Por Cineas Santos
De Monalisa siliconada |
Vivemos sob a insuportável ditadura da estética, garantem os entendidos. Poderiam acrescentar: patrocinada por uma indústria que fatura, anualmente, bilhões de dólares. Sob suas asas, agasalham-se fabricantes de cosméticos, laboratórios farmacêuticos, cirurgiões plásticos, esteticistas, nutricionistas, agências de publicidade e charlatões em geral. O cientista inglês Aubrey de Grey, presidente da Fundação Matusalém, afirmou que, num futuro próximo, o homem poderá viver mais de mil anos sem maiores problemas. Para o sábio da Universidade de Cambridge, “a fonte da eterna juventude está na reparação dos danos moleculares e celulares que ocorrem no organismo do homem ao longo do tempo”. Como ferramenta para reparar as “peças danificadas”, o cidadão pretende utilizar vírus modificados, glóbulos brancos e bactérias. Hoje, no entender dos sábios, só envelhece quem quer; só morre quem não se cuida. Consternado, todos os dias, ao barbear-me, coço a carapinha recoberta de algodão, confiro os sulcos deixados pelo tempo em minha face e me sinto um suicida...
Houve uma época, não muito distante, em que quem se submetia a uma cirurgia plástica fazia tudo para ocultá-la; hoje, o (a) paciente pede ao cirurgião: Doutor, o senhor poderia pôr sua assinatura aí embaixo para eu matar os amigos de inveja! Por oportuno, vale lembrar que Martha Rocha perdeu a coroa de miss universo “por duas polegadas a mais nos quadris”; Hoje, todas as concorrentes ao cetro são esculpidas a bisturi ou recheadas de silicone. O tempora! O moris!
Certa feita, Millôr Fernandes escreveu (estou citando de memória): Não entendo essas moças que fazem o possível e o impossível em busca de um corpo perfeito e depois qfirmam que não querem ser julgadas apenas por sua beleza física. Pois eu queria ser julgado, pelo menos uma vez na vida, por outro atributo que não fosse a minha inteligência.
Lembrei-me dessa tirada quando, na semana passada, fui abordado por uma carroceira. Negra, pobre, idade inescrutável, aquela cidadã não fora poupada pela vida. Humildemente, pediu-me que fizesse uma matéria com ela para o programa “Feito em Casa”. Expliquei-lhe que, infelizmente, o programa não possui esse viés assistencialista. Por falta de coisa melhor, dei-lhe os caraminguás que trazia no bolso. A cidadã invocou as sete mil virgens para que derramassem bênçãos sobre minha cabeça. Não bastasse isso, delicadamente pegou no meu braço e disparou: - Que Deus lhe faça ainda mais gato! Diante do meu espanto, repetiu, escandindo as sílabas: - DEUS LHE FA-ÇA A-IN-DA MAIS GA-TO!
Ao longo da vida já fui chamado de quase tudo: feinho, feioso, feião e, ultimamente, feivéi. Gato, nunca! Pensei comigo: finalmente, alguém descobriu em mim aquela beleza recôndita que não se mostra aos olhos levianos. Infelizmente minha existência felina durou menos de meia hora. Eufórico, contei o ocorrido a uma dileta amiga, que se limitou a dizer: - Em vez de esmola, você bem que poderia ter conseguido uma consulta com um oftalmologista para aquela pobre velha. Desacorçoado, desci do telhado e voltei ao chão da feiura que me acompanha desde sempre como um encosto. Está escrito: ninguém foge à sua sina...
Nenhum comentário:
Postar um comentário