quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

UM CARNAVAL COM ZORBA & CIA

Por Cineas Santos





Decididamente, não gosto de carnaval. Por amor a verdade, melhor seria dizer: tenho trauma de carnaval. Explico: na remota década de 60 do milênio passado, numa segunda-feira aziaga, perdi uma fulaninha por quem andava encegueirado para um garoto sarará, que dançava frevo como uma carrapeta, tinha uma bicicleta Monark novinha e um reluzente relógio Lanco. A zinha era louca por carnaval e me convenceu a fantasiar-me de otário (a única fantasia que me cai bem) para acompanhá-la no corso. Enquanto a bandinha limitou-se a tocar marchinhas manjadas, eu me segurei; quando atacou de frevo, perdi o passo, a sirigaita e, para sempre, o tesão por carnaval. Por conta daquele vexame, quase me tornei padre. Mas Deus, sabedoria em estado puro, escolhe os seus por outros critérios que não a “vocação” provocada por dor-de-cotovelo...

Este ano, para fugir do carnaval, programei-me para ir a Guaramiranga, cidadezinha simpática encravada na Serra do Baturité, no Ceará. O problema é que, nesse período do ano, a cidade promove um concorrido festival de jazz, que atrai aficionados turistas e farofeiros de todas as procedências. Fiz as contas e concluí que, entre malucos por sambas e tarados por jazz, a diferença é mínima. Fiquei no meu canto: “boa romaria faz...”

Feriado prolongado é sinônimo de perda de tempo: você planeja arrumar os papéis, limpar as gavetas, responder às cartas dos amigos (sou do tempo em que se escreviam cartas), iniciar aquele romance que revolucionará a literatura ocidental, e acaba mesmo é dormindo mais do que seria recomendável. Segundo Victor Hugo, que sofria de insônia, “O sono imerecido embrutece o espírito”.

Cansado de não fazer nada, passei numa locadora de vídeos para garimpar algum filme antigo, digno de ser revisto. Levei sorte: encontrei nada menos que Zorba – o grego, um filme de tirar o fôlego. Lançado em 64, só agora chega às locadoras em DVD. Anthony Quinn, como Zorba, simplesmente arrebenta. Não bastasse a competência do velho ator e a direção firme de Michael Cacoynnis, o filme conta com a beleza quase pecaminosa de Irene Papas, no papel de uma viúva cobiçada por todos os homens da ilha de Creta. O mais é loucura e magia. Zorba, uma tempestade de homem, ministra lições de vida a um aprendiz de escritor sem inspiração. Lá pelas tantas, afirma: “Só há um pecado que Deus não perdoa: uma mulher bonita: chamar um homem para a cama e ele não atendê-la”. Filmado em preto e branco, o filme não envelheceu: faz jus ao título de clássico do cinema ocidental.

Como não tenho preconceito contra o novo, vi também Conversando com mamãe, (2004) de Ulisses Dumont, com China Zorrilla e Eduardo Blanco. Se me pedissem para definir o filme, eu diria apenas: humano, demasiadamente humano. O filme encanta pela simplicidade e comove pela ternura. Tendo como pano de fundo a derrocada econômica da Argentina, Conversando com mamãe nos instiga a uma reflexão mais profunda sobre o “lugar” do velho no mundo contemporâneo. Imperdível.

Os dois filmes me deixaram encharcado de poesia. Por pouco, não me esqueci de que, aos 12 anos de idade, numa segunda-feira de carnaval, perdi uma sirigaita acesa ao som de “Vassourinhas”, dos pernambucanos Matias da Rocha e Joana Batista Ramos.

Que venham as cinzas...

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