sábado, 21 de dezembro de 2013

Uma fábula dançante





Até 1991 só conhecia duas músicas do Reginaldo Rossi, ambas nascidas na Jovem Guarda: “Mon amour, meu bem, ma femme” e “Tou doidão”. Nesse ano de Nosso Senhor Jesus Cristo, 1991, ainda sendo perseguido pelo que restou da ditadura militar, fui obrigado a viver na informalidade. Assim, pulava de galho em galho feito camelô paulista fugindo do rapa.

Frei Damião, o santo dos nordestinos e que ajudou a eleger Fernando Collor em várias eleições, costumava passar o carnaval na Vila São Francisco, um povoado entre as cidades de Paulo Jacinto e Quebrangulo. Era uma festa com PH maiúsculo. O lugarejo, com menos de mil habitantes, passava os três dias de carnaval com mais de quinze mil romeiros à procura do que e com que gastar.

Assim, achei de tirar proveito da multidão carente de milagres e, principalmente, faminta de diversão. Montei meu cacete armado no meio da praça. Antes, foi preciso molhar a mão do auxiliar do santo franciscano, o responsável pela organização da festa. E não foi pouco não.

Às vésperas do falapau, me disseram: “Você precisa colocar música de Reginaldo Rossi, senão não vem ninguém aqui”. E eu perguntei, inocentemente: “E ele tem mais de duas?” Tinha. Um bocado. E de tanto pedirem para tocar, acabei gostando de uma, “A raposa e as uvas”, essa que toca no vídeo. Pelo menos era dançante. Devia ser a preferida nos puteiros da vida.

Reginaldo Rossi era assim: um doidão. Quando havia briga nos seus shows, ele parava de cantar e mandava os brigões cheirar calcinha. Certa vez o empresário dele me levou a um show no Clube Alagoinha e, depois de cantar duas músicas, ele, o Reginaldo, falou que só continuaria quando recebesse o resto do cachê, em dinheiro vivo, e se mandou para o camarim. Reapareceu duas horas depois, com a cara cheia de uísque.
No início dos anos 2000 ele foi acolhido pela axé music no carnaval de Salvador, seu cachê disparou e o cantor dispensou seu fiel escudeiro dos tempos inglórios e das vacas magras. Antes, o show custava cinco mil reais; depois, passou para trinta. Que milagre não faz um trio elétrico, né mesmo?

Dois meses atrás me encontrei com o ex-empresário e ele me disse que o Reginaldo Rossi vivia a telefonar, querendo se reconciliar. Estava sem conseguir fazer shows fora de Pernambuco.

Infelizmente a morte chegou antes do previsto e ele morreu sem conseguir amenizar as mágoas do ex-amigo.

Maxambeta não é a rebimboca da parafuseta

Pois é, baby, você bem que tentou esconder, mas, para seu azar e felicidade geral da nação tricolor e torcida organizada do Vasco da Gama, descobri que todos têm dois e, infelizmente, você só tem um. Sem desfaçatez, apostou suas fichas no ditado popular do Luís Pimentel, o famoso Confúcio de Gavião, aquele ditado que você dizia amar de coração: “A mentira tem pernas curtas, mas é a que chega primeiro”. Acreditou e se finou. Depois da descoberta que o rei estava nu, as pernas de Hermes da Mentira lhe traíram e há quem diga que até o coitado do Zoroastro tem até três. Quem diria, hein? logo ele, que não tem nem onde cair morto. E você, uma simples elefantinha posando de dona de circo, comendo tripa de porco e arrotando caviar. Agora que suas caraminholas vieram a público, sábio é o ditado que diz que “quem nasce pra lagartixa nunca chega a jacaré”. Beiço de jegue nunca foi arroz doce, disse em bom Português o meu vizinho mudo, que também está revoltado com as suas mentiras.

Deste modo, parodiando o Millôr Fernandes, devo dizer que você mentiu tanto que mesmo afirmando com a mão na Bíblia de que está mentindo, ninguém acredita mais. E ponto final.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

SERIA MELHOR NÃO PERGUNTAR.

Ontem, quarenta e cinco dias depois da cirurgia, retornei ao médico para revisão. Depois de muitos apalpamentos, veio o diagnóstico:

- Você está ótimo! Está recuperado.
- Já posso fazer minha caminhada na praia?
- Pode.
- Posso marcar a cirurgia dos olhos?
- Pode.
- Posso comer carne sem gordura?
- Pode.
- Posso fazer sexo?
- Bom... sou médico e não santo pra fazer milagre.

sábado, 30 de novembro de 2013

Cineas Santos - Um passo rumo ao nada



                         
         Há 73 anos, Drummond escreveu: “Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples./Se quer fumar, aperte um botão./Paletós abotoam-se por eletricidade./O amor se faz pelo sem-fio./Não precisa estômago para a digestão” (“O Sobrevivente” -1930). O poeta viveu o bastante para ver o sem-fio ser substituído pelo internet e o estômago perder sua função específica. Não viveu, contudo, o suficiente para acompanhar a mais ousada de todas as aventuras humanas: o projeto Mars One, que pretende iniciar a “colonização” do planeta Marte em 2023. 

         Até onde se sabe, Marte não tem água em estado líquido nem oxigênio, elementos indispensáveis à vida, como a conhecemos. A viagem, se tudo correr bem, terá a duração de sete meses, com um agravante: só tem passagem de ida. Diante de tantos desafios, uma pergunta se impõe: alguém já se habilitou a fazê-la? Segundo a Revista Planeta (Nov.2013), “O projeto Mars One já seduziu 202.586 de todo mundo que, de abril a agosto, se candidataram a integrar a primeira  expedição para colonizar Marte”. Por oportuno, vale lembrar que, entre os “sortudos” figuram alguns brasileiros.

         Concebido por Bas Lansdorp, engenheiro mecânico holandês, o projeto custará a bagatela de seis bilhões de dólares e não será financiado por nenhum país especificamente. Para levantar a grana capaz de garantir a execução do  Mars One, o engenheiro pretende transformá-lo num imenso reality show a ser exibido por televisões de todo mundo. Não por acaso, o “embaixador” do projeto é o também holandês Paul Roner,criador do  Big Brother, que se tornou um dos homens mais ricos do mundo, alimentando a curiosidade malsã da humanidade. A dupla acredita que  “a missão  a Marte pode ser o maior evento midiático do mundo”. Curiosamente, nenhum dos dois pretende ir ao planeta gelado: preferem comandar a aventura da velha e sofrida Terra. Quanto aos colonizadores pioneiros, além de pagaram a inscrição, não há previsão de nenhum ganho material, a não ser  a “fama”. Se, porventura, encontrarem alguma coisa “preciosa” em Marte, não terão direito a nada. Negócio de urso.

         Como tudo parece peça de ficção científica, vamos imaginar uma situação absurda: dois terráqueos, abandonados em Marte, vagueiam famintos pela vastidão do planeta gelado. De repente, encontram uma patrulha de marcianos. O comandante  os interpela:

            - Quem são vocês e de onde vieram?
            - Severino e Slanowa, lá da Terra.
             - Da Terra? Vocês  acham pouco os estragos que já fizeram por lá? O que querem aqui? – Severino adianta-se:
           - Pra mim, basta um taco de rapadura e uma mancheinha de farinha. Pra ela, uma talagadinha  de vodka, a bichinha é viciada...

         O comandante dirige-se ao subcomandante  e dispara:

             - KPTA, eu não te disse que aquela ideia maluca de colonizar a Terra ia dar em merda!
          
                
   
        
        

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Ignácio de Loyola Brandão - Carta a um amigo que realizou o sonho



Caro Antônio Torres. Você não imagina o que vi há poucos dias na periferia de São Paulo, em São Miguel Paulista. Ali há uma grande praça chamada Morumbizinho. Cheia de árvores. Dessas árvores pendiam cordões, e na extremidade de cada um, um livro. E na extremidade de cada livro uma pessoa. Como se fosse um fio terra. As árvores, símbolos da vida, mantinham os livros, igualmente símbolos de vida à sua maneira. Intrigou-me a cena. Inácio Neto, um dos coordenadores da Semana Literária de São Miguel explicou: pela manhã, em um ritual, os livros são pendurados nas árvores. Cedo as pessoas se juntam à espera, correm e tomam "posse" de seu livro. Às vezes, ficam ali por horas, com breves momentos de repouso, vigilantes. A certa altura, vem a liberação, cada qual puxa seu livro e parte, amanhã haverá outro ritual. E depois, e depois.

Numa semana em que tivemos imagens repulsivas, aterradoras, melancólicas, como a da criança catando latinhas num lixão fedorento ou a reportagem de total perplexidade sobre o "rei do camarote", a cena das pessoas agarradas aos livros que desciam das árvores me emocionou. Há um Brasil diferente. Há um país desconhecido e há pessoas trabalhando para mudá-lo, caríssimo Torres. Esse Brasil você conheceu em centenas de viagens. Pena que a mídia ignore a existência da Semana Literária de São Miguel Paulista. Numa região de 400 mil habitantes, acontecem centenas de encontros, palestras, oficinas, exposições, teatro, canto. São Miguel é o lado oculto da periferia, ansiosa, criativa, querendo e oferecendo coisas. A gerir isso uma organização como a Fundação Tide Setubal. Esta imagem do ritual da colheita dos livros é que deveria ser expandida pela rede social, para as primeira páginas dos jornais: os livros tirados das árvores.

Você, Torres, eleito para a Academia Brasileira de Letras com votação quase unânime, ficaria feliz ao ver o que vi. Aos 73 anos e com 18 livros publicados, você, nascido no Junco, Bahia, chegou lá. O Junco mudou de nome, agora é Sátiro Dias. A Academia era um sonho e você conseguiu. Perdeu duas vezes, foi paciente. Perder faz parte do jogo, de todos os jogos. Agora está lá ao lado de Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, João Ubaldo Ribeiro com quem viajou muito por esse Brasil, de bibocas remotas às capitais. Pena, Moacyr Scliar se foi, era de nossa geração. Estivesse vivo, João Antonio estaria feliz, ainda que, na sua encarnação limabarretiana, virasse a cara.

Falei em João Antonio porque ele, você e eu sempre fomos unidos, fizemos infindáveis viagens por este Brasil. Os três vindos de famílias humildes. Gostaria de ver João se meter em um smoking para ir à sua posse, o que é de praxe. Ou ele chegaria de chinelão à Academia e seria impedido de entrar? Fiquei feliz por você, companheiro do jornal Última Hora nos anos 60. Quantos daquela época estão vivos para comemorar?

Garotões, escondíamos nossas ambições, desejos secretos, tínhamos medo de ser ridicularizados. Por inibição, medo de sermos gozados, ficávamos em silêncio. Você foi para a publicidade, mudou-se para o Rio. Anos mais tarde, em 1972, espantei-me, quando nos encontramos no Center Três, em São Paulo, e você que me mostrou um livro, Um Cão Uivando Para a Lua. Não vi o autor, perguntei:

- É bom? Acabou de comprar?

- Não, acabei de escrever e publicar.

Surpresa, então você tinha se calado todos aqueles anos? Logo depois, nos juntaríamos a João Antonio, formando o trio que percorreu o País após a polêmica Semana Contra a Censura realizada no Teatro Casa Grande no Rio de Janeiro em 1975. Numa dessas viagens, passamos por Araraquara e meu pai te elegeu amigo. "Um grande escritor," dizia o velho Brandão. "Tem cheiro de terra." Ele prenunciava o Essa Terra, enorme sucesso? Comovido, meu pai ouviu a história de como você, dos raros alfabetizados do Junco, escrevia cartas para os que não sabiam ler nem escrever. E como lia as respostas que chegavam. "Assim ele aprendeu, assim se aprende." Meu pai, estivesse vivo, teria me ligado para comemorar a sua eleição. Você, meu amigo, tinha muita ternura por ele, assim como teve para com o próprio pai, retratado em um livro, Adeus, Velho.

Publicado em dezenas de países, agora você é acadêmico. Na cadeira de Machado de Assis e de Jorge Amado. E o que me vem neste momento é uma fala sua no encontro do Paiol Literário de Curitiba, promovido pelo jornal Rascunho: "Por que é que a gente escreve? Deve haver uma falha dentro de nós. Por que o homem cria? Primeiro, porque ele não é capaz de carregar um ser humano dentro dele. De gerar um ser humano dentro dele. As mulheres não, elas não deixam de criar por causa disso, mas acho que, no homem, há esse componente, essa diferença, essa falta. Ele não gera uma criação dentro dele, então cria outras coisas. Tem um buraco dentro dele que é preciso preencher. Tem que criar, inventar coisas e se entreter com isso. E, de outra parte, você vê o seguinte: a literatura serve muito, muito mesmo, para a gente se centrar. Enquanto você a está fazendo, está filtrando, sendo a esponja de uma atmosfera que não é necessariamente saudável. E aí é que entra o escritor como alguém incomodado, alguém desconfortável dentro do seu tempo. Todo escritor mostrou o desconforto que sente durante seu tempo. Vá ver Proust e Dostoievski, e tantos outros. Há um desconforto ali, terrível. Diante da sociedade, diante de tudo".

Publicado no ESTADÃO, em 15 de novembro de 2013.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Luís Pimentel - Monsueto



      Alma do samba e do espírito carioca, o homenageado desse crônica (faria aniversário no dia 4) é o cantor, compositor, instrumentista e “figuraça” Monsueto Campos de Menezes (1924-1973). Contam que autor dos clássicos Mora na filosofia (“Eu vou lhe dar a decisão:/Botei na balança, você não pesou/Botei na peneira, você não passou”) e A fonte secou (“Eu não sou água, para me tratares assim/Só na hora da sede é que procuras por mim”) foi procurar o humorista, comediante e escritor Chico Anysio, que sempre teve fama de não medir esforços para ajudar os amigos em dificuldades.

     – Chico, preciso de ajuda. Estou há um tempão sem gravar nem fazer shows. Numa dureza de dar dó. Veja aí o que você pode fazer por mim.

     Logo, logo Chico Anysio criou um personagem para ser interpretado por Monsueto, em seu programa humorístico de televisão. Conseguiu aprovar o personagem junto à direção da emissora e o procurou:

     – Agora é só ir lá, Negão, e negociar o salário para a gente começar a gravar.

     Monsueto ficou eufórico:

     – E quanto eu peço, Chico? Quanto eu peço de grana?

     Chico Anysio disse que não interferia nas negociações salariais entre os artistas e a Globo, que ele fosse lá e visse o quanto poderia conseguir. Imediatamente Monsueto fez uma pesquisa junto a vários colegas, ouvindo de todas a “informação” de que a TV Globo pagava rios de dinheiro. Já foi falar com o responsável pela parte financeira imbuído desse espírito, quando se deu o seguinte diálogo:

     – O senhor está pensando em pedir quanto de salário? – perguntou o executivo.

     – Oitocentos! – respondeu Monsueto, na bucha.

     Depois de folhear alguns papéis e fazer alguns cálculos, usando uma maquininha, o representante da grana e da empresa informou:

    – O máximo a que podemos chegar é a 20.

     E o grande Monsueto, sem pestanejar:

     – Topo!

     O primeiro sucesso de Monsueto como compositor foi Me deixa em paz, gravado por Linda Batista. Foi ainda ator de cinema, show-man, cômico de televisão e diretor de bateria e harmonia de várias escolas de samba. Compôs umas 150 músicas e foi gravado por grandes intérpretes da MPB. Viveu e morou na filosofia, na melhor delas.