesmo era um tango, música de brancos. Afinal, estavam na Argentina.

O garoto cresceu, foi embora e se tornou um dos escritores mais importantes do mundo. E nunca perdeu a sua paixão pelo jazz. Sorte dos seus leitores. Uma de suas melhores histórias é uma viagem em torno do coração e mente, corpo e alma de um saxofonista drogado – e genial. Que soprava o seu instrumento como se quisesse querendo arrebentar o mundo, a música – toda a música havida antes dele – e a si mesmo.

O conto se chama O perseguidor. Nele, Júlio Cortázar mergulha em águas pouco navegadas até o fundo da esquizofrenia de um artista de gênio, a apostar corrida com a loucura e a morte. Era mais um daqueles negros fantásticos que enchiam de calor as noites de Paris. Só que este tinha toda a pinta de um Charlie Parker, a quem a história é dedicada. Logo, não era apenas mais um.

Tudo isto vem a propósito de um livro publicado no Brasil pela Editora José Olympio, em tradução de Eric Nepomuceno. Trata-se de O fascínio das palavras, que reúne entrevistas de Júlio Cortázar ao uruguaio Omar Prego. Para este leitor, o livro se torna ainda mais fascinante quando ele fala de jazz, da sua relação com a literatura, aquela coisa da escrita automática, de improvisação da escrita, do jazz como o equivalente ao surrealismo nas letras, do swing que pode dar ritmo a uma frase capaz de entrar no leitor por via subliminar, atingindo sua inteligência sem que ele perceba. E mais: um conto tem que chegar ao fim como chega ao fim uma grande improvisação de jazz ou uma sinfonia de Mozart. E assim o contista vencerá o leitor por nocaute.

Por essas e outras é que achei que havia qualquer coisa de O perseguidor no filme Round midnight (Por volta da meia noite), do franco-suíço Bertrand Tavernier. Tanto quanto senti a falta desse conto no filme Bird, de Clint Eastwood, que conta a história de Charlie Parker.

Júlio Cortázar não chegou a vê-los. Ele morreu em 1984. E perdeu dois bons momentos de jazz no cinema. Mas muitos de seus leitores ainda continuam por aqui. Nem que seja para ouvir um blues em sua homenagem.




quinta-feira, 25 de março de 2010

O Foguete e as Lágrimas



De Queima de Judas



Era um cavaleiro solitário. Ideologicamente solitário. Em tempos que vereador prestava juramento de fidelidade, não aos poderes, mas aos mandatários constituídos, ter cisma ideológica era crime contra a moral e aos bons costumes e o pseudocriminoso se tornava um pária, estigmatizado socialmente para todo o sempre.

Dizia-se que ele era um comunista de carteirinha, desgarrado da Coluna Prestes, infiltrado pelos cossacos para perverter a pacata gente da terra, embora ninguém ali, salvo umas duas exceções, soubesse o que era ser comunista, muito menos cossaco, e pior ainda, Coluna Prestes. Não acreditava em santo e comia carne na Semana Santa, justificavam-se, assim, seus detratores. Podia ser muçulmano ou judeu, ter outro preceito religioso, mas ali, naquele lugar, sob a influência do padre, judeu, muçulmano e comunista era tudo uma coisa só: o AntiCristo.

Chamava-se José Jacinto de Melo, primeiro oficial de cartório do distrito de Sátyro Dias, vereador no raiar do novo município, mas não entrou para história pelos seus feitos cartoriais, pela sua falta de Fé ou pela sua atuação política (que não se sabe se foi boa ou ruim). A história, que se conta, reservou um lugar nos seus anais para o Mestre Zezito Fogueteiro, o pirotécnico, reverenciado até hoje, principalmente nas noites de junho, e o povo mais antigo chora sua falta no Sábado de Aleluia.

O judas, em Sábado de Aleluia, de Zezito Fogueteiro, iniciava o espetáculo no cair da tarde, em desfile apoteótico pelas ruas da cidade, montado no jegue Cemirréis, acompanhado de dezenas e dezenas de crianças e adolescentes, que diziam impropérios contra o famigerado traidor de Cristo. Vestido a caráter, de paletó, gravata e chapéu, depois de concluída a volta olímpica, era pendurado no cadafalso (que ficava embaixo do tamarindeiro existente perto do Mercado) à espera de sua sentença, que vinha após a leitura do seu testamento, um primor de irreverência e sátira aos homens notórios da cidade. Ninguém escapava da “herança” do judas, nem mesmo o padre e o prefeito. Milhares de pessoas se aglomeravam em volta de um caminhão, improvisado como palanque, para se divertir com a leitura do testamento, que era escrito em quadras: “Para o meu amigo Prefeito/ como não tenho o que deixar/ Deixo a minha vassoura/ Para a cidade ele limpar”. Eram versos picantes e divertidos, que levavam de uma a duas horas para seu desenredo final.

Feita a leitura do testamento, o povo corria para a calçada da igreja para se deliciar com o espetáculo que viria a seguir. Por questão de segurança, e também de perícia técnica, o judas era aceso à distância, da calçada da igreja, onde havia uma estaca enfiada na terra e dela saiam dois fios de arame até o umbigo do judas. Em cada um dos fios existia um foguete luminoso, que ficava em extremidades opostas; o primeiro rojão a ser aceso era o da igreja, que corria pelo arame até o cadafalso, acendia o outro foguete, que retornava para a igreja, e o pavio que desencadeava a queima dos fogos no corpo do judas. O primeiro foguete era chamado de “gato”; o segundo, de “gato de resposta”. O ir e vir por si só já era um espetáculo multicolorido. Após a chegada do foguete “gato de resposta” à estaca da igreja, se iniciava a queima do judas, com as bombas explodindo em série, soltando fogo e fumaça da barriga, gerando um espetáculo de puro êxtase visual, transformando o Sábado de Aleluia em verdadeira manifestação de congraçamento cristão. Vinha gente de outras cidades assistir ao espetáculo. O povo da roça comparecia em massa, contentando o padre, que no dia seguinte teria os óbolos consideravelmente aumentados.

Apagadas as chamas da glória (ou o fogo justiceiro dos vingadores de Cristo), tudo voltava a ser como antes, no quartel de Abrantes. Zezito Fogueteiro, ou José Jacinto de Melo, tão amado e admirado, retornava à odisséia de ser o proscrito solitário Cavaleiro da Esperança, sem coluna e sem seguidores, porém seus foguetes rasgavam o breu da noite seguinte, em estouro de bombas de “resposta” ou em chuva de lágrimas policromáticas, em anunciação da Ressurreição de Cristo.

- Judas morreu!
- O cavalo é teu!


Crônica extraída do livro "Arraial do Junco: Crônica de sua existência", deste escriba que vos fala.




quarta-feira, 24 de março de 2010

Pelas Ruas Que Andei...





Por Edna Lopes







Conhecer uma cidade requer certo envolvimento, disposição. Confesso, não sem remorso, que Curitiba nunca esteve na minha lista de prioridades. Não dá para explicar, mas quem sabe foi pelo distanciamento com minha realidade imediata ou talvez temesse a falta de calor humano como era descrita. “Curitibanos não falam com estranhos”, diz-se à boca pequena...

Como um encontro de amor que se adia para que aconteça em grande estilo, eis que a oportunidade surge e parece que estive ali a minha vida inteira. Recebeu-me calorosa, não só pelos 29 graus da chegada, mas pela recepção dos amigos, os queridos Luiz Andrioli e sua Lóis e a maravilhosa família da querida Rita Jankowski, sua irmã Ana Silvia, sua mãe Lili e o lindinho do Manjericão que tornaram meus dias e noites na bela cidade, inesquecíveis.

Dia desses desabafei numa crônica a minha indignação e tristeza com o centro da minha cidade, Maceió, a capital das Alagoas. Lembrei o espaço urbano como um espaço que também educa e que, infelizmente, estamos longe de qualquer coisa assim parecida.

Destaco aqui que Curitiba educa. Transpira lições de cultura e Arte, meio ambiente preservado, convívio respeitoso com o tradicional e o moderno. Educa e emociona pela beleza de suas calçadas e praças, pelo colorido de suas flores, dos seus parques e monumentos. Alegria enorme em relembrar o Jardim Botânico, a Universidade Livre do Meio Ambiente e a Ópera de Arame, símbolos de uma cidade que certamente tem problemas, mas encanta.

Educa e impressiona pela simplicidade de seu cotidiano de cidade grande que não perdeu o charme, a leveza, o encanto. Alguns nomes de bairros de Curitiba - Bigorrilho, Juvevê, Bacacheri , só para citar alguns - são gostosos de pronunciar com ou sem sotaque. Um destaque para Santa Felicidade e seus restaurantes e para os ótimos cafés por toda a cidade.

Andar pelas ruas de Curitiba é reconhecer, nos detalhes, a influência das várias culturas que as construíram. São alemães, poloneses, ucranianos, italianos, japoneses, entre outros, que marcam presença na arquitetura, na culinária, no jeito de ser curitibano.

Sem contar que, a cada passo, ficava imaginando se encontraria um certo vampiro... não encontrei, mas fiquei sabendo de certa livraria em que, silencioso, frequenta e recebe cartas de leitores.

É. Conhecer uma cidade requer disposição, envolvimento. Garanto que tive os dois e mais: excelentes companhias, gente boa e amorosa que abriu o sorriso e o coração para me acolher, para me mostrar pedacinhos e contar histórias dessa cidade que só quem vive e ama sabe. E eu agradeço cada emoção, cada alegria tatuada na alma pelas ruas que andei.

E, pra variar, selecionei umas fotos. Lugares especiais, pessoas mais que especiais. O que meu olhar viu e se encantou, o seu pode ver também. Obrigada a minha linda amiga Rita pela parceria nas fotos, por generosamente partilhar a casa, os sonhos, a vida. Meu convívio com a família de Luiz e a sua me fez relembrar, emocionada, uma frase atribuída a Vinícius de Moraes : “A gente não faz amigos; reconhece-os.”



terça-feira, 23 de março de 2010

O fim de todos os milagres

Por Cineas Santos




Tenho um amigo estúrdio, especialista em engendrar teses de difícil comprovação. Uma delas: “A morte é má, invejosa e burra: leva primeiro os melhores”. Como não tenho comércio com a morte, falta-me autoridade para contestá-lo. De qualquer forma, passei a prestar mais atenção nas tiradas do cidadão depois que a indesejada das gentes, no mesmo dia, de uma foiçada, subtraiu-me dona Purcina e Paredão, duas das pessoas que mais amei na vida.Eu teria acompanhado os dois , “sem saudades, pena ou ira”, como queria Faustino no poema “Romance”. Mas a vida tem o seu próprio curso como um rio sinuoso que desemboca no desconhecido.

Na semana passada, a iniludível contribuiu para dar alguma credibilidade à teoria do meu amigo maluco: num curto espaço de tempo, privou-nos das presenças luminosas de Glauco Vilas Boas e Totó Barbosa, dois homens bons. Do primeiro já se disse quase tudo: jornalista, músico, compositor e cartunista, criou uma galeria de personagens que, de tão neuróticos e desajustados, parecem reais. Geraldão, Dona Marta, Zé do Apocalipse, Edmar Bregman, Faquinha, Cacique Jaraguá, para citar apenas os mais conhecidos, fazem parte do nosso dia a dia. Sem eles, o Brasil ficou mais pobre e mais triste. Glauco foi sacado da vida, aos 53 anos de idade, vítima de um alucinado que, dentro de uns cinco anos, no máximo, estará, outra vez, nas ruas, pronto para barbarizar.

Melhor sorte teve Antônio Barbosa de Miranda, o nosso Totó Barbosa, que viveu intensamente 90 anos e saiu de cena suavemente, cercado de filhos e amigos. Fotógrafo, político e cantor, Totó foi acima de tudo um boêmio alegre, um seresteiro que enchia de beleza as noites de Teresina no tempo em que a cidade não precisava de “toque de recolher” para dormir sossegada. Gostava de Dick Farney, de Orlando Silva, de Sílvio Caldas, de Nelson Gonçalves, ou seja, gostava de quem efetivamente cantava. Sem ele, Teresina perde muito do seu encanto provinciano.

Tive a felicidade de conhecer os dois: o Glauco, a quem só vi uma vez, me pareceu um puro de espírito, um homem que acreditava na redenção da espécie humana. Não por acaso, fundou a igreja Céu de Maria, ligada ao Santo Daime. Quanto ao Totó, aprendi a admirá-lo desde os tempos heróicos da velha Difusora. Vivia sempre cercado de amigos, contando histórias, bebendo, gozando a vida. Seu maior legado: uma família honrada, bonita, na qual se destaca Luíza Miranda, uma das mais belas vozes da MPB. Coube a ela, com serenidade e competência, dar um toque de beleza ao sepultamento do velho no São José, cantando “A noite do meu bem” e “Manhãs de Carnaval”, as canções preferidas do Totó. Emocionados, os amigos aplaudiram. Despedida digna de um seresteiro.

Na hora, lembrei-me de que, certa feita, resolvemos homenageá-lo na Oficina da Palavra. Totó, feliz, me chamou ao palco e dedicou-me uma canção que falava de cabelos grisalhos e o fez acariciando-me a carapinha branca, num gesto paternal e afetuoso. Glauco e Totó personificavam a palavra beleza. Permitam-me, portanto, usar o velho clichê: a vida perdeu duas belas figuras humanas. Talvez seja oportuno repetir Bandeira: “Tudo é milagre. / Tudo, menos a morte. / Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres”.




segunda-feira, 22 de março de 2010

III Encontro Nacional dos Conselhos de Educação, rumo à CONAE 2010

Por Edna Lopes

De III Encontro Nacional dos Conselhos de Educação



"A esperança me chama
e eu salto a bordo como se fosse a primeira viagem.
Se não conheço os mapas, escolho o imprevisto:
qualquer sinal é um bom presságio.
Seja como for, eu vou, pois quase sempre acredito:
ando de olhos fechados feito criança brincando de cega.
Mais de uma vez saio ferida, ou quase afogada,
mas não desisto.
A dor eventual é o preço da vida:
passagem, seguro e pedágio."
Ônus- Lya Luft

A linda Curitiba sediou a primeira reunião de 2010 da coordenação nacional da UNCME e o III Encontro Nacional de Conselhos de Educação. Daqui a alguns dias acontecerá a I Conferencia Nacional da Educação (CONAE) e muitas questões que dizem respeito a este segmento precisavam de encaminhamentos. O regime de colaboração, uma de nossas bandeiras, dá seus primeiros passos em iniciativas que refletem a preocupação do Conselho Nacional, dos Conselhos Estaduais e das representações dos Conselhos Municipais com os destinos da educação do país.

Todos e todas presentes ao encontro, delegados e delegadas para a CONAE voltam com uma tarefa a cumprir: se preparar para os exaustivos dias da CONAE conscientes das propostas que defenderemos certos de que uma Educação com qualidade social não se constrói sem conflitos. Durante o encontro foram escolhidos entre os delegados dos conselhos estaduais e municipais para que, durante a conferencia, nas plenárias de eixo, pudessem atuar como articuladores. Coube-me representar a UNCME no eixo VI (Eixo VI - Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade), visto que, por afinidade e atuação, transitei neste eixo em todas as etapas preparatórias da conferência. Que prevaleça o bom senso e que os interesses e direitos da população sejam preservados e atendidos.

Como coordenadora estadual da UNCME-AL, coube-me também a honrosa responsabilidade de representar a UNCME Nacional para o exercício 2010 na CNAEJA - Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos- do MEC / SECAD. Espero que a minha atuação no Fórum Alagoano de Educação de Jovens e Adultos seja a credencial para um bom trabalho na comissão.

Disponibilizo o pacto firmado entre as 03 representações de conselhos no II encontro Nacional em Brasília, novembro de 2009 e ratificado neste III encontro. Pacto este ratificado também como compromisso dos conselheiros delegados conselheiros à CONAE.

OS DEZ MAIORES DESAFIOS DA EDUCAÇÃO NACIONAL

*Universalizar o atendimento público, gratuito, obrigatório e de qualidade na educação infantil, no ensino fundamental de nove anos e no ensino médio;

*Implantar o sistema nacional articulado de educação, integrando, por meio da gestão democrática, os planos de educação dos diversos entes federados e das instituições de ensino, em regime de colaboração entre a união dos estados, o distrito federal e os municípios, regulamentando o artigo 211 da constituição;

*Extinguir o analfabetismo, inclusive o analfabetismo funcional, do cenário nacional;

*Estabelecer padrões de qualidade para cada nível, etapa e modalidade da educação, com definição dos componentes necessários á qualidade do ensino, delineando o custo-aluno-qualidade como parâmetro para o seu financiamento;

*Democratizar e expandir a oferta de Educação Superior, sobretudo da educação pública, sem descuidar dos parâmetros de qualidade acadêmica;

*Assegurar a Educação Profissional de modo a atender as demandas sociais e produtivas locais, regionais e nacionais, em consonância com o desenvolvimento sustentável e solidário;

*Garantir oportunidades, respeito e atenção educacional as demandas específicas de: estudantes com deficiência, jovens e adultos defasados na relação idade-escolaridade, indígenas, afro-descendentes, quilombolas e povos do campo;

*Implantar a escola de tempo integral na educação básica com projetos políticos pedagógicos que melhorem a prática educativa, com reflexos na qualidade da aprendizagem e da convivência social;
*Ampliar o investimento em educação pública em relação ao PIB, de forma a atingir 10% do PIB até 2014;

*Valorizar os profissionais da educação, garantindo formação inicial, preferentemente presencial, e formação continuada, além de salário e carreira compatíveis com as condições necessários a garantia do efetivo exercício do direito humano á educação.

domingo, 21 de março de 2010

A CONCILIADORA




A assembléia era dinamite prestes a explodir: ânimos acirrados, punhos cerrados, bandeiras vermelhas desfraldadas e muita palavra de ordem. Todo mundo falava; ninguém escutava. Parecia a executiva do PT em deliberação.

Não era. Tratava-se de uma simples reunião de pais e mestres, cuja monotonia fora quebrada pela mãe de um aluno que acusava uma professora de ter destratado seu filho. Destratado não: o-fen-di-do! Simplesmente chamou o seu pimpolho de burro. Burro era ela, a mãe dela, e toda sua família. Se tivesse filhos, eram burros também; se não tivesse, seriam quando nascessem.

A turma do deixa disso tentava apaziguar, enquanto outra turma queria ver o circo pegar fogo. A Secretaria Municipal de Educação enviou um dos seus melhores técnicos pedagógicos, especialista em apaziguar ânimos aguerridos, mas ofensor e ofendido não queriam acordo, era guerra declarada, salvasse-se quem pudesse. Daquela reunião teria que sair um cadáver, se possível, dois. Guerra é guerra e só ganha quem manda mais torpedo:

– O que você me diz de uma professora que chega na cantina da escola destampando as panelas, hein? – indagou a mãe do aluno ofendido.

– É uma mal-educada! Muito mal-educada! – respondeu a técnica, jogando mais lenha na fogueira, mais gasolina no incêndio, pólvora no calor da explosão – Aliás, Rui Barbosa quando foi morar na Inglaterra, mandou fazer uma placa e colocou na sua porta, com os seguintes dizeres em letras garrafais: “ENSINA-SE INGLÊS AOS INGLESES”. Isso em Inglês, claro, pois lá na Inglaterra ninguém fala Português.

– Rui Barbosa escreveu isso? – perguntou a mãe aguerrida, duvidando que o seu vizinho, Rui Barbosa, tivesse escrito tal placa. Aquilo era um vagabundo.

– Claro! E se não escreveu, devia ter escrito!

A furibunda mãe se acalmou. Não sabia que o inútil do seu vizinho, que vivia lhe paquerando, falava Inglês e, principalmente, havia morado na Inglaterra. Mas se a professora afirmava, então era verdade. Quem poderia saber mais das coisas do que a professora? Rui Barbosa, aquele cachaceiro imprestável, que se cuidasse.

Assim, sem falar coisa com coisa, a conciliadora celebrou a paz entre as beligerantes.

sábado, 20 de março de 2010

A Hospitalidade Curitibana: Sobre Pessoas 11




A minha companheira Edna foi a Curitiba, a trabalho. No fim da jornada ela teve que estender sua estadia por mais uns dias. Desta feita, a convite dos amigos Rita e Andrioli, ambos colaboradores deste blog, os quais se esmeraram em gentilezas. Edna virou hóspede de Rita, sua irmã Ana Silvia e D. Lili, mãe de ambas. Infelizmente a Ana virou a fotógrafa oficial e não pôde ser fotografada.

Edna voltou impressionada com a hospitalidade curitibana, principalmente desses amigos virtuais e que agora se tornaram reais. E, em homenagem a eles, o escritor Antonio Torres me pediu para pular a sequência das crônicas do livro Sobre Pessoas e publicar, hoje, uma que também faz parte do livro e que homenageia Curitiba.

Seu pedido é uma ordem, mestre. E o carinho alabahiano ao povo curitibano.



Na cidade do invisível Dalton Trevisan
Por Antonio Torres

Para Elisângela Alves

Tudo que sabia dela era de ouvir dizer. Coisas assim: que no fundo de cada filho de família dorme um vampiro, como o Nelsinho, o Delicado, ou o Dalton, o Contista, suplicantes de beijos das virgens - e de suas carótidas. Mesmo sendo refratários à luz do dia, tornam-se invisíveis, só para contrariar os bisbilhoteiros que a visitam na vã esperança de identificá-los. Quais seriam eles, entre aqueles encostados num balcão, de olho nas meninas que passam, sem lhes prestar atenção? Se é isto o que você quer saber, pode ter certeza de que perdeu a viagem. No entanto, acredite: bem diante dos seus olhos, um deles estará às raias do êxtase, ante a esplêndida visão de uma viúva que acaba de sair de um carro: ''Ela está de preto... Repare na saia curta, distrai-se a repuxá-la no joelho. Ah, o joelho... Redondinho de curva mais doce que o pêssego maduro. Ai, ser a liga roxa que aperta a coxa fosforescente de brancura. Ai, o sapato que machuca o pé. E, sapato, ser esmagado pela dona do pezinho e morrer gemendo. Como um gato!''.

Impossível não associar Curitiba ao ritual de seus pequenos vampiros, súditos de Onã, priápicos inofensivos a enxugar conhaques, para afogar os dissabores de uma adolescência espinhenta. Ou a um humorístico jogo de palavras que certamente lhe soa tão espirituoso quanto incômodo: ''Ritiba quer dizer 'do mundo'''. E ainda à definição que lhe cunhou a roqueira Rita Lee: ''Uma cidade arrumadinha, bonitinha, com uma gente educadinha''. Só que esta cidade, justa ou injustamente reduzida a diminutivos, é uma das que mais crescem no país.

Fiz um bordejo por lá, a convite da Confraria da Palavra. Palestras. Na PUC-PR e numa simpática Feira de Livros na Praça Osório. Quando cheguei, Carlos Heitor Cony já tinha pegado o avião de volta. Logo outro carioca talentoso, o Fernando Molica, deu o ar da sua graça para um reforço à programação cultural do evento e, a bem dizer, preencher um pouco a lacuna deixada pelo experiente Cony.

Para mim, foi como ir a Roma e não ver o papa, pois Dalton Trevisan, o sumo pontífice das letras paranaenses, ficou famoso também pela invisibilidade. Recluso sistemático, não se sabe se o ermitão Dalton existe ou é ficção. Modo de dizer. Miguel Sanches Neto, um novo valor que se alevanta no Sul, uma vez me garantiu que costuma bater em seus umbrais, e que ele lhe abre a porta, numa prova inequívoca de que sua existência é real, embora escondida a sete chaves da curiosidade pública.

Esse ourives de palavras - um gênio minimalista - foge do assédio como o diabo da cruz. E nisso faz lembrar o finado Scott Fitzgerald, quando dizia que não podia suportar a visita de celtas, ingleses, políticos, estrangeiros, virginianos, lojistas, intermediários em geral, todos os escritores (evitava os escritores com o maior cuidado, porque eles podem perpetuar a agitação e o desassossego melhor do que ninguém) - e todas as classes como classes, a maioria delas pelos seus membros...

Seja lá qual tenha sido o motivo, o certo é que o criador de O vampiro de Curitiba não foi à feira. Ainda assim, a praça atraiu de poetas a loucos. Nenhum dos autores convidados conseguiu causar mais impacto do que uma mendiga. Esta roubou a cena diante de uma mesa de autógrafos, ao bradar, insistentemente: ''Senhor vereador, eu quero uma saia nova!''. Acabou sendo tratada respeitosamente. Aí dei razão a Rita Lee: em Curitiba há uma gente bem educada, sim senhora!

sexta-feira, 19 de março de 2010

O que tem de ser, será

Por Cineas Santos


De O poeta Da Costa e Silva


Foto: http://dacostaesilva.vilabol.uol.com.br/index.htm


José Mindlin de saudosa memória, com a autoridade de quem construiu uma biblioteca com mais de 40 mil volumes, definia sua paixão pelos livros como uma “loucura mansa”. Certa feita, o milionário paulista voou do Brasil a Paris para arrematar, pela “bagatela” de 4 mil dólares, a primeira edição de O Guarani, de José de Alencar. Com dinheiro, paciência e paixão, tornou-se o mais famoso bibliófilo do país, fato que lhe abriu as portas da Academia Brasileira de Letras. Num rasgo de generosidade, doou sua magnífica biblioteca à Universidade de São Paulo. Um belo gesto.

Sem a fortuna de Mindlin, mas movido pela mesma paixão e com ardente paciência, venho gastando minha vida na labuta diária de ler, editar, vender e doar livros a mancheias, como queria o Poeta. Curiosamente, só li meu primeiro romance aos 17 anos de idade, quando já poderia ter lido os clássicos da literatura universal. É que na minha aldeia os livros eram tão raros quanto as chuvas. A água que não bebi já não me faz falta; quanto aos livros... Mas vamos ao que ensejou esse arremedo de crônica. Embora não seja um bibliófilo, tenho um punhado de livros raros. Um deles, uma verdadeira preciosidade. Vejamos como este livro chegou-me às mãos.

Em 1982, em parceria com M. Paulo Nunes, editei a Antologia Poética de Da Costa e Silva, organizada pelo próprio autor, pouco antes do seu silêncio. Por incrível que pareça, foi o primeiro livro do nosso poeta maior editado no Piauí. Alberto da Costa e Silva, filho de Da Costa, ficou felicíssimo e veio prestigiar o lançamento da antologia em Teresina. Acresce que, pouco tempo depois, denunciei, na televisão, o furto de algumas peças raras na Casa Anísio Brito, onde funcionavam o arquivo e a biblioteca pública. O então secretário de cultura, em vez de mandar apurar os fatos, limitou-se a tentar desqualificar-me. Como a denúncia procedia, o cidadão resolveu vingar-se de mim da forma mais abjeta e rasteira: proibiu-me de participar da organização das festas alusivas ao centenário de nascimento do poeta, em 1985. Fiquei quieto no meu canto.

Para comemorar a efeméride, o governo do Piauí mandou editar 200 exemplares da obra completa de Da Costa e Silva, em papel vergé, com capa dura e fino acabamento. Os exemplares autografados pelos editores e numerados de 001 a 200, destinavam-se, naturalmente, às altas autoridades da República. Pois sem sair do meu canto, o exemplar 001 veio cair em minhas mãos sem que eu movesse uma palha. Como sói acontecer em tais circunstâncias, no açodamento, alguns exemplares da obra acabaram esquecidos numa caixa nos porões da secretaria de cultura. Com a mudança de governo, os livros, como entulho descartável, foram atirados às traças. Eram apenas cinco exemplares e o mais raro deles, o nº 1, foi-me doado por um servidor humilde, que não tinha a menor ideia do valor do presente. Ao abrir o livro, limitei-me a dizer: Obrigado, meu Poeta. O cidadão sorriu e disse: “O professor tem cada uma” e retirou-se sorrindo. Não faltará quem diga: “ pura coincidência”. Eu e o Poeta sabemos que não.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Amor em Paris - Cláudia Magalhães




De Paris


Clara está no tempo dos amores mal curados, onde o gozo é controlado por um anjo ou demônio, e este ou aquele, deitado a seu lado, com a mão esquerda torna febril e trêmula a sua fenda e com a direita injeta em sua mente doces recordações do passado, paralisando-a por completo.

É meia-noite. Há horas, ela permanece imóvel em sua cama, lugar onde dormiu por seis anos com um amor que, por ingratidão e egoísmo, há uma semana não está mais ali. Algo difícil demais para se compreender e que tornam loucos os que andam pela terra.

Ela leva a sua mão em forma de concha até o sexo, pois é assim que rezamos para o amor, e sonhando com os míseros segundos em que tocaria as estrelas, tenta acariciar sua lua úmida até ela tornar-se, novamente, seca, fazendo girar mais rápido o mundo, mas as lembranças do passado estrangulam seus dedos, enchendo-os de verrugas e vergonha.

A enorme vontade de tê-lo, de possuí-lo, a faz perder o juízo. Vou à Paris. Vou em busca de Vinícius!, pensa. Segundos depois, ela enfrenta descalça as ruas desertas e o frio da madrugada, usando apenas seu vestido longo, florido e que, por vezes, usava como camisola. Seus gritos entram pelas frestas das portas e das janelas quebrando o silêncio que comanda a decência. Quando um ou outro a pergunta, O que aconteceu, mulher?, ela responde, Vou à paris. Vou em busca de Vinícius!, e segue andando pelas ruas do outro lado do mundo como se fosse a dona delas. Pergunta à todos os que cruzam seu caminho por um homem alto, barbudo e grisalho e diante do silêncio ela responde, Ele está em Paris! Ele está me esperando em Paris! E segue falando da importância das mãos, pois nelas moram as vontades mais urgentes, falando da imensidão do mundo e do desejo que tinha com o homem amado de morar na Cidade dos Sonhos, para novamente, falar das mãos e do desejo, repetindo, incansavelmente, as mesmas palavras. Tenta, por vezes, se calar e escutar as histórias sem pé nem cabeça dos homens, mas ela tem pressa em se livrar dos sofrimentos da vida e segue sem escolher o caminho e sem saber ao certo quem ela é, molhando os pés na lama acreditando que é o mar, vivendo de esmolas, bebendo cachaça ou conhaque, pedindo a benção a Deus que segurando-lhe o juízo não precisa fingir que lhe deu, até adormecer nos bancos das praças ou nas portas das igrejas e sonhar voando.

Uma hora depois que ela partiu, Vinícius, arrependido de mais uma vez tê-la abandonado, entra no apartamento. Vou pedir perdão e milhões vezes milhões de vezes direi que a amo e nunca mais a farei chorar!, pensa procurando-a com o peito sufocado pela saudade, mas é tarde demais.

Ele a encontra no quarto com a alma liberta. Ora caminhando como uma rainha, ora curvando-se e implorando coisas ao vento. Minha carne foi criada do pó impuro. Meu cérebro, uma grande duna, com a memória e os desejos dos ventos, encheu com o mel do mundo e com os ferrões das abelhas o meu sangue, que de tanto morrer, gerou em meu peito um enorme coágulo chamado coração. Uso salto, quero meus pés com gosto de rua na direção dos abismos. Há muito tempo, o amor me ensinou a cair, agora quero aprender a voar, diz olhando para ele, mas nada vê. A sua carne está acorrentada pelas vontades de sua alma, que cansada de sofrer liberta-se de si mesma, vai à todas as partes do mundo e confunde-se com outras. Desatenta e livre, muda de vontade de uma hora para outra, se reinventa a todo instante. Suas pernas encontram becos escuros, lama, sargaço, o mar e a imensidão das águas, enquanto sua cabeça de lua abraça o Cruzeiro do Sul, a Ursa Maior, as Três Marias, e não somente elas, mas toda a constelação. Múltipla, infinda, ela é a dama, a mendiga, a poeta, a vítima, a algoz, a que ri e chora ao mesmo tempo. Ela é Clara, a sua Clara! Ele observa a mulher que ama, que partiu sem volta para a cidade dos sonhos, deixando em seu peito uma chuva que nunca vai parar e os seus olhos enchem-se de lágrimas.

segunda-feira, 15 de março de 2010

O Centro das nossas desatenções

Por Edna Lopes


De Centro de Maceió



Quando qualquer morador ou visitante da cidade de Maceió, capital das Alagoas, tem necessidade de se dirigir a alguma rua do centro da cidade, em especial as que margeiam o centro comercial, passa por uma série de obstáculos. Precisa estar mesmo necessitando ou imbuído de espírito aventureiro, pois enfrentará desde ruas esburacadas, calçadas idem, esgoto a céu aberto, lixo por todo lado, mau cheiro, meninos e meninas visivelmente drogados e pedintes que se misturam aos trabalhadores da economia informal, que lotam as calçadas com seus produtos.

E o mais grave: se a “aventura” for à noite, colocará sua vida em risco, pois, como um cenário de filme de terror, a Maceió central é a imagem do abandono, do descaso. Além dos problemas já citados, trechos completamente às escuras e nenhum tipo de segurança. Enfim, um lugar que desestimula o convívio. Deseduca.

Esta semana, saindo de uma atividade de trabalho, quase ás 18h, tive a infeliz ideia de voltar para casa de ônibus, como o faz boa parte da população que trabalha e estuda naquela área. Confesso que o trajeto de menos de 500 metros se multiplicou por mil e tive que falar sério com o meu Anjo da Guarda.

Confesso também que, mais do que assustada, fiquei indignada com o quadro lamentável de desrespeito aos moradores e comerciantes daquele bairro. Francamente, nem cenário de filme de quinta categoria é de tanta decadência. E os que certamente vão querer me lembrar que aquela área está assim por conta da obra do VLT (veículo leve sobre trilhos), não perca seu tempo, pois há dois anos vivi situação semelhante vindo da Rua das Árvores até o Teatro Deodoro, no mesmo horário.

Os bairros centrais de todas as cidades são recheados de historia, de memórias afetivas. O traçado das ruas, os monumentos, os tipos populares e Maceió não é diferente, porém a desatenção é tão gritante que a gente custa a acreditar que os órgãos competentes para cuidarem dessa e de qualquer situação relativa à infraestrutura da cidade sejam tão incompetentes.

E, pensando em educação, em espaços que educam, o que pode oferecer como espaço educativo um bairro que é um escombro? Como as escolas poderão se utilizar pedagogicamente de lugares assim, tão deseducados, tão sem infraestrutura, tão feios e tristes?

A quem interessar possa, em especial as autoridades, Maceió não é só praia, que não são lá essas coisas de bem cuidadas. Certamente os moradores que suportam esse estado de desatenção e desrespeito recebem em suas casas o CARNÊ DO IPTU e pagam suas taxas e outros impostos.

Nota da Autora: O CENTRO DAS NOSSAS DESATENÇÕES (cantos do Rio) é título de um livro do escritor Antonio Torres sobre o Centro do Rio de Janeiro, pela editora Relume Dumará, 1996. Autor premiado, com várias edições no Brasil e traduções em muitos países, Antônio Torres é um dos nomes mais importantes da sua geração, com um obra expressiva que abrange 11 romances, um livro de contos, um livro para crianças, um livro de crônicas, perfis e memórias, além de dois projetos especiais (O centro das nossas desatenções, sobre o centro do Rio de Janeiro - e que rendeu um documentário para a TV Cultura, São Paulo -, e O circo no Brasil, da série História Visual, da Funarte, Fundação Nacional de Arte)

“O que é uma cidade educadora?

É aquela que converte o seu espaço urbano em uma escola. Imagine uma escola sem paredes e sem teto. Nesse espaço, todos os lugares são salas de aula: rua, parque, praça, praia, rio, favela, shopping e também as escolas e as universidades. Há espaços para a educação formal, em que se aplicam conhecimentos sistematizados, e a informal, em que cabe todo tipo de conhecimento. Ela integra esses tipos de educação, ensinando todos os cidadãos, do bebê ao avô, por toda a vida.”

Resposta de Alicia Cabezudo – Educadora argentina para a SINAPSE da Folha

quarta-feira, 10 de março de 2010

TODOS OS SONS DA ALDEIA

Por Cineas Santos






É impossível saber que sonhos aninhavam-se na mente do menino Erisvaldo quando, encarapitado num jegue sestroso, percorria as veredas do Saco do Engano (hoje Santana do Piauí) onde nasceu. É possível que se contentasse em contemplar as aquarelas vivas produzidas pelas borboletas nos charcos d’água. É possível que sonhasse apenas com a fartura que os dedos das chuvas semeariam nos roçados. É possível que quisesse apenas saber o que se escondia depois do azul que se fundia ao cinza da caatinga... Mas um dia, Erisvaldo encontrou uma pequena cabaça de pescoço alongado, fez um furo no bojo e acrescentou uma liga de borracha, dessas de prender dinheiro. Nascia ali uma minúscula e tosca caricatura de violão. O menino fez vibrar as cordas daquele instrumento único e o som débil que produziu fez acordar Euterpe, deusa da música. Num átimo, sem que ele se desse conta, a música inundou-lhe a vida e o “condenou” a ser um dos maiores violonistas do Brasil.

Mas deixemos de literatice, que o objeto dessa arenga é outro: um comentário breve sobre a 6ª edição do Festival Nacional de Violão do Piauí (FENAVIPI), que se realizou em Teresina, entre os dias 25 e 28 de fevereiro do ano em curso. Para começo de conversa, hoje, o FENAVIPI é o maior festival de violão que se realiza no país. Quem o diz é Carlos Barbosa Lima, com a autoridade de quem conhece todos. Durante quatro dias, os amantes da boa música instrumental tiveram a oportunidade de ouvir, conviver e aprender com músicos do quilate de Tommy Emmanuel, Xufei Yang, Paul Galbraight, Fábio Zanon, Carlos Barbosa, Nicolas de Souza Barros, Roberto Corrêa, Henrique Annes, Nonato Luiz, Erisvaldo Borges, Franciel Monteiro, para citar apenas os mais famosos. Ao todo, foram 14 concertos, 8 oficinas e 4 shows, disputadíssimos, no Theatro 4 de Setembro. Acrescente a isso, o 6º Concurso Nacional de Interpretação Violonista, que acontece no decorrer do Festival, cujo vencedor, desta edição, foi o promissor Fábio Lima, de Curitiba.

As sementes do FENAVIPI foram lançadas em 1998 quando inauguramos o prédio da Oficina da Palavra e trouxemos a Teresina o violonista Turíbio Santos para “batizar” a casa. No rastro do mestre Turíbio, vieram Nonato Luiz, Toninho Horta, Hélio Delmiro, Guinga e outras feras. Pareceu-nos que estávamos estruindo talento com plateia pequena. Em 2004, decidimos criar o FENAVIPI, com dois objetivos: formar plateia para o consumo de música de qualidade e melhorar o nível dos músicos do Piauí. Em apenas três meses, organizamos e realizamos a primeira edição do festival, que já nasceu grande. Não falaremos das dificuldades para realizá-lo, por uma razão simples: quem tentou fazer algo parecido já as conhece; quem nunca tentou não vai acreditar. O certo é que, sob a batuta firme do Erisvaldo Borges, chegamos à 6º edição do FENAVIPI, com uma constelação de estrelas de raro brilho. Este ano, exageramos na dose, para alegria do público. Com o patrocínio da Prefeitura de Teresina, e apoio da FUNDAC e Casa do Cantador, fizemos o festival que a cidade merece. Quanto ao Erisvaldo Borges, se parasse agora (e não vai fazê-lo), já teria inscrito o seu nome na galeria dos grandes nomes da cultura brasileira. Não é pouco para o menino do violão de cabaça do Saco do Engano. Mas o garoto cresceu e quer muito mais.

Assim seja.