quinta-feira, 6 de novembro de 2008

DE JOÃO DA CRUZ A BARACK OBAMA


No arraial do Junco primitivo o negro foi mero figurante na geografia sócio-cultural, sem nenhuma importância no desenvolvimento econômico. Ou seja, não houve o elemento negro na preparação da terra nem movimentando as engrenagens urbanas.
Dizem que João da Cruz quando apeou no sagrado solo junquês trazia um negro escravo na garupa. Só um. Sendo ele um simples vaqueiro, é difícil de se entender para que ele queria um escravo e como o mantinha sob o seu jugo no ir e vir da inospitalidade sertaneja. Seria ele um cavaleiro e o negro o seu fiel escudeiro ou andava na contramão da história quando a escravidão negra só era possível no litoral, nas casas grandes e senzalas, principalmente?
Quem assistiu ao filme “Narradores de Javé”, viu o quanto o povo puxa a brasa para a sua sardinha na hora de narrar os fatos históricos. Javé era uma cidade do tamanho do Junco, que ia ser inundada pela barragem. Disseram que, se a cidade tivesse um fato histórico, a inundação seria barrada. E a população tratou de escrever a história da cidade, cada um enaltecendo ao seu modo os feitos heróicos do fundador de Javé. Assim como os narradores de Javé, os narradores do Junco deram um negro escravo a João da Cruz para enaltecer sua qualidade econômica à luz da História.
Quando pesquisava para o livro “arraial do Junco”, alguns depoentes se orgulhavam de sua porção nobre d’além-mar, propositadamente esquecidos de que o nosso DNA branco se esvaíra ao longo das eras, diluído nos constantes cruzamentos do caboclo com o índio. Ou melhor: com a índia. Não se sabe de nenhuma cabocla se deitando com o índio. Estas, se casavam com os primos, gente de nome e sobrenome. Principalmente sobrenome. Quando não havia primo para se casar, fugiam na garupa do cavalo do primeiro curiboca que aparecia.
A nossa mestiçagem é fruto genuíno do cruzamento do branco com o índio, mais propriamente com a índia, e quando o negro pisou o solo junquês, este já estava com sua povoação devidamente constituída em sua linhagem genética e fortemente segregacionista em suas relações sócio-culturais. O Junco que recebeu bem alguns negros remediados, foi o mesmo que desdenhou de outros renegados da sorte. Havia o “Doutor Fulano” e o outro que era apenas “Negão”. Negão tinha nome, mas ninguém sabia ao certo. Para que nome se sua sina de escravo continuava? A bajulação ao primeiro vinha da afirmação racista “preto com alma branca” enquanto que o segundo era visto como negro de senzala.
Fujo do arraial do Junco para a corrida final de Fórmula 1, em São Paulo, no último domingo, onde todo mundo aplaudiu um branco, mas teve que se curvar reverente a um jovem negro que mostrou ao mundo a igualdade da cor. No meio da semana, outro negro entrou pela porta na frente nos anais da História ao eleger-se presidente dos Estados Unidos e, por extensão, Imperador Supremo do Resto do Mundo. Meu finado avô, que era extremamente racista, só não está a afligir-se no túmulo porque não sabe da real importância de um negro governar a América. Obama chega à Casa Branca levado pela mesma utopia que colocou Lula no Planalto, aliás, usando o mesmo mote de campanha que emocionou multidões: “sem medo de ser feliz”.
Dizem que a eleição de Obama será o resgate do sonho americano. O sonho dos doze Césares: a expansão imperialista. “Veni, vidi, vici!” Na mensagem enviada ao futuro inquilino da Casa Branca, o primeiro-ministro francês disse que o mundo necessita de um grande líder. Será Obama esse “grande líder” que satisfará a ânsia francesa? Vercingetórix, o druida e herói gaulês que se insurgiu contra a ocupação romana da Gália em 53 a.C., com certeza chorou de vergonha por ter se sacrificado por um povo que mais tarde sentiria falta de um imperador.
A minha avó já dizia que canja de galinha e precaução não faz mal a ninguém. A frustração pode ser grande e geral para os que habitam fora das divisas americanas. Cogitar-se que Barack Obama será um imperialista amigo do terceiro mundo só por causa de sua cor, é presumir que um papa afro-descendente tornará a Umbanda a religião oficial do Vaticano.
Alea jacta est.



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