quarta-feira, 31 de março de 2010

A Galopante Escalada do Medo

“Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços” – CDA

Por Cineas Santos


De Medo


Segundo os entendidos, o medo é o mais visível e palpável de todos os sentimentos. Faz-se sentir/notar nos olhos, na boca, no coração, nas pernas e, principalmente, nos intestinos. O homem, por ter consciência do perigo e da finitude, fez do medo permanente companheiro de jornada. Ainda assim, viver sob o domínio dele tem efeitos devastadores em nosso organismo. Deixemos, contudo, de filosofice, que o objeto desta arenga é o chão do chão.

Há 30 anos, juntei os caraminguás amealhados a duras penas e comprei um terreno numa área pouco habitada, nas imediações da Universidade Federal do Piauí. A rua não era calçada, faltava água com muita frequência, a iluminação era precária, mas os vizinhos (mucuras, bem-te-vis e camaleões) eram discretos e amistosos. Resolvi construir uma casa que, de alguma forma, me remetesse ao sertão do Piauí. Fiz um casarão de fazenda, com cumeeira alta, varandas amplas e até mourões para amarrar meus cavalos imaginários. Decidi que não me cercaria de muros. Finquei estacas, pus uma tela de arame e plantei uma bela trepadeira. As chuvas se encarregaram do resto: uma viçosa cerca viva me propiciava a sensação de morar no meio de uma roça. À noite, deitado em minha rede de caroá, sentia-me nas brenhas do sertão onde nasci. Como não gosto de ar condicionado, costumava dormir com as janelas abertas. O medo não me tirava o sono.

Tudo ia muito bem até o dia em que surpreendi, entre tufos de helicônias, um indivíduo que, tendo furtado o animal de estimação de um vizinho, escondera-se justamente no meu quintal. Por pouco, não me acusaram de acoitar bandidos em minha casa. A contragosto, resolvi construir um muro civilizado, se é que essa coisa existe. Um muro baixo, de tijolos aparentes, rústico e belo.

Em pouco tempo a rua ganhou novas edificações, calçamento, água e até rede de esgoto. Foi o suficiente para atrair os indesejáveis “visitantes” que, sem o nosso consentimento, apropriavam-se do que nos pertencia. Os vizinhos, apavorados, resolveram construir cercas elétricas. Assim, de um dia para outro, vi-me meio cercado, refém do medo dos outros. Não demorou muito para que eu descobrisse que, sem cerca elétrica no muro da frente, minha casa tornou-se o alvo preferencial dos larápios. Tentei resistir, mas acabei vencido pelos fatos. No ano passado, no meio da noite, dois pivetes – 14 e 16, respectivamente – entraram em minha casa, arrombaram meu carro e, por pouco, não me converteram em notícia ruim. Naquela noite os dois “visitaram” 8 casas, algumas delas cercadas de toda a parafernália vendida pela indústria do medo. O mais novo deles já foi detido 17 vezes. É inteligente, cínico e violento. Se necessário, barbariza, certo da impunidade que lhe garante o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cansado, vencido, acovardado, fui obrigado a “proteger-me” com cercas elétricas. Finalmente, tornei-me prisioneiro do meu próprio medo. A partir de agora, depositarei, mensalmente, aos pés do deus pavor, o meu dízimo.

O Poeta tinha razão: um dia “morreremos de medo/e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”

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