sexta-feira, 5 de junho de 2009

TAMBÉM TIVEMOS NOSSO W. BUSH


De Conquistador do Sertão



Houve uma guerra no sertão baiano. Ninguém ficou sabendo, mas houve. Aconteceu no mais absoluto sigilo, na calada da noite e de baioneta calada, de surpresa e, por ser o Comandante-em-Chefe um antigo filiado da Aliança Renovadora Nacional, a imprensa foi proibida de dar manchete. Apenas uma nota de rodapé em um jornal da capital, tempos depois, que ninguém deu importância. Eram os conturbados anos setenta e a pequena cidade de Lagoa Azul repousava bem longe dos embates ideológicos do além-fronteira. Na falta do quê fazer, o povo criticava a apatia e a incompetência do prefeito para tirar a cidade do marasmo.

Em uma tarde de pouca inspiração e de muita disposição, o prefeito sonhou que era o Imperador do Sertão e sentiu o ávido desejo dos grandes conquistadores em aumentar os limites do seu império. O mundo, subjugado a ele, haveria de lhe render tributos e homenagens:

- Ave César! Os que vão morrer te saúdam!

Assim, dominado pela sede de poder, acalentado pelo canto da cigarra, pegou o seu facão-espada e convocou a sua legião de soldados, uns bêbados que passavam a tarde enchendo a cara de cachaça na conta da Prefeitura. Seguiram de caminhão, apreensivos e sombrios, para a linha de combate, um povoado paupérrimo na divisa do município. O sol declinava no horizonte e a vermelhidão do arrebol prenunciava uma noite de sibilos traiçoeiros e o cheiro fétido do chumbo queimando a carne já se sentia pairando no ar.

- Alea jacta est!

Quando a noite se fez alta e as corujas recolheram seus pios, um bando de soldados trôpegos, portando garrafa de cachaça em vez de fuzil, avançou destemido pelo terreno inimigo e tomou de assalto uma escola primária e um posto de saúde em construção. Mãos ágeis entraram em cena e puseram a pique os dois prédios, atearam fogo nas carteiras escolares e destruíram uma plantação de mandioca, única fonte de subsistência do exército inimigo.

Como o breu da noite esconde todas as nossas maledicências, o Imperador recolheu seus homens e bateu em retirada, indo comemorar seu embate heroico em uma rodada etílica em seu castelo. Vitória completa, sem nenhuma baixa.

- Veni, vidi, vici!


Quando a névoa da manhã se fez diáfana, rostos surpresos, atônitos e incrédulos despertavam e miravam a destruição provocada por uma guerra não-declarada e de um combate não-anunciado. Revoltados, atearam fogo na bandeira do novo império que tremulava solitária sobre os escombros. 


2 comentários:

Anônimo disse...

Dá gosto ouvir o canto da acauã.

Anônimo

Jose Mattos disse...

Tom das Mimosas, com explica a legenda de rodapé, os dois contos: "Também tivemos nosso W. Buch" e "Atrás da cerca", versam sobre a mesmo história. O seu conto é mais esclarecedor. Debochado. Irônico. Uma marca sua. O do Antonio foca mais o personagem - fala de dentro da história - causa um certo turvamento visual e psicológico no leitor.