De Conquistador do Sertão |
Houve uma guerra no sertão baiano. Ninguém ficou sabendo, mas houve. Aconteceu no mais absoluto sigilo, na calada da noite e de baioneta calada, de surpresa e, por ser o Comandante-em-Chefe um antigo filiado da Aliança Renovadora Nacional, a imprensa foi proibida de dar manchete. Apenas uma nota de rodapé em um jornal da capital, tempos depois, que ninguém deu importância. Eram os conturbados anos setenta e a pequena cidade de Lagoa Azul repousava bem longe dos embates ideológicos do além-fronteira. Na falta do quê fazer, o povo criticava a apatia e a incompetência do prefeito para tirar a cidade do marasmo.
Em uma tarde de pouca inspiração e de muita disposição, o prefeito sonhou que era o Imperador do Sertão e sentiu o ávido desejo dos grandes conquistadores em aumentar os limites do seu império. O mundo, subjugado a ele, haveria de lhe render tributos e homenagens:
- Ave César! Os que vão morrer te saúdam!
Assim, dominado pela sede de poder, acalentado pelo canto da cigarra, pegou o seu facão-espada e convocou a sua legião de soldados, uns bêbados que passavam a tarde enchendo a cara de cachaça na conta da Prefeitura. Seguiram de caminhão, apreensivos e sombrios, para a linha de combate, um povoado paupérrimo na divisa do município. O sol declinava no horizonte e a vermelhidão do arrebol prenunciava uma noite de sibilos traiçoeiros e o cheiro fétido do chumbo queimando a carne já se sentia pairando no ar.
- Alea jacta est!
Quando a noite se fez alta e as corujas recolheram seus pios, um bando de soldados trôpegos, portando garrafa de cachaça em vez de fuzil, avançou destemido pelo terreno inimigo e tomou de assalto uma escola primária e um posto de saúde em construção. Mãos ágeis entraram em cena e puseram a pique os dois prédios, atearam fogo nas carteiras escolares e destruíram uma plantação de mandioca, única fonte de subsistência do exército inimigo.
Como o breu da noite esconde todas as nossas maledicências, o Imperador recolheu seus homens e bateu em retirada, indo comemorar seu embate heroico em uma rodada etílica em seu castelo. Vitória completa, sem nenhuma baixa.
- Veni, vidi, vici!
Quando a névoa da manhã se fez diáfana, rostos surpresos, atônitos e incrédulos despertavam e miravam a destruição provocada por uma guerra não-declarada e de um combate não-anunciado. Revoltados, atearam fogo na bandeira do novo império que tremulava solitária sobre os escombros.
2 comentários:
Dá gosto ouvir o canto da acauã.
Anônimo
Tom das Mimosas, com explica a legenda de rodapé, os dois contos: "Também tivemos nosso W. Buch" e "Atrás da cerca", versam sobre a mesmo história. O seu conto é mais esclarecedor. Debochado. Irônico. Uma marca sua. O do Antonio foca mais o personagem - fala de dentro da história - causa um certo turvamento visual e psicológico no leitor.
Postar um comentário