Aproveitando meu penúltimo dia na esbórnia (o último só no suspiro final) para publicar a gentil colaboração da minha amiga d'além-mar.
Sara Rafael
Enterra-se o Carnaval. Hoje é quarta-feira de cinzas. Começa a Quaresma.
Quarta-feira de cinzas é qualquer dia para mim. São as cinzas da minha vida. Todos os dias, quando acordo, se apaga a minha alegria de viver. Não há “Carne vale”. Queimo o valor da carne, porque há carência de dinheiro para comer.
É vida sem fulgor. É cinza sem calor; é fogo apagado sem arder. È sempre Quaresma.
Os 40 dias bíblicos até a Páscoa representam 40 anos, a esperança média de vida na época.
Com a média de vida actual, reescrevendo hoje, seriam 80 dias. Vida que se arrasta em jejum, isolamento, negação de desejos, recusa de ambições, em penitencia no deserto.
A minha vida é um deserto de 60 dias. Solidão sem esperança de ressurreição. Todos os dias faço jejum. Só tenho uma refeição depois do pôr-do-sol. Não posso pagar duas refeições, jantando não vou dormir de barriga vazia.
Vou vivendo resistindo às tentações, da facilidade de morrer... meditando no vazio... na realidade sócio-económico-política deste país, marcada pela injustiça, pela exclusão, por índices sempre mais altos de miséria, por medidas sempre mais elevadas de prepotência.
Não tenho mais temas para escrever. Há carência de essência por aqui. Sem causas nem conquistas. Gente que vai sendo anestesiada com cérebro que vai sendo lavado. Povo que vai perdendo a visão no marasmo. A vida neste país vai sendo Quaresma sem Páscoa.
Vou escrevendo no gerúndio, prolongando o que é breve: Nem D. Sebastião volta, nem Jesus ressuscita.
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