De A chegada do homem a Lua |
Quarenta anos atrás fiquei com o meu pescoço doendo de tanto olhar para o céu, tentando ver a Apolo XI pousar na Lua. A Rede Tupy de Televisão transmitia a façanha via Intelsat e o ato heróico dos três astronautas americanos causou uma revolução em nossas vidas. No dia seguinte, e nos outros que se seguiram por mais de um mês, só se falava nisso e nas escolas era obrigatório saber o nome dos três heróis espaciais e dizer as palavras históricas do comandante Armstrong no momento em que ele pisou o solo lunar na noite de 20 de julho de 1969: “É um pequeno passo para o homem, mas um gigantesco para a humanidade”. Tinha apenas treze anos e, de repente, palavras como “órbita”, “módulo lunar”, “estágio” e “reentrada na atmosfera terrestre” passaram a ter uso corrente e obrigatório.
Eu era apaixonado por Sandra, que era apaixonada por Gilberto, que era apaixonado por Maria. Para chamar a sua atenção comecei a fumar um cigarro de marca Continental, que depois troquei por Capri, com filtro, por Minister e depois Hollywood, porém o tiro saiu pela culatra, pois ela não gostava de cigarro, muito menos de pirralho fumante.
Comprei brilhantina Glostora, sapato cavalo de aço, perfume Príncipe Negro, bicicleta Monareta, um relógio de pulso banhado a ouro de marca Seiko e um disco de Roberto Carlos que tinha a música que dizia assim: “Ana / Estou tão triste/ Vieram me dizer / Que posso até morrer / Pra você...” Aprendi a letra, treinei a voz, fiz uma serenata em uma noite de lua cheia, e ela, depois de me jogar um balde d’água, quebrou o disco de Roberto Carlos na minha cabeça, desmanchando o penteado brilhantinado, e fui obrigado a fugir na Monareta o mais rápido que pude. Cego de vergonha pela fuga desonrosa, bati a bicicleta no meio fio da calçada, caí desajeitado, quebrei o braço e, de lambuja, espatifou o relógio que me custara o preço de uma vaquinha, presente de minha madrinha. Depois entendi a violência da minha Julieta: seu nome era Sandra, e não, Ana. Lastimável engano!
Sem a bicicleta, a vaquinha e o relógio, tratei de esquecer a desalmada Sandra. Apaixonei-me pela professora estagiária da escola, que também me chamou de pirralho e não quis nada comigo. E ainda me deu zero em redação, só porque lhe escrevi uma carta de amor. Assim, de paixão em paixão, algumas correspondidas, outras não, consegui chegar até aqui para contar estes dois dedos de prosa. No entanto, mesmo largando a Sandra ao seu próprio destino, não consegui largar o maldito vício do cigarro e ele me acompanhou por mais de vinte anos como meu único e verdadeiro amigo do peito.
No dia 20 de julho de 1969, e nos outros dias que se sucederam até nove anos atrás, o meu pai dizia que a Lua era coisa de Deus e que jamais o homem poria os pés por lá. A audácia humana não chegaria a tanto, dizia, entre uma filosofada e outra, para uma platéia de ouvintes atentos, homens rudes, acostumados a dormir no pôr-do-sol e a acordar no raiar do dia. Irineu de Lolô de Febrônio tinha filho professor, filho jornalista, filho escritor, e o que ele dizia devia ter um embasamento técnico, devidamente assessorado pelos filhos, que cedo ganharam o mundo para divulgar as coisas do arraial do Junco e também mandar notícias das terras civilizadas.
De nada adiantava explicar os avanços da ciência para o velho, que tinha lá os seus próprios conceitos a respeito das coisas e do mundo. Como o desmentir diante de uma legião de seguidores que o chamava de “compadre” e lhe devotava o maior respeito? Uma vez ele ousou contar, um a um, e se assustou com o resultado: chegava perto de mil o numero de afilhados. Ninguém batizaria tantos se não fosse considerada uma pessoa importante. Já nós, filhos desorbitados, debitávamos seus argumentos à força do atraso cultural a que estava relegada a terra em que ele teimava em não abandonar, isolada de Deus e do mundo, cujas notícias da civilização chegavam em lombo de animal.
Em 1999, por ocasião da comemoração dos trinta anos da chegada do homem à Lua, foi divulgada uma pesquisa em que dizia que boa parcela dos americanos também não acreditava que o homem tinha chegado lá e que tinha sido pura invenção do Governo e da NASA para engabelar os eleitores, desviar a atenção da guerra do Vietnã e se impor na corrida espacial contra os russos.
Foi uma pena que nesse dia o meu pai, chegando perto dos seus noventa anos, não mais ligasse as notícias aos fatos e, dois anos depois dessa pesquisa, tivesse partido em sua viagem intergaláctica para hastear, ele próprio, a sua bandeira em todas as luas do universo, sob o testemunho espectral dos amigos que formavam a platéia para ouvir as suas ponderações sobre a impossibilidade do homem encarnado pisar nas invenções divinas ou fazer xixi nas estrelas.
2 comentários:
Olá Tom...o tempo passa mesmo muito rápido, passam os fatos, os amores, as modas, os gostos muitas vezes...só não passa a lembrança pelo que já fizemos. Por isso meu lema é viver a vida como se todo dia fosse o primeiro, porque é sempre mais interessante. Um abraço! Junya Paula
Obrigado, Junya.
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