quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O Camarote


Em terra de olho quem tem um cego é guia de cego. E o meu primo Marcelo, cujos olhos se acostumaram com a cegueira política da capital federal, pisou no arraial do Junco pensando que estava em terra de cego e entrou sumariamente pelo cano: era terra de olho.

Fez trato com o prefeito seis meses antes:

- Na festa da padroeira vou colocar um camarote pra modernizar a cidade. Um camarote apartidário, para celebrarmos a amizade de outrora.

Daí então passou a maturar a ideia. Chegou à conclusão que um espaço para cem pessoas seria o ideal. Pegou régua e compasso, pesquisou bufê, uniformizou garçom, contratou carpinteiro, pedreiro, eletricista, DJ e, depois de tudo milimetricamente calculado, colocou preço nos ingressos.

- É a festa das elites! – gritou a oposição ressabiada.

- É o apartheid! – protestou a situação ao ver o preço dos ingressos.

- É o meu fim político! – gritou mais alto o prefeito ao saber que a maioria dos ingressos havia sido comprada pela oposição.

- Meu show! Meu show! O show que contratei sendo visto pela oposição! E de camarote! – choramingou alguém no meio da multidão, pelo visto, personagem de grande importância porque o tal show era de uma dupla famosa cujo cachê subia às alturas. Nessa hora o arraial do Junco capitulou ao coronelismo e passou a ser uma terra de cego, pois havia gente com olho se dizendo dona do pedaço. Ou do show. E as contratações foram todas bancadas pelo erário. Era o dinheiro do povo, do contribuinte, servindo de cabedal político partidário.

- Abaixo o camarote! Morte à oposição! – gritaram os bajuladores cegos, solidários com o rei que só tinha um olho.

Longe dali, alheio ao facciosismo político, Marcelo preparava as malas para comparecer ao evento. Sua terra, seu torrão natal, seus sonhos de longas noites, suas orgias noturnas e os bacanais nos barrancos da vida, onde as jegas ficavam de quatro. Outrora, ele, Marcelo, era a voz da oposição, o cavaleiro da esperança, o espinho no pé dos políticos carreiristas. Bancou até um jornalzinho, mas foi fechado pela censura religiosa, sob a acusação de promover heresias.

No Junco é assim: manda quem pode e obedece quem tem juízo. Ainda se pratica a política arcaica, a perseguição inquisitória, e o lado que elege o prefeito torna-se dono da cidade. O Ministério Público é inoperante, a Justiça é literalmente cega e a coisa pública se confunde com o privado. É uma terra de donos. Donos do poder.

Tardiamente Marcelo compreendeu que não se pode confiar em político, principalmente quando a terra é de olho. Antes tivesse sido cego, para não enxergar seu camarote destruído no meio da Praça e seus detratores cinicamente urrando no meio dos escombros:

- Reconstrói! Reconstrói, Marcelo! Agora nós deixamos!



N.B. - Meu primo Marcelo não pode colocar seu camarote na festa da Padroeira do arraial do Junco pelo simples fato de ele não partidarizar os ingressos e algumas pessoas que votaram contra o atual prefeito democraticamente participariam da festa que, a princípio, deveria ser pluripartidária, vez que estava sendo bancada com o dinheiro público. Mas não faltou camarote. Havia um, bancado pela Prefeitura, onde rolou comes e bebes à vontade (festa paga com dinheiro público é assim mesmo) e alguns vexames, como mandar esconder os salgados para os convidados irem embora. E o frisson tresloucado de alguém querendo aparecer nas câmaras da TVE.



4 comentários:

Fran Silva disse...

Parabéns Sra. Mislene pela crõnica,
vc tem total razão, só acresentária sobre a justica, além de cega ela surda e burra e dizem que ela é pra todos, outra mentira, a justica com pouquíssimas exessões é para os ricos e poderosos !

Tom Torres disse...

Caro José Francisco,
Os textos não assinados são de autoria desse que vos fala, o Tom do Junco.
Obrigado pela visita.

Mislene Lopes disse...

José, como já disse meu amigo Tom, a crônica e da autoria dele! Quem me dera escrever tão bem assim!
Achei importande divulgar na comunidade, pois assim todos possam conferir essa obra rsrs e o desfecho de uma maneira mais clara e ampla!
Eu de inicio rebati, relutei, não queria acreditar, mas diante aos fatos me rendo: Tom vc estava certo!!
Beijos amigo!!!

Anônimo disse...

Passando pelo Blog, comecei a ler sua cronica e fiquei impressionado com a sua agilidade na escrita e com sua forma e/ou estética própria para escrever. Sou de produzir cronicas também, mas preciso aprender muito com você, mesmo sendo Prof. de Linguistica e de Redação. Fico feliz em saber que existem pessoas neste mundo dominado pela revolução tecnologica que tresnfigura a escrita, que faz de sua escrita a sua arte de proferir e criticar de forma sutil com suas metáforas e jogos de linguagem. Parabéns!