domingo, 2 de novembro de 2008

O Jegue Barroso*

Foi, deveras, o jegue mais famoso de toda a história da região. Fama adquirida pela sua sanha devassa e insaciabilidade sexual. Ele sentia o cheiro da fêmea no cio a léguas de distância e não sossegava enquanto não consumasse seu intento. Pulava cerca de macambira, se rasgava no arame farpado e atacava jega devidamente montada, colocando o montador em risco de se machucar com as investidas vigorosas e insistentes do jumento. Não adiantava gritar, ameaçar ou bater. Seu instinto animal era mais forte que a dor.

Era um verdadeiro deus-nos-acuda quando surgia uma jega no cio. Ou um espetáculo para os moleques e devassos; uma vergonha para as moças de família.

- Deus nos acuda! - gritou o padre, interrompendo o cântico.

O Junco vivia um prenúncio de estiagem. O vento nordeste soprava seu hálito quente, seco, levantando redemoinho de poeira que vinha da Rua da Bomba até a Praça do Tamarindeiro. A água do Tanque Velho há muito que secara e o Tanque do Município, também chamado de Tanque Novo, fornecia suas últimas gotas. A seca rondava o sertão e os roceiros, apreensivos e angustiados, andavam em procissão, chapéu na mão, pedindo proteção ao Senhor. O padre puxava os cânticos, acompanhado por centenas de vozes graves e agudas. 

Avééé, avéé; avemariiiaa! – cantavam em louvor a Nossa Senhora do Amparo, já chegando próximo à escadaria da igreja, quando se ouviu um relincho, dois relinchos, três relinchos, tropel de jegue a galope descendo a Rua Maria Gouveia, e eis que surge uma jega em desabalada carreira em direção do povo, seguida do jegue Barroso, que tentava montá-la em desespero de causa, ocasionando um verdadeiro alvoroço entre os devotos. O padre, após pronunciar o apelo já citado acima, segurou a barra da batina e subiu as escadas em desespero, se enrolando no cordão batinal, se estatelando no chão. O povo, em pânico, se espremia na porta da igreja, cada um querendo a preferência e não entrando ninguém. O padre, recomposto da queda, excomungou o jegue e todos os seus ascendentes e descendentes. De quebra, amaldiçoou também o seu dono.

Uma hora depois os milicianos conseguiram demover o jegue Barroso de suas intenções libidinosas, afastando sua pretendente para bem longe. O dono do inditoso teve que arcar com o prejuízo de uma multa imposta pelo delegado e por uma penitência de cem pais-nossos e trezentas ave-marias. 

*Crônica baseada no cordel “O Jegue Barroso”, de José Pedreira da Cruz.
(Extraído do livro "Arraial do Junco: Crônica de Sua Existência)

Um comentário:

Anônimo disse...

Sou o primeiro a dizer que está tudo perfeito tal como ocorreu