Há certos aromas que são como a primeira namorada: a gente nunca esquece. Estava cumprindo o meu carma em um ponto de ônibus e de repente um forte cheiro de fumaça impregnou o ambiente. Não uma fumaça qualquer, mas a de um cigarro. Não de um cigarro qualquer, mas de cigarro de palha, aquele feito de fumo de corda, ou de rolo, como também é conhecido, picado em canivete e enrolado carinhosamente em papel-seda. A saliva serve como adesivo. Procurei a origem da fumaça e descobri um senhor, com cara de matuto, pitando seu cigarrinho ao léu, indiferente aos protestos de algumas mulheres irritadas e às minhas lembranças que afloraram incontidas.
Irineu de Lolô de Febrônio, meu pai, era cliente assíduo da Souza Cruz, mas gostava de enrolar seu próprio cigarro de palha, sentado no avarandado, admirando o arrebol do pôr-do-sol por detrás do Cruzeiro dos Montes, jogando conversa fora com os amigos e trabalhadores em final de lida, tomando um cafezinho passado na hora e torrado em tacho de cobre. Como todos fumavam quase ao mesmo tempo, a casa ficava impregnada com o forte cheiro dos alcalóides do fumo. Com a popularização do cigarro industrial, o cigarro de palha passou a se chamar, pejorativamente, de “escora-carroça”, “arromba-peito” e “mata-rato”.
Ninguém nunca atentou para um detalhe importante: o cigarro industrializado não só trouxe maior incidência de câncer do pulmão como aumentou o estresse e o esgotamento físico do trabalhador rural. Os cigarros vêm prontos para serem acesos, com filtro apropriado para receber pressão dos lábios sem se desmanchar, e o fumante não perde tempo entre o fumar e o exercício de suas atividades manuais.
Já o cigarro de palha demandava um tempo para a confecção do mesmo e não se permitia maiores pressões labiais, sob o risco de se desmanchar o papel. Nesse meio tempo, o trabalhador aproveitava para descansar de sua batalha campal, normalmente uma jornada superior a oito horas diárias, sob a inclemência de um sol causticante e de remuneração aviltante.
Geralmente havia mais de um trabalhador na lida, que paravam simultaneamente para pitar à sombra de uma árvore, jogando conversa fora, amenizando o sofrimento de uma existência desigual apenas por um papear momentâneo. Na simplicidade de suas vidas campesinas, mal desconfiavam que praticavam a terapia em grupo.
São lembranças de um cheiro transportado para os tempos da inocência em que não havia propaganda institucional alertando para o mal que o cigarro faz à saúde e que até causa impotência sexual. Ao ver tal advertência estampada no maço de cigarros, um amigo fumante pediu para que trocasse pelo maço que causa câncer no pulmão. E a modernidade levou o uso do papel-seda a ser associado exclusivamente aos seguidores de Sua Excelência, a Maconha.
O sol estava de rachar o cano e eu com a cabeça no tempo, cozinhando o juízo na longa espera da salvação proletária: o transporte coletivo. Os ônibus em Maceió são como castigos divinos: tardam, mas um dia chegam. Sai prefeito, entra prefeito, e tudo continua na mesmice de sempre. A fome apertando, o estômago roncando e a boca ressecada pela sede. Não havia uma sombra decente para amenizar a agonia da espera.
Uma vez acomodado no ônibus de volta ao lar doce lar cochilei nos solavancos e o mundo real se misturou ao virtual e tive um relampejo visionário de que o caos urbano começa nos pontos de ônibus, principalmente na volta pra casa.
Um comentário:
Essa simplicidade das coisas feitas por nós mesmos é algo que eu espero que a nossa gente decida resgatar.
O prazer da comida caseira, do brinquedo de madeira, de pintar a própria parede.
Adorei a crônica.
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