O leitor eventual ou contumaz dos sites literários que proliferam Internet afora, e que com eles não mantém nenhum vínculo ou cumplicidade literária, sequer imagina que, por trás da frieza translúcida do monitor de vídeo, existe um mundo à parte, cheio de intrigas, fofocas, vaidades, amor, traição, ódio, e que muitos casamentos podem ser feitos ou desfeitos na mesma velocidade em que o raciocínio acompanha as letras opacas dos textos. Amizades se constroem e amigos se destroem no mais leve toque de tecla nos chamados e-groups e sites literários, muito mais rápido do que no acionamento da tecla “delete”.
Para alguns desses escritores de sites e e-groups, a maior invenção do mundo foram os atalhos de teclado “control+c” e “control+v”. Copiar e colar. Copia-se de tudo. Cola-se tudo, sem o menor pudor e escrúpulo. Há até comentário copiado e colado em autores diversos sem que o colador sinta o menor constrangimento em ser flagrado em sua deslealdade ponderativa.
Que se esperar de um autor incapaz de rabiscar umas linhas em atenção a um texto e que usa comentário padrão na visita aos seus pares? Um escritor inapto na leitura, inapto no escrever um comentário, deve ser também incapaz de produzir seus próprios textos. Usa deliberadamente o “copiar-colar”, troca algumas palavras, inverte a posição de outras, assina embaixo e se diz dono da criação alheia.
Uma vez recebi um comunicado de um site que um determinado texto meu estava concorrendo a um prêmio. Fiz uma visita para conferir e constatei que o segundo colocado era um plágio grosseiro de um causo contado no livro “Alexandre e Outros Heróis”. Imediatamente denunciei o meliante aos responsáveis e descobri que eles também eram um bando de copiadores.
O plágio é um furto de propriedade intelectual devidamente qualificado no Código Civil. Uma imoralidade criminosa, embora muita gente famosa ande plagiando a torto e a direito. Pantaleão, personagem criado por Chico Anísio nos anos 70 para o programa Chico City, foi um plágio de “Alexandre e Outros Heróis”, do mestre Graciliano Ramos. Roberto Carlos foi condenado por plágio em dois processos. W. Bush, o filho, plagiou os grandes conquistadores.
Gêmeos não são cópia nem clone. Lula garante que não é cópia de FHC e nos últimos dias esperneia para provar que não é plágio de Fernandinho da Casa da Dinda, o ex-marido da Rosane; esta, um plágio defeituoso da boneca Barbie. O PFL, agora DEM, plagia o PT de antigamente que plagia o PSDB. Zé Dirceu tinha convicção de que era Mussolini.
Fernando Henrique Cardoso plagiou John Lennon na hora de passar a faixa presidencial:
- O sonho acabou! – sussurrou ao ouvido de Lula. Ninguém até hoje sabe se ele se referia à globalização do seu governo ou ao fim do encantamento utópico na era PT.
Já Enéas era um plágio mal feito de Monga, a mulher-macaco.
ACM era um plagiador insatisfeito. Um dia, acordou de mau humor e se achou o próprio Diabo. Depois de reinar por muitos anos segurando o tridente, descobriu que o Diabo não tinha esses poderes todos. Reuniu seus secretários de Estado, os puxa-sacos e cabos eleitorais, e anunciou em rede local de rádio, jornal e televisão:
- Agora sou Deus! – e a Rede Globo acreditou.
Maiakovski saiu do seu túmulo para plagiar um brasileiro, embora sequer tivesse escrito o tal plágio. Creditava-se a ele o poema “No caminho com Maiakovski”, do poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, que, por muitos anos, algumas estrofes foram o mote revolucionário da nossa Esquerda.
Certa vez a minha amiga Maria Helena Bandeira, cuja filha é militante dos movimentos de proteção aos animais, me enviou um texto querendo ajuda para descobrir o autor, pois sua filha queria usá-lo em seu blog. Por coincidência, era um texto de minha autoria, escrito para um site especializado na questão felina, e tinha como título “Porque não devemos atirar o pau no gato”. Apesar de, no site, estar devidamente identificado, o texto rolava mundo afora sem nenhuma autoria.
Como se vê (ou se lê), original mesmo só o Homem de Neanderthal.
Mas voltemos aos sites, onde a generosidade dos deuses da Literatura nos brinda com seus escritos sem cobrar cachê ou direitos autorais. Mas devo alertá-lo, caro leitor, que enquanto você está lendo este texto, centenas de outros estão sendo plagiados por pessoas inescrupulosas, parasitas intelectuais que se nutrem da criação alheia. É bem capaz de que, mesmo antes de você chegar ao parágrafo final, este texto já tenha sido plagiado por umas dez pessoas.
Conheço várias mentes profícuas que despejam toneladas de poesias diariamente nos sites e grupos literários que pululam neste vasto mundo virtual, como se não fizessem mais nada na vida a não ser comer, beber e respirar poesia. Ante a constatação de que os grandes poetas levavam anos para escrever um livro, começo a achar que havia alguma coisa errada com eles. João Cabral de Melo Neto levou aproximadamente três anos para escrever Morte e Vida Severina. Igual tempo gastou Nietzsche em “Assim Falou Zaratustra”.
Castro Alves, o Príncipe dos Poetas, em toda sua vida escreveu apenas um livro. Como ele, centenas de outros bons autores. Então, de onde vem toda essa proficiência intelectual dos nossos poetas das mil e uma obras diárias? Não sei. Se não copiam ou se copiam, acharam a pedra filosofal das Letras. Tudo que toca, vira literatura.
Ou então, nossos grandes escritores não eram tão grandes assim.
2 comentários:
Adorei esse texto, por ser bem escrito e bem engraçado.
Enfatizando com bom humor essa causa tão séria que atinge até mesmo alguns alunos que "tentam" plagiar por meio da internet seus trabalhos escolares...
Nada de clonagens e plágios, sejamos originais...pelo menos parcialmente, né gente?!
Leila de Barros
Leilaliel: obrigado.
Elton: claro que continuamos donos dos nossos textos, mas, infelizmente, tem gente que se acha mais dono.
beijabraços.
Desculpem a pressa. É que estou na bienal de Recife.
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