sexta-feira, 19 de março de 2010

O que tem de ser, será

Por Cineas Santos


De O poeta Da Costa e Silva


Foto: http://dacostaesilva.vilabol.uol.com.br/index.htm


José Mindlin de saudosa memória, com a autoridade de quem construiu uma biblioteca com mais de 40 mil volumes, definia sua paixão pelos livros como uma “loucura mansa”. Certa feita, o milionário paulista voou do Brasil a Paris para arrematar, pela “bagatela” de 4 mil dólares, a primeira edição de O Guarani, de José de Alencar. Com dinheiro, paciência e paixão, tornou-se o mais famoso bibliófilo do país, fato que lhe abriu as portas da Academia Brasileira de Letras. Num rasgo de generosidade, doou sua magnífica biblioteca à Universidade de São Paulo. Um belo gesto.

Sem a fortuna de Mindlin, mas movido pela mesma paixão e com ardente paciência, venho gastando minha vida na labuta diária de ler, editar, vender e doar livros a mancheias, como queria o Poeta. Curiosamente, só li meu primeiro romance aos 17 anos de idade, quando já poderia ter lido os clássicos da literatura universal. É que na minha aldeia os livros eram tão raros quanto as chuvas. A água que não bebi já não me faz falta; quanto aos livros... Mas vamos ao que ensejou esse arremedo de crônica. Embora não seja um bibliófilo, tenho um punhado de livros raros. Um deles, uma verdadeira preciosidade. Vejamos como este livro chegou-me às mãos.

Em 1982, em parceria com M. Paulo Nunes, editei a Antologia Poética de Da Costa e Silva, organizada pelo próprio autor, pouco antes do seu silêncio. Por incrível que pareça, foi o primeiro livro do nosso poeta maior editado no Piauí. Alberto da Costa e Silva, filho de Da Costa, ficou felicíssimo e veio prestigiar o lançamento da antologia em Teresina. Acresce que, pouco tempo depois, denunciei, na televisão, o furto de algumas peças raras na Casa Anísio Brito, onde funcionavam o arquivo e a biblioteca pública. O então secretário de cultura, em vez de mandar apurar os fatos, limitou-se a tentar desqualificar-me. Como a denúncia procedia, o cidadão resolveu vingar-se de mim da forma mais abjeta e rasteira: proibiu-me de participar da organização das festas alusivas ao centenário de nascimento do poeta, em 1985. Fiquei quieto no meu canto.

Para comemorar a efeméride, o governo do Piauí mandou editar 200 exemplares da obra completa de Da Costa e Silva, em papel vergé, com capa dura e fino acabamento. Os exemplares autografados pelos editores e numerados de 001 a 200, destinavam-se, naturalmente, às altas autoridades da República. Pois sem sair do meu canto, o exemplar 001 veio cair em minhas mãos sem que eu movesse uma palha. Como sói acontecer em tais circunstâncias, no açodamento, alguns exemplares da obra acabaram esquecidos numa caixa nos porões da secretaria de cultura. Com a mudança de governo, os livros, como entulho descartável, foram atirados às traças. Eram apenas cinco exemplares e o mais raro deles, o nº 1, foi-me doado por um servidor humilde, que não tinha a menor ideia do valor do presente. Ao abrir o livro, limitei-me a dizer: Obrigado, meu Poeta. O cidadão sorriu e disse: “O professor tem cada uma” e retirou-se sorrindo. Não faltará quem diga: “ pura coincidência”. Eu e o Poeta sabemos que não.

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